ENTENDENDO O PROCESSO LICITATÓRIO: AS ETAPAS DO CERTAME
Victoria Magnani
Advogada
Entre as diversas alterações trazidas pela Lei nº 14.133/2021 (a chamada Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLCA), uma das mudanças mais significativas diz respeito às etapas dos procedimentos licitatórios.
Afastando-se consideravelmente da sua antecessora, a conhecida Lei nº 8.666/93, a NLLCA trouxe uma sequência de fases muito similar à adotada pela Lei do Pregão (Lei nº 10.520/02), em especial devido à inversão das fases de habilitação e de julgamento das propostas, com o objetivo de simplificar e conferir agilidade ao procedimento licitatório.
Em linhas gerais, o rito da licitação pública se estrutura por meio das seguintes etapas, prevista no artigo 17 da Lei nº 14.133/2021:
Fase preparatória
A fase preparatória, também chamada fase interna da licitação, contempla inicialmente a identificação de uma necessidade pública que, embora não possa ser resolvida de forma adequada e diretamente pela própria Administração, pode ser satisfeita por meio da contratação de um particular. Uma vez identificada essa necessidade, ainda na fase preparatória, tem-se o planejamento sobre a contratação em si, em termos de melhor solução, incluindo a forma de seleção do particular a ser contratado e o objeto da contratação propriamente dito.
É nessa fase que serão desenvolvidos o Estudo Técnico Preliminar (ETP), o Projeto Básico ou Termo de Referência, além do edital convocatório. Ou seja, é a etapa em que se realizam os de estudos técnicos contendo a justificativa e as condições para a contratação, sempre a partir da requisição originária para a contratação necessária para resolver um problema da Administração.
Na Lei nº 14.133/2021 foi conferido um destaque inédito a essa fase, em especial por meio do artigo 18, que traz uma espécie de “manual de instruções” para o planejamento da licitação pública, representando uma evolução em relação à Lei nº 8.666/93, que possuía pouquíssimos artigos tratando sobre esse tema.
Divulgação do edital
Uma vez encerrada a instrução do processo licitatório durante a fase preparatória, na qual é realizado o controle prévio de legalidade e a análise da regularidade da contratação pela assessoria jurídica da Administração, a autoridade competente determina a divulgação do edital da licitação.
Essa divulgação deve seguir o disposto no artigo 54 da Lei nº 14.133/2021, atentando-se para a necessidade de que a publicidade do edital seja realizada mediante divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), além de ser publicado extrato do edital no Diário Oficial da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, bem como em jornal diário de grande circulação.
Apresentação de propostas
Os particulares interessados na licitação devem apresentar suas propostas durante o período designado no edital.
Na maioria dos casos, o ambiente onde ocorre a apresentação das propostas dos licitantes é eletrônico, ou seja, a proposta é apresentada por meio de uma plataforma eletrônica (como o Comprasnet ou o e-Licitações).
Basicamente, o licitante precisa estar previamente credenciado no sistema em que acontecerá o certame. Para isso, é comum que o interessado tenha de apresentar documentos habilitatórios mínimos, que permitam a criação de um login e de uma senha. A partir dessas credenciais, o licitante apresentará a sua proposta no sistema, em concorrência direta com outros eventuais participantes.
No caso de licitações presenciais, a apresentação das propostas acontece por meio da apresentação, à Administração, envelopes lacrados contendo esses documentos mínimos, que serão apresentados em uma data especificamente designada para isso.
Antes do julgamento propriamente dito, é feita uma análise das propostas apresentadas, sendo possível a desclassificação de eventuais participantes nesta etapa, em caso de desconformidade com o edital que não possa ser sanada.
Após a apresentação das propostas, a Administração deve classificar os licitantes segundo os critérios objetivos previstos pelo edital.
Neste momento, a depender do modo de disputa, poderá ocorrer uma sessão competitiva em tempo real. Como será visto em detalhes mais adiante, o modo de disputa poderá ser:
- Aberto, e, nesse caso, os licitantes poderão apresentar novas propostas de preços por meio de lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes;
- Fechado, hipótese em que as propostas apresentadas permanecerão em sigilo até a data e hora designadas para sua divulgação; ou,
- É possível, ainda, a utilização conjunta dos dois modos de disputa.
Julgamento das propostas
Uma vez classificadas as propostas apresentadas pelos licitantes, estas serão julgadas pela comissão licitante ou pelo pregoeiro, momento no qual serão desclassificados os licitantes que apresentarem propostas com vícios ou desconformidades insanáveis, que não obedecerem às especificações técnicas previstas no edital, que apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do orçamento estimado para a contratação, ou, ainda, que não tiverem sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela Administração.
Caso os vícios encontrados sejam sanáveis, a Administração deverá possibilitar ao licitante a correção desse vício, abrindo diligência para tal, como, por exemplo, um erro de cálculo do valor da proposta, em que os preços unitários estão corretos, mas a soma está incorreta. Além disso, se o preço for considerado inexequível – ou seja, não se revelar capaz de possibilitar ao licitante uma retribuição financeira compatível em relação aos encargos que terá de assumir contratualmente –, este licitante terá a oportunidade de comprovar que o preço em questão é exequível.
A etapa de julgamento das propostas pode acontecer de diferentes maneiras, a depender do critério de julgamento do certame. Por exemplo, se o critério adotado for menor preço ou maior desconto, o julgamento se dará por meio da simples comparação dos valores apresentados. Se o critério for técnica e preço, por outro lado, deverá ser considerada a maior pontuação obtida a partir da ponderação das notas atribuídas aos aspectos de técnica e de preço da proposta, de tal modo que haverá avaliação das propostas técnicas, e, em seguida, as propostas de preço apresentadas pelos licitantes, na proporção máxima de 70% (setenta por cento) de valoração para a proposta técnica.
Além disso, tanto no julgamento por técnica e preço, quanto no julgamento por melhor técnica, são verificadas a capacidade e experiência do licitante, comprovadas por meio da apresentação de atestados de obras, produtos ou serviços previamente realizados, sendo que as notas serão atribuídas por banca designada para essa finalidade, de acordo com as orientações e limites definidos em edital.
Por fim, especificamente nos casos de julgamento por melhor técnica ou conteúdo artístico, serão consideradas exclusivamente as propostas técnicas ou artísticas apresentadas pelos licitantes.
Negociação
Outra previsão trazida pela Lei nº 14.133/2021 diz respeito à possibilidade de a Administração, assim que esteja definido o resultado do julgamento, negociar condições mais vantajosas com o primeiro colocado, sendo esta etapa de negociação facultada pela lei. Essa negociação poderá ser feita com os demais licitantes, segundo a ordem de classificação inicialmente estabelecida, quando o primeiro colocado, mesmo após a negociação, for desclassificado em razão de sua proposta ter permanecido acima do preço máximo definido pelo órgão licitante (artigo 61, § 1º).
Habilitação
Depois do julgamento das propostas, tem-se a etapa de habilitação do licitante mais bem classificado, com o objetivo de apurar se este cumpre todos os requisitos necessários para tal habilitação.
Nesse momento, será verificado o conjunto de informações e documentos que comprovam a idoneidade e a capacidade do licitante de realizar o objeto da licitação, dividindo-se em:
- Capacidade jurídica;
- Capacidade técnica;
- Capacidade fiscal, social e trabalhista; e
- Capacidade econômico-financeira.
Se, após a análise desses documentos, concluir-se que o licitante não atende às exigências do edital, os demais licitantes serão chamados, sucessivamente, de acordo com a ordem de classificação das propostas apresentadas.
Fase recursal
Após a etapa de habilitação dos licitantes, tem-se uma fase recursal única, na qual serão impugnadas todas as eventuais irregularidades ocorridas nas demais fases da licitação. A existência de uma fase recursal única é, também, uma das grandes novidades trazidas pela Lei nº 14.133/2021, assemelhando-se novamente ao sistema licitatório da Lei do Pregão. Essa alteração teve por objetivo corrigir uma das maiores deficiências da Lei nº 8.666/93, que previa uma fase recursal após cada uma das etapas do certame, o que acabava gerando diversos atrasos e ineficiência na condução dos procedimentos licitatórios.
Homologação
Encerradas as fases de julgamento e habilitação, esgotados os recursos administrativos e estando o processo licitatório livre de quaisquer irregularidades, a autoridade superior homologará a licitação.
Observa-se que, com a Lei nº 14.133/2021, a fase de adjudicação, anteriormente prevista pela Lei nº 8.666/93 como uma etapa autônoma, acabou sendo absorvida pela etapa de homologação (artigo 71, inciso IV da NLLCA), de tal modo que da fase recursal passa-se direto à homologação do resultado final. Essa alteração teve como objetivo, também, simplificar o processo licitatório e conferir celeridade a ele.
Principais mudanças com a Nova Lei
Como mencionado anteriormente, uma das maiores alterações da NLLCA foi a inversão das fases de habilitação e de apresentação de propostas. Segundo a nova sistemática proposta, o órgão licitante inicialmente prepara a licitação, na sequência divulga o edital e, na data designada, recebe as propostas. Após, haverá o julgamento das propostas apresentadas, seguido da verificação da habilitação dos licitantes, e só depois serão abertos os prazos para interposição de recursos.
O fato de a habilitação ocorrer em momento posterior ao do julgamento das propostas simplifica o procedimento licitatório, pois economiza tempo precioso da Administração, que não precisará analisar os documentos de habilitação das licitantes que não apresentarem propostas minimamente exequíveis e compatíveis com o disposto no edital. É possível, porém, inverter as etapas de habilitação e julgamento das propostas, retornando ao cenário da Lei nº 8.666/93, desde que essa inversão seja feita por ato motivado, que deixe claros os benefícios decorrentes da inversão, e que haja previsão expressa no edital de licitação, conforme estabelece o artigo 17, § 1º da Lei nº 14.133/2021.
O quadro-resumo abaixo traz, de forma esquematizada, a atual estruturação das etapas de um certame licitatório:
Por isso, ao participar de licitações e firmar contratos com a Administração Pública, é recomendável contar com o auxílio de uma assessoria especializada em todas as etapas da licitação.
Você tem alguma dúvida ou sugestão em relação ao tema? Entre em contato conosco por meio do e-mail contato@schiefler.adv.br, para que um dos nossos advogados especialistas em licitações públicas possa lhe atender.