CONTRATO ADMINISTRATIVO: O QUE VOCÊ PRECISA SABER ANTES DE ASSINÁ-LO
A celebração de contratos entre particulares e a Administração Pública brasileira é uma prática comum e cotidiana. A justificativa para esse fenômeno, em última instância, vincula-se à necessidade que o Estado brasileiro possui de materializar incontáveis obrigações em favor da população, conforme estabelecido pela Constituição Federal e, em pormenores, pela legislação ordinária. São utilidades públicas relacionadas com as mais variadas áreas de interesse da sociedade, como saúde, justiça, defesa, mobilidade urbana, segurança pública, assistência social e a educação.
Sob a perspectiva jurídica, isto significa que o Estado brasileiro vale-se da “execução indireta”, nos termos do inciso VIII do artigo 6º da Lei Federal nº 8.666/1993¹, ou artigo 46 da Lei Federal nº 14.133/2021², planejando o que é necessário para desempenhar as suas obrigações e contratando com empresas que lhe auxiliem nesta tarefa.
Já de acordo com o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal, essas contratações públicas devem ser precedidas de licitação pública, exceto nos casos ressalvados na legislação. Ou seja, a Constituição Federal estabelece uma regra bicondicional às contratações públicas: se não houver ressalva na legislação para a contratação pretendida, a Administração Pública deve realizar licitação pública para celebrar o contrato; se houver ressalva na legislação, a Administração Pública não dependerá de licitação pública para realizar esta contratação.
Independente do caminho a ser seguido, fato é que, seja após a realização de procedimentos licitatórios, ou de contratações diretas, um Contrato Administrativo deve ser formalizado com o vencedor da licitação ou com ou particular contratado de forma direta. E, nesse aspecto, contratar com a Administração Pública acaba sendo a vontade de muitas empresas privadas, especialmente em virtude do montante financeiro que geralmente envolve essas espécies de contratos.
Este artigo analisa algumas características dos contratos administrativos, com ênfase nos cuidados que devem ser observados pelos particulares antes de firmar contrato com a Administração Pública. Para essa análise, serão enfrentados os seguintes temas:
- 1.Cláusulas Obrigatórias;
- Cláusulas Exorbitantes;
- Contratações Diretas.
¹ Art. 6º. […] VIII – Execução indireta – a que o órgão ou entidade contrata com terceiros sob qualquer dos seguintes regimes:
a) empreitada por preço global – quando se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo e total;
b) empreitada por preço unitário – quando se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo de unidades determinadas;
d) tarefa – quando se ajusta mão-de-obra para pequenos trabalhos por preço certo, com ou sem fornecimento de materiais;
² Art. 46. Na execução indireta de obras e serviços de engenharia, são admitidos os seguintes regimes:
I – empreitada por preço unitário;
II – empreitada por preço global;
III – empreitada integral;
IV – contratação por tarefa;
V – contratação integrada;
VI – contratação semi-integrada;
VII – fornecimento e prestação de serviço associado.
1.1. Cláusulas obrigatórias
Para que seja assegurada a sua regularidade jurídica, os contratos administrativos devem conter alguns requisitos mínimos, que estão previstos no artigo 55 da Lei 8.666/93 e no artigo 92 da Lei nº 14.133/2021, tais como:
- Definição do objeto e seus elementos característicos;
- A forma de fornecimento ou o regime de execução;
- Definição do preço e das formas e características de pagamento (critérios, data-base, frequência do reajuste de preços, critérios de ajustes contábeis e financeiros entre a data do cumprimento das obrigações e a do pagamento efetivo);
- Definição de todos os prazos (início da execução, conclusão, entrega, observação e recebimento definitivo);
- Crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da categoria econômica e da classificação funcional programática;
- Obrigação do contratado de cumprir as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação, durante a execução do contrato;
- Apresentação de uma forma de garantia para assegurar a execução total do contrato, quando exigida;
- Responsabilidades e direitos das partes, bem como penalidades cabíveis e valores das multas;
- Quais são os casos de rescisão e direitos da Administração quando esta ocorrer;
- Condições de importação, se houver, e qual a data e taxa de câmbio para conversão;
- Vinculação do contrato ao edital de licitação ou ao termo de inexigibilidade ou dispensa da licitação, e ao convite e à proposta da empresa vencedora;
- Definição da legislação que se aplica à execução do contrato e aos casos omissos.
Nesse aspecto, antes da assinatura do contrato, ainda que a confecção da minuta contratual seja uma atividade desenvolvida pela Administração, é prudente, por cautela e por segurança jurídica, que o particular confirme se as cláusulas acima estão presentes na minuta contratual, bem como analise se estão desenhadas de acordo com a legislação de regência. No mais, o ideal é que essa análise seja realizada com o auxílio de advogado especializado nas relações público-privadas.
1.2. Cláusulas Exorbitantes
Um outro ponto a ser levado em consideração pelos particulares refere-se às chamadas “cláusulas exorbitantes”. As Cláusulas exorbitantes podem ser definidas como aquelas relacionadas a poderes excepcionais conferidos à Administração no âmbito do contrato, que seriam anormais se analisadas frente a um contrato privado, mas que em um contrato administrativo, haja vista os interesses perseguidos, são naturais. Elas são justificadas, especialmente, em dois relevantes princípios no Direito Administrativo, quais sejam: o princípio da supremacia do interesse público, segundo o qual os interesses da sociedade devem prevalecer diante de necessidades específicas dos indivíduos; e o princípio da indisponibilidade do interesse público, que define os limites de atuação administrativa e estabelece critérios de conduta ao administrador público.
Importante também deixar claro que não se tratam de cláusulas leoninas, pois enquanto estas preveem desequilíbrios na comutatividade da avença, as cláusulas exorbitantes possuem um contrapeso: resguarda-se ao particular o equilíbrio contratual, uma vez que também devem existir, por força da Constituição, mecanismos, tanto na minuta contratual, como na lei de regência, para que seja mantido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato durante toda a sua execução. De qualquer forma, o que mais importa quanto às cláusulas exorbitantes refere-se ao fato de que o particular precisa sempre levar em consideração de que, embora geralmente lucrativa, a relação negocial com o Poder Público é juridicamente desigual desde o nascedouro, pois possui regras excepcionais que protegem o interesse dos administrados em geral, em complemento às tratativas que versam sobre os interesses privados do contratado.
Inclusive, é válido alertar que essas cláusulas podem até mesmo não estarem previstas no bojo do instrumento contratual, mas ainda assim são implícitas em todos os contratos administrativos por derivarem de previsões expressas da Lei nº 8.666/1993 (artigo 58) e da Lei nº 14.133/2021 (artigo. 104), tais como: (i) a possibilidade de modificação ou rescisão unilateral do contrato pelo Poder Público; (ii) a fiscalização da execução do objeto contratado, inclusive nas dependências da empresa contratada; (iii) a prerrogativa de aplicação de sanções administrativas pelo descumprimento total ou parcial do contrato, que vão desde a aplicação de advertência e multa até a proibição de contratação com o Poder Público por prazo determinado; e (iv) a ocupação temporária de bens particulares para a continuidade do serviço público essencial, em caso de afastamento do contratado para apuração de responsabilidades contratuais.
1.3. Contratações Diretas
Contratação Direta é a exceção teórica que se apresenta verdadeiramente como prática cotidiana à realidade administrativa brasileira. Contudo, apesar de sua recorrência, esta forma de contratação ainda é observada com muita cautela e desconfiança pelos órgãos de controle, especialmente nos casos de contratações por inexigibilidade de licitação com contratos de valor significativo.
De todo modo, a legislação brasileira estabeleceu as ressalvas à licitação pública a partir de dois grandes gêneros de Contratações Diretas, ou seja, estabeleceu duas categorias de contratações que não dependem de licitação pública: (i) a Dispensa de Licitação Pública, prevista nos artigos 17 e 24 da Lei Federal nº 8.666/1993 e no artigo 75 da Lei Federal nº 14.133/2021; e a (ii) Inexigibilidade de Licitação Pública, prevista no artigo 25 da Lei Federal nº 8.666/1993 e no artigo 74 da da Lei Federal nº 14.133/2021.
Na primeira categoria, referente à dispensa de licitação, encontram-se as hipóteses em que o legislador entendeu que, embora tecnicamente possível, a realização da Licitação Pública seria indesejada e, por tal motivo, seria adequado promover-se a contratação direta. Exemplos típicos são as hipóteses em que, em razão de um caso de emergência, existe urgência na resolução de uma demanda administrativa, de modo que a realização de licitação pública seria imprópria pela demora na obtenção do contrato, e as hipóteses de contratação de pequeno valor, em que a realização do procedimento licitatório traria um dispêndio de recursos desproporcional ao valor do contrato pretendido.
Portanto, e também com o devido auxílio jurídico de profissional especializado, ao firmar contrato advindo de uma contratação direta, é necessário que o particular atente-se se as seguintes exigências normativas foram satisfeitas:
-
- Instauração formal de processo administrativo devidamente autuado, protocolado e numerado, que fundamente a contratação;
- No caso específico da contratação por inexigibilidade, estudos preliminares elaborados pela Administração Pública, que comprovem que existe uma necessidade administrativa a ser solucionada, com destaque para a identificação do conjunto de características, funcionalidades e/ou serviços que sejam, concomitantemente, exclusivas e essenciais à solução buscada e que não sejam encontradas em outras soluções disponibilizadas no mercado. Caso se trate de uma contratação firmada com fundamento na Lei nº 14.133/2021, os estudos preliminares devem seguir as normas referentes à confecção de Estudo Técnico Preliminar, nos termos do artigo 18 da Lei 14.133/2021.
- Justificativa dos preços, nos termos do inciso III do parágrafo único do artigo 26 da Lei Federal nº 8.666/1993 ou inciso VII do artigo 72 da Lei Federal nº 14.133/2021, a ser construída a partir da comprovação do preço pago por esta solução por outros órgãos ou entidades da Administração Pública, ou mesmo por outras empresas particulares, em contratações do mesmo objeto ou de objeto similar.
- Comunicações formais realizadas entre o Particular e o Órgão Contratante.
- Minuta contratual devidamente examinada e aprovada pela assessoria jurídica do órgão ou entidade contratante, nos termos do parágrafo único do artigo 38 da Lei Federal nº 8.666/1993 ou artigo 53 e seus parágrafos e inciso III do artigo 72 da Lei Federal nº 14.133/2021.
- Parecer jurídico contemplando análise integral do processo administrativo, bem como da adequação de se firmar contratação direta por inexigibilidade ou dispensa de licitação no caso contrato sob exame;
- A existência de dotação orçamentária, correspondente à estimativa de despesa;
- Autorização da autoridade competente para a realização da contratação direta.
Nos casos de contratação direta, especialmente aqueles que envolvem recursos financeiros significativos (afastados, então, os casos de contratação por dispensa em razão do valor), é recomendável que o particular, antes de assinar o contrato, solicite uma cópia do processo administrativo que contém os trâmites internos e justificativas para a contratação. A partir do processo administrativo, será possível verificar se os requisitos legais foram cumpridos. Caso não tenham sido, o particular interessado poderá contribuir com a Administração, sugerindo, a partir de diálogos público-privados formais (e-mail, ofício, etc), aperfeiçoamentos à melhor instrução do processo administrativo. Esta é uma medida de cautela que mitiga o risco de problemas futuros, como questionamentos por órgãos de controle (tribunais de contas, ministério público, auditorias e corregedorias internas).
1.4. Considerações Finais
Assim, como se pode observar, ao contratar com o Poder Público é necessário que os particulares estejam atentos às peculiaridades em que os contratos administrativos estão envolvidos. Nesse sentido, mostra-se fundamental que os particulares, interessados em contratar com o poder público, atentem-se a uma série de situações jurídicas e econômicas.
De qualquer forma, como já adiantado, o ideal é que toda essa análise seja feita com o auxílio de um profissional especializado nos trâmites jurídicos que envolvem a firmatura de contratos com o poder público.
Você possui alguma outra dúvida ou sugestão em relação ao tema? Entre em contato por intermédio do nosso e-mail contato@schiefler.adv.br, que um dos nossos advogados especialistas em licitações públicas e contratos poderá atendê-lo(a).