CAÍ EM UM GOLPE VIRTUAL. A QUEM POSSO PEDIR AJUDA?
Matheus Lopes Dezan
Estagiário
Em recente texto, explicamos como funcionam os golpes financeiros, dando foco principalmente àqueles que ocorrem em meio digital, como aqueles relacionados a falsas corretoras de investimentos, casas de apostas e cassinos online. Nele, foi informado o modus operandi dos criminosos, os meios que geralmente se utilizam para remeter os bens para paraísos fiscais de difícil acesso e quais as atitudes e diligências a serem tomadas para diminuir a chance de se tornar vítima da fraude.
Acontece que alguns golpes são extremamente bem executados e acabam atraindo até mesmo aqueles que adotam todas as estratégias e cautelas para se verem livres de criminosos. Por vezes, os membros das organizações criminosas criam perfis em redes sociais, sites e até gravam vídeos de “feedback de clientes”, tornando crível que se trata de comércio lícito e confiável. Em outros casos, os golpistas replicam sites de lojas famosas ou se passam por familiares em aplicativos de conversa, adotando identidades que “desarmam” as vítimas.
O modo como o sujeito se torna vítima, entretanto, não importa. Como o crime foi cometido, os golpistas precisam ser punidos e os bens precisam ser recuperados. Mas como fazer isso e a quem se pode recorrer? É o que será tratado neste texto.
Antes de responder à pergunta, é preciso que se entenda que esses crimes, ao se maquiarem como relações de consumo, assim deverão ser tratados. Por isso, as ferramentas consumeristas geralmente poderão ser utilizadas, visto ser crime contra as relações e o mercado de consumo as atitudes que induzirem os usuários a erro:
Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo: […]
VII – induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária (Lei no 8.137/1990);
Mas não só. Os golpes financeiros podem ser considerados crimes contra a economia popular e contra as ordens tributária e econômica, bem como é possível a tipificação como crime de fraude com a utilização de ativos virtuais. Além disso, os golpes financeiros, por atingirem bens de uma quantidade enorme de pessoas, acabam por se enquadrar no conceito atos ilícitos violadores de direitos coletivos ou individuais homogêneos a depender de como perpetrados e, por isso, poderão ser objeto de ações coletivas manejadas pelos órgãos e entidades públicas e privadas para os quais a lei atribui legitimidade processual para substituir, em juízo, as vítimas de evento danoso.
E essa ação coletiva é regulada por lei própria, a chamada Lei de Ação Civil Pública – ACP (Lei no 7.347/1985). A ACP deverá ter como objeto a reparação de danos patrimoniais e extrapatrimoniais causados, dentre outros, contra consumidores. Ou seja, a definição se encaixa “como uma luva” aos golpes financeiros digitais. Veja-se:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: […]
ll – ao consumidor; […]
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; […]
Os legitimados para propor a ACP, deste modo, serão os mesmos sujeitos aos quais a vítima de um golpe financeiro poderá recorrer. Importa para este assunto, conforme artigo 5o da Lei da ACP: o Ministério Público (Federal e Estadual), a Defensoria Pública, as autarquias (como o são os PROCONs) e as associações (inclusive privadas).
Diferente das ações penais, geralmente de iniciativa exclusiva do Ministério Público, as ACPs, como o nome já diz, são cíveis e pretendem reparar o dano causado às vítimas de determinado fato ou conduta, podendo ser instaurados por todos os legitimados acima citados. O objetivo central é recuperar bens.
A vítima de golpe financeiro poderá, então, enviar denúncia aos legitimados para proposição de ACPs, desde que possua indícios iniciais de que o dano está sendo causado para inúmeras pessoas, o que geralmente é de fácil constatação em pirâmides e fraudes digitais.
Em síntese, ao sofrer danos por golpe financeiro, a vítima pode, individualmente ou representada por um advogado, relatar os fatos e remeter as provas que possuir para o Ministério Público, para a Polícia Civil e Federal, para o PROCON de seu Estado, para a Defensoria Pública (caso as vítimas sejam hipossuficientes economicamente) ou para associações privadas de defesa do consumidor.
Com os indícios em mãos, as autoridades deverão tomar as diligências internas necessárias (como a instauração de inquérito civil pelo MP) para investigar os fatos e, assim, propor a Ação Civil Pública. Obtendo sucesso, a sentença (ou acórdão) referente à ACP poderá ser executada pelas vítimas no montante dos danos que conseguirem provar.
Como dito em texto anterior, entretanto, o envio de bens produtos do ilícito para o exterior (principalmente para paraísos fiscais) dificulta muito a execução da sentença condenatória. Entretanto, os legitimados para propositura da ACP (MP, autarquias, associações) costumam estar bem equipados e preparados para casos de grandes proporções (inclusive com acesso à ferramentas de busca de bens no exterior e de realização de cooperações jurídicas internacionais), o que pode não se repetir em ações propostas individualmente pelo prejudicado.
Apesar da dificuldade, nada impede que tais ações individuais sejam propostas. Muito provavelmente o autor terá sucesso na fase de conhecimento (o réu, na maioria dos casos, sequer irá aparecer no processo e será citado por edital), mas quando tentar o ressarcimento na fase de execução, se frustrará pela impossibilidade de busca de bens e dos reais sócios da empresa.
Mas não só. Além das autoridades públicas e associações privadas estarem melhor estruturadas para auxiliar as vítimas, a propositura de ACPs dispensa o adiantamento de quaisquer valores pelo legitimado, de modo que a utilização de ferramentas que geralmente custam muito dinheiro (como perícias, comunicações internacionais, traduções de documentos, atos necessários para cooperação jurídica, custas judiciais e honorários de sucumbência) não representarão impasse para o célere andamento processual (artigo 18 da Lei no 7.347/1985).
No que se refere às associações privadas, estas deverão estar formadas há pelo menos 1 (um) ano da propositura da ACP e possuir como uma de suas finalidades institucionais (ou seja, como objeto em seu estatuto) a proteção ao consumidor e à ordem econômica, nos termos do artigo 5o, inciso V, alíneas “a” e “b” da Lei no 7.347/1985.
A constituição há mais de 1 (um) ano, no entanto, poderá ser dispensada pelo juiz competente para julgar a ACP, caso haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou características do dano (artigo 5o, § 4o, da Lei no 7.347/1985). A previsão tutela os casos em que as vítimas de dano específico decidem se juntar para, em associação, defender seus interesses por si mesmos.
Por exemplo, vítimas de determinado golpe perpetrado pela “Empresa fictícia X” se unem e criam a “Associação de Vítimas da Fraude Financeira da Empresa fictícia X”. Nesse caso, poderá o juiz, dada as características do dano a ser reparado, dispensar a apresentação de registro da pessoa jurídica há mais de 1 ano, permitindo que a associação cumpra seu único objetivo: buscar a reparação dos danos sofridos pelos associados.
Ademais, em caso de o Ministério Público propor ação penal contra os autores de crimes de golpes financeiros virtuais, a vítima pode habilitar-se, para aproveitar o resultado do julgamento da ação penal em seu favor, executando a sentença penal contra os condenados.
Dentre os possíveis instrumentos para o ressarcimento das vítimas de golpes financeiros virtuais, destaca-se, além da ação civil pública, a instauração de inquérito policial para a investigação do crime. Para tanto, é preciso contatar a Polícia Civil do local de ocorrência do crime ou a Polícia Federal, informando os detalhes do crime e apresentando, sempre que possível, todas as provas produzidas.
Com base no relato e nas provas apresentadas pela vítima, a polícia poderá instaurar inquérito e proceder à investigação, inclusive requerendo a concessão de ordem judicial de quebra de sigilo bancário das pessoas físicas e jurídicas identificadas como autoras do crime. A depender do resultado da investigação, pode-se requerer, também, a concessão de ordem judicial de busca e apreensão dos bens dos autores do crime, e esses bens serão utilizados para ressarcir a vítima do crime.
Independentemente da solução a ser adotada, vale sempre contar com a assistência de advogados que, especializados na recuperação destes valores, já conhecem os caminhos para a comunicação com as autoridades competentes (MP, Polícia, PROCON).
Além disso, a assistência jurídica é essencial para que as vítimas, sendo estas suas vontades, constituam regularmente a associação privada. Criada a pessoa jurídica, ainda será necessária a atuação dos advogados para elaboração e gerenciamento da Ação Civil Pública (e o melhor, sem necessidade de adiantamento de custas que normalmente são requeridas nas ações individuais).
Como já narrado, as associações também podem se valer da inexigibilidade de adiantamento de custas previstas no artigo 18 da Lei no 7.347/1985, entretanto, em caso de propositura de ACP temerária ou praticada com litigância de má-fé, a associação e seus diretores serão solidariamente condenados em honorários de sucumbência e ao décuplo das custas, mais perdas e danos (se houverem), conforme artigo 17 da mesma lei. Portanto, reitera-se a necessidade de consultar um advogado antes de tomar decisões precipitadas.