O planejamento sucessório não é destinado apenas a famílias empresárias, mas também a todos aqueles que queiram planejar e organizar a sua sucessão.
Se há algo inescapável na vida é a sua finitude. O Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep) encomendou uma pesquisa inédita em 2018 sobre a percepção dos brasileiros acerca da morte[1]. Entre os principais resultados, destaca-se que 74% das pessoas afirmam não falar sobre a morte no cotidiano e que os brasileiros, em sua grande maioria, associam o assunto a sentimentos como tristeza (63%), dor (55%), saudade (55%), sofrimento (51%) e medo (44%).
No entanto, o cenário de incertezas pelo qual a sociedade está passando em virtude da pandemia causada pelo novo coronavírus amplificou a importância da discussão sobre o futuro, trazendo de volta a reflexão sobre os instrumentos jurídicos capazes de assegurar o planejamento sucessório e a perpetuação do patrimônio.
Segundo informações extraídas do Family Business Institute em seu sítio eletrônico[2], aproximadamente 70% das empresas familiares se extinguem quando sua administração passa da primeira para a segunda geração. Este percentual aumenta para 88% quando as empresas passam da segunda para a terceira geração, demonstrando a importância de discutir e planejar a sucessão de uma maneira ordenada.
É importante observar que o planejamento sucessório não é destinado apenas a famílias empresárias, mas também a todos aqueles que queiram planejar e organizar a sua sucessão.
Mas, afinal, o que é o planejamento sucessório?
O planejamento sucessório pode ser compreendido como um conjunto de medidas empreendidas para organizar a sucessão hereditária de bens e direitos previamente ao falecimento do titular dos bens[3]. Ou seja, podem ser adotados um ou vários instrumentos jurídicos que permitam a utilização de estratégias voltadas para a transferência eficaz e eficiente do patrimônio.
É considerado um instrumento preventivo, que poderá abarcar não somente questões patrimoniais, mas também questões existenciais relevantes ao titular do planejamento, como, por exemplo, a destinação do corpo após o falecimento ou a destinação do acervo sucessório digital.
Qual é a finalidade do planejamento sucessório?
Grosso modo, o planejamento sucessório terá por finalidade otimizar o processo de transmissão dos bens, segundo a realidade circundante de quem planeja e dos seus herdeiros, de modo a evitar custos econômicos e emocionais, além da demora que um inventário pode trazer.
É considerado um instrumento preventivo que vem ganhando cada vez mais destaque e importância atualmente, justamente porque se insere em um contexto muito mais amplo, visando atender a uma nova realidade social em que o instituto do Direito das Sucessões, isoladamente, não alcança plenamente as aspirações sociais, já que está em descompasso com a sociedade contemporânea.
Como é feito o planejamento sucessório?
Qualquer decisão a respeito do planejamento sucessório deve ser tomada de maneira livre e consciente, longe das amarras e pressões familiares e com a orientação de um corpo jurídico que atue nesta área.
Ao contrário do que muitos pensam, definir os critérios para o planejamento, com clareza das opções e adequação às peculiaridades do caso concreto e, principalmente, aos interesses do titular dos bens e daqueles que os receberão, pode se consubstanciar em uma experiência libertadora – e, em muitos casos, longe de ser uma decisão irrevogável ou definitiva, pode ser modificada no decorrer da vida e das mudanças familiares[4].
Antes de mais nada, é preciso entender as reais necessidades e desejos do titular do patrimônio. Após esta etapa, faz-se uma auditoria de todo o acervo de bens (sejam eles móveis, imóveis, tangíveis, intangíveis, físicos ou digitais, no Brasil e no exterior). Regularizados e estabelecidos os valores, identificam-se os direitos de eventual cônjuge ou companheiro, mapeiam-se os herdeiros e os demais sucessores e, eventualmente, terceiros a serem contemplados. Todas estas etapas são de suma importância para que se realize um planejamento sucessório bem-sucedido, minimizando riscos e impactos negativos futuros.
Interesses e objetivos do titular dos bens nem sempre estarão em sintonia com as aspirações e expectativas dos herdeiros ou cônjuge/companheiro, criando-se áreas de atrito que podem, por vezes, comprometer o andamento do planejamento. Diante deste impasse, a transparência, a confiança e a comunicação entre todos os membros da família e o corpo jurídico são imprescindíveis para que se possa estruturar uma sucessão que atenda às finalidades e objetivos do titular do patrimônio e dos seus sucessores.
Quais são os instrumentos que podem ser utilizados para um planejamento sucessório?
Embora não haja na legislação um capítulo específico que trate do planejamento sucessório, existem vários instrumentos comuns do direito civil e empresarial que podem ser empregados para realizar a vontade do titular do patrimônio de planejar a transição dos bens – o qual pode, inclusive, fazer a transferência ainda em vida.
Pode-se dividir os instrumentos em cinco grandes grupos – que serão analisados mais a fundo em um novo artigo:
1) Instrumentos de natureza contratual: contrato de compra e venda entre ascendente e descendente, contrato de doação, contrato de mandato, contrato de comodato, seguro de vida, pacto antenupcial e alteração do regime de bens;
2) Instrumentos de natureza real: usufruto, direito real de uso e direito real de habitação;
3) Instrumentos de natureza societária: constituição de sociedade holding, acordo de sócios, acordo de quotistas, governança corporativa, conselho e administração, conselho de família, transformação, incorporação, cisão e fusão;
4) Instrumento de natureza financeira: constituição de previdência privada, fundos de investimentos e seguro de vida;
5) Instrumentos de natureza sucessória: testamento, codicilo, legados, testamento vital, cessão de direitos hereditários e deserdação.
Como se percebe, há uma infinidade de instrumentos que podem ser utilizados quando da realização de um planejamento sucessório. É necessário analisar detalhadamente o caso concreto e a composição familiar para que se construa um planejamento sólido com instrumentos capazes de abarcar os anseios de todo o grupo familiar.
Nos próximos artigos da unidade de Planejamento Patrimonial, Família e Sucessões, abordaremos mais detalhadamente os principais instrumentos utilizados para a construção de um planejamento sucessório.
Caso você tenha alguma dúvida, entre em contato com um dos especialistas da área através do nosso e-mail contato@schiefler.adv.br.
[1] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45596113
[2] Disponível em: http://www.familybusinessinstitute.com/index.php/Succession-Planning/. Acesso em: 30/5/2021.
[3] TEPEDINO, Gustavo. NEVARES, Ana Luiza Maia. MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Fundamentos do Direito Civil – Direito das sucessões. Vol. 7. Editora Forense: São Paulo. 2020.
[4] JUNIOR EHRHARDT, Marcos. Planejamento sucessório na perspectiva do advogado. In: TEIXEIRA, Daniele Chaves (Coord). Arquitetura do planejamento sucessório. Belo Horizonte: Fórum, 2021. p. 297. Tomo II.
Read MoreEssa forma de testar pode ser feita de próprio punho ou mediante processo mecânico, desde que, regra geral, seja lido e assinado pelo testador, na presença de três testemunhas, que devem assinar o documento.
Maria Luisa Machado Porath[1]
É comum no cinema a cena na qual uma pessoa, geralmente idosa ou em fase terminal de uma doença, redige um testamento, ou somente a leitura desse instrumento após a sua morte. Mas você sabe como funciona o testamento particular? Para que serve? E quais as suas vantagens e desvantagens? Deseja descobrir se vale a pena para você elaborar um testamento particular?
O que é o testamento particular
Primeiro, é importante entender o que é o testamento. Em linhas gerais, o testamento é um documento em que uma pessoa manifesta suas vontades para depois de sua morte. De acordo com a lei, podemos subdividir as formas de elaborar um testamento do seguinte modo:
- Ordinária[2]:
– Testamento público;
– Testamento cerrado; e
– Testamento particular (e testamento particular simplificado ou emergencial). - Extraordinária ou Especial[3]:
– Testamento marítimo;
– Testamento aeronáutico;
– Testamento militar.
A via ordinária é conhecida assim porque todas as pessoas que têm capacidade de testar podem fazer uso dela. Já a extraordinária (ou especial) é restrita a determinadas circunstâncias em que a pessoa se encontra. O foco deste artigo é o testamento particular, mas se você quer saber sobre outras formas de testamento, você encontrará mais informações no artigo “COVID-19 e o planejamento sucessório: a busca por testamento e suas diferentes espécies”.
Conforme a subdivisão apresentada acima, é possível compreender que o testamento particular é uma das formas ordinárias de fazer um testamento. Ainda, é válido mencionar que ele tem uma particularidade: quando o testador – pessoa que deseja externalizar sua última vontade – estiver em circunstâncias excepcionais que o impeçam de fazer uso de testemunhas, é possível elaborar o que se chama de testamento particular simplificado ou emergencial[4].
Por exemplo, caso alguém esteja doente e venha a falecer na ausência de testemunhas, ou se esteja perdido numa trilha – ou se encontre em outras situações extraordinárias como estas –, o Código Civil autoriza que a pessoa elabore um testamento emergencial de próprio punho, isto é, manuscrito pelo próprio testador. Para isso, é necessário que conste no documento a assinatura do testador e a circunstância excepcional que fez com que a pessoa escrevesse o testamento dessa forma.
Ainda que não seja o propósito deste artigo abordar os testamentos no contexto da pandemia decorrente da COVID-19, é oportuno registrar que alguns juristas entendem que a situação pandêmica constitui uma das circunstâncias excepcionais que justificam o uso do testamento de emergência, mesmo que o testador não esteja doente. Isso porque o ser humano está sob o risco de ser contaminado pelo novo coronavírus a qualquer momento, e o temor de ser surpreendido pela morte pode induzi-lo ao desejo de se prevenir, patrimonial ou extrapatrimonialmente. Contudo, dentre os pesquisadores que defendem o uso do testamento particular simplificado nessas circunstâncias, alguns entendem que o documento caducará – ou seja, não poderá produzir efeitos – se o testador, ao sobreviver, não transformar o testamento simplificado em uma das formas ordinárias vistas acima, nos 90 dias subsequentes[5].
Para que serve o testamento particular
No testamento particular – assim como nas outras formas de testar –, o testador pode:
- Fazer um planejamento sucessório;
- Dispor de seu patrimônio da melhor forma que lhe interessar, desde que respeite o limite de 50% em caso de herdeiros necessários;
- Incluir cláusulas, por exemplo:
– condicionais (ex.: o carro X será de A, se ele se formar no ensino superior);
– com encargo ou modais (ex.: o carro X será de A, desde que cumpra Y);
– de inalienabilidade (ex.: o carro X é de A, porém não poderá vendê-lo até que complete a Y anos);
– de substituição testamentária[6] (ex.: o carro é de A, mas na falta deste, será de B). - Deixar conselhos, recomendações etc. (conteúdo não patrimonial);
- Revogar antigos testamentos;
- Complementar outros testamentos;
- Reconhecer filhos (ressalta-se: ainda que o testamento seja essencialmente revogável, o reconhecimento de filhos não o é. Isso significa dizer que, uma vez reconhecido o filho, não é possível desfazer esse ato!);
- Complementar a sucessão legítima, por exemplo, ao distribuir os bens aos herdeiros necessários;
Acima, são apenas alguns exemplos do que o testador pode fazer ao elaborar um testamento. A verdade é que se trata de um documento jurídico que dá ampla liberdade à pessoa que deseja manifestar a sua última vontade.
Como funciona o testamento particular
O testamento particular pode ser elaborado de próprio punho ou mediante processo mecânico (ex.: escrito em um computador)[7]. Caso seja feito da primeira forma, é necessário que seja lido e assinado pelo testador, na presença de ao menos três testemunhas, que também devem assinar o testamento. Já se for feito mediante processo mecânico, é preciso que o testador assine e leia o documento na presença de três testemunhas, que também devem assiná-lo. Além disso, não pode conter rasuras nem espaços em branco, para que não dê margem a acréscimos simulados por terceiros.
Uma informação importante: pelo fato de o Código Civil não impor que o testamento mediante processo mecânico seja escrito pelo testador, é possível que um terceiro o digite, desde que não interfira na vontade da pessoa que deseja fazer o testamento[8]. Destaca-se também a possibilidade de ser redigido em língua estrangeira, desde que as testemunhas a compreendam. Ainda, caso você se sinta confortável, poderá escrever e reescrever o seu testamento ao longo dos dias, dos meses e até dos anos. Assim, terá seu tempo para refletir sobre as disposições de sua última vontade!
Depois de elaborado e assinado pelo testador e pelas testemunhas, deve-se armazenar o testamento em lugar seguro. E se você tiver alguém de sua confiança, é indicado informar a esta pessoa onde o documento está armazenado. Isso porque uma das desvantagens do testamento particular – conforme será visto no tópico abaixo – é que o testador fica responsável pelo seu armazenamento, sem que haja qualquer registro público de sua confecção.
Traçando um paralelo com o mundo das artes, a ópera Gianni Schicchi, do compositor italiano Giacomo Puccini, retrata com humor a situação de uma família deserdada pelo patriarca recém-falecido, mas que encontra o testamento particular na casa do testador e com má-fé consegue alterar a sua última vontade. Portanto, para evitar que o seu testamento seja extraviado, é importante adotar medidas extras de segurança!
Após o seu falecimento, se a existência do testamento particular for de conhecimento de terceiros, os herdeiros, os legatários ou o testamenteiro – pessoa escolhida pelo testador que será responsável por fazer cumprir suas últimas vontades – devem requerer a publicação do testamento particular em juízo[9]. Uma vez feito esse requerimento, o juiz intimará as testemunhas que assinaram o testamento. Se elas confirmarem a sua existência e reconhecerem suas assinaturas, o documento será confirmado; ou seja, terá validade. Caso não seja possível o seu reconhecimento, o testamento não terá validade e, portanto, não produzirá efeitos no mundo jurídico[10].
É válido destacar que, se ao menos uma testemunha puder reconhecer o testamento e a sua assinatura, o juiz poderá confirmar o testamento particular, caso entenda que há prova suficiente de sua veracidade. No entanto, na ausência de todas as testemunhas, infelizmente, o testamento particular não poderá ser confirmado pelo juiz.
Vantagens e desvantagens do testamento particular
Após entender o conceito de testamento particular, notadamente no que diz respeito à sua finalidade e funcionalidade, é possível elencar alguns pontos positivos e negativos dessa forma de testar:
A imagem acima ilustra apenas algumas vantagens e desvantagens do testamento particular. Para um aprofundamento do tema, recomenda-se uma consulta jurídica com uma advogada (ou um advogado) especialista em direito das sucessões. De modo geral, o testamento particular possui requisitos mais simples que as outras formas testamentárias. Em contrapartida, tem uma menor segurança jurídica, uma vez que não necessita do poder público para a sua confecção.
Conclusão
A proposta deste artigo foi contextualizar o testamento particular, já que foi muito lembrado no contexto da pandemia decorrente da COVID-19. Em síntese, essa forma de testar pode ser feita de próprio punho ou mediante processo mecânico, desde que, regra geral, seja lido e assinado pelo testador, na presença de três testemunhas, que também devem assinar o documento.
Conforme visto no tópico anterior, o testamento particular possui vantagens e desvantagens que devem ser ponderadas quando da escolha da forma testamentária. Por conseguinte, não é possível afirmar se vale ou não a pena elaborar um testamento particular, porque depende do seu propósito, da sua vida pessoal. Portanto, essa escolha deve ser baseada única e exclusivamente no objetivo para depois de sua morte!
Caso você tenha interesse na confecção de um testamento particular, ainda que seja possível elaborá-lo sem um serviço jurídico, é recomendável uma consulta jurídica com especialista em direito sucessório. Dessa forma, o risco de o testamento particular conter alguma cláusula passível de ser anulada diminui consideravelmente. Como informado, o testamento particular é uma das formas mais precárias na esfera jurídica, o que exige que a sua escolha seja cercada de medidas seguras para que a sua última vontade manifestada em vida tenha a garantia de que será atendida.
[1] Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Licenciada e Bacharela em Teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC — 2015). Estagiária na Schiefler Advocacia. E-mail: malu.mporath@gmail.com.
[2] Art. 1.862, CC. São testamentos ordinários: I – o público; II – o cerrado; III – o particular.
[3] Art. 1.886, CC. São testamentos especiais: I – o marítimo; II – o aeronáutico; III – o militar.
[4] Art. 1.879, CC. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.
[5] Enunciado 611, da VII Jornada de Direito Civil. O testamento hológrafo simplificado, previsto no art. 1.879 do Código Civil, perderá sua eficácia se, nos 90 dias subsequentes ao fim das circunstâncias excepcionais que autorizaram a sua confecção, o disponente, podendo fazê-lo, não testar por uma das formas testamentárias ordinárias.
[6] Art. 1.947, CC. O testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro ou ao legatário nomeado, para o caso de um ou outro não querer ou não poder aceitar a herança ou o legado, presumindo-se que a substituição foi determinada para as duas alternativas, ainda que o testador só a uma se refira.
Art. 1.948, CC Também é lícito ao testador substituir muitas pessoas por uma só, ou vice-versa, e ainda substituir com reciprocidade ou sem ela.
[7] Art. 1.876, CC. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico.
§ 1 o Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever.
2 o Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.
[8] DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 7 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.
[9] Art. 1.877, CC. Morto o testador, publicar-se-á em juízo o testamento, com citação dos herdeiros legítimos.
[10] Art. 1.878, CC Se as testemunhas forem contestes sobre o fato da disposição, ou, ao menos, sobre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a do testador, o testamento será confirmado.
Parágrafo único. Se faltarem testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade.
Read MoreO evento fará parte do II Congresso Brasileiro de Direito Privado, que discute as implicações da Covid-19 nas relações privadas.
Amanhã (29 de abril), a advogada Laísa Santos ministrará a palestra “Os impactos da pandemia no planejamento sucessório”, em sua participação no II Congresso Brasileiro de Direito Privado, que acontecerá remotamente entre os dias 28 a 30 de abril de 2021.
Entre outros temas, Laísa tratará sobre o crescimento pela busca por planejamentos sucessórios durante a pandemia e os instrumentos que podem ser utilizados para que as famílias atinjam suas metas a longo prazo, dentro dos limites impostos pela rigidez da norma.
Read MoreO testamento, de forma geral, é o ato de manifestação de última vontade de uma pessoa, e pode tratar inclusive sobre o conteúdo intangível do falecido, guardado em espaço virtual, como senhas, redes sociais e contas na internet.
Maria Luisa Machado Porath[1]
Você já refletiu sobre o que deseja fazer com as suas contas nas redes sociais após o seu falecimento? Ou então com aquelas fotografias ou livros digitais que coleciona de forma tão cuidadosa? Refletir sobre a herança digital, sobretudo devido ao surgimento de novas profissões, como os influencers digitais, é de extrema importância para que se destine os seus bens digitais[2] conforme a sua vontade.
Mas o que é Herança Digital?
Destaca-se que, apesar do Código Civil ter entrado em vigor em 2002, a sua estrutura, em muitos aspectos, já nasceu “ultrapassada”. Isso é perceptível principalmente no Direito Sucessório, uma vez que não acompanhou o avanço tecnológico da sociedade. Em termos práticos, o atual Código Civil não abarca o conceito de Herança Digital.
Portanto, a fim de compreender esse termo, deve-se apoiar em pesquisas jurídicas, como doutrinas e Projetos de Lei (PL). Por exemplo, o PL nº 8562/2017[3] conceitua herança digital como todo conteúdo intangível — que não se pode tocar — do falecido, guardado em espaço virtual, e transmissível aos herdeiros. Por exemplo:
- senhas;
- redes sociais;
- contas da internet;
- qualquer bem e serviço virtual e digital de titularidade do falecido.
Entretanto, o professor Pablo Malheiros Cunha Frota[4] entende de modo diverso. Ele declara que por se tratar de direito personalíssimo[5] do falecido, a transmissibilidade automática aos herdeiros se torna impossível; assim, deveria ser extinto quando do falecimento. Exceto, claro, se o falecido expressamente se manifestar sobre, por exemplo, em testamento.
Por que o Testamento é importante para a Herança Digital?
Inicialmente, destaca-se que o testamento, de forma geral, é o ato de manifestação de última vontade de uma pessoa acerca do destino dos seus bens e de outros assuntos de caráter não patrimonial[6]. No nosso Código Civil de 2002, temos as seguintes espécies de testamento:
- Público — escrito e registrado por um tabelião, conforme as declarações do testador[7];
- Particular — escrito pelo testador, de próprio punho ou por processo mecânico[8];
- De urgência — considerado uma “subdivisão” do testamento particular, possui maior flexibilidade quanto aos seus requisitos, uma vez que é utilizado somente em casos de grave risco à vida do testador[9];
- Cerrado/Secreto — escrito pelo testador (ou por outra pessoa, a seu rogo, e por aquele assinado) e somente terá validade se aprovado pelo tabelião[10].
Para fins de aprofundamento do tema, indica-se a leitura do artigo que trata do conceito de testamento e suas diferentes espécies.
Acerca de sua importância, enquanto não houver norma específica sobre a herança digital, o testamento se mostra um instrumento eficiente para suprir essas lacunas jurídicas. Se entendermos que os bens digitais são passíveis de transmissibilidade, compras de jogos, livros, etc. por aplicativos como Google Play e Apple, poderiam ser discriminados no testamento.
Questão controversa: os usuários são proprietários desses bens ou possuem mera licença de uso, conforme previsto nos Termos de Adesão de algumas empresas?
Caso se entenda pela primeira opção, a transmissibilidade desses bens aos herdeiros é lícita e, por conseguinte, passível de discriminação no testamento. Contudo, na segunda hipótese, os usuários têm apenas a licença de uso e, nesse caso, por ser um direito personalíssimo, a sua extinção virá com a morte.
Lojas como Google Play e Apple, por exemplo, entendem que o usuário detém apenas a licença de uso. Desse modo, a sucessão restaria prejudicada, eis que a transmissibilidade aos herdeiros seria impossível, de acordo com os contratos de adesão das empresas.
Ressalta-se que, no Brasil, essa cláusula de intransmissibilidade poderá ser caracterizada como abusiva, porque tende a ferir o princípio da função social da herança — redistribuição da riqueza do falecido. Isso, claro, se tomarmos como verdadeira a opção de que o usuário é proprietário dos bens digitais.
Uma alternativa, portanto, seria estabelecer um contrato particular com as empresas. No entanto, sabemos que, na prática, isso se torna praticamente inviável. Nesse sentido, o testamento se torna uma opção palpável no nosso mundo jurídico brasileiro.
Independentemente de como for resolvida a controvérsia da intransmissibilidade dos bens digitais, é possível determinar no testamento quais as destinações de suas contas nas redes sociais. Por exemplo, se deseja excluir, transformar em memorial e dentre outras opções elencadas pelo testador. Isso se comprova pelo fato de que no testamento, consoante informado no início desse item, pode-se elencar tanto bens patrimoniais quanto não patrimoniais.
Enquanto não realizo um testamento, o que posso fazer para proteger as minhas informações virtuais ainda em vida?
Algumas redes sociais, nos seus termos de uso e políticas, mencionam possibilidades de como proceder com a sua conta após o seu falecimento. Por exemplo:
- Facebook — você pode configurar para excluir de forma permanente a sua conta ou indicar um contato herdeiro que também poderá solicitar a remoção de sua conta ou transformá-la num memorial[11];
- Instagram — após o seu falecimento, os familiares próximos poderão solicitar a exclusão da conta ou transformá-la em memorial. Até o momento, setembro de 2020, não há informação sobre você decidir o que fazer com a sua conta após seu falecimento, como no Facebook[12].
- Twitter — de modo bem semelhante ao Instagram, após o seu falecimento, familiares próximos poderão solicitar a remoção de sua conta. Igualmente, até o momento, não há como configurar o que fazer com a sua própria conta após seu falecimento[13].
- Google — você pode configurar para a sua conta ser permanentemente excluída após um período de inatividade (3, 6, 12 ou 18 meses), através do gerenciamento de conta inativa. Quando o prazo estiver perto, você será notificado sobre a possível remoção da conta; assim, poderá, novamente, adiar por mais certo período. Ainda, poderá indicar até 10 pessoas que serão igualmente notificadas[14].
- Linkedin — no site, a empresa não deixa claro se o perfil será excluído após solicitação de algum ente querido ou se apenas não será mais exibido na timeline de quem preencheu o formulário. Em alguns sites, encontra-se a informação de que o Linkedin, de fato, exclui o perfil da pessoa falecida. Porém, no seu termo de uso e política, não fica explícita essa informação[15].
- TikTok — até o momento, não há informação sobre como proceder em caso de falecimento de algum usuário da rede social. Nos termos de uso e política, somente se menciona que é vedado ao TikTok utilizar dados e informações que infrinjam os direitos de personalidade de qualquer pessoa, incluindo falecida.
Se quiser fazer um testamento que trate dos meus bens digitais, como posso proceder?
Conforme já mencionado, a herança digital ainda é um campo incerto. Nesse sentido, tratar de direito sucessório de bens digitais requer muita cautela e uma análise individualizada. Portanto, se você deseja expressar a sua vontade quanto à destinação de seus bens digitais, apesar de não obrigatório, é recomendável realizar uma consulta jurídica com especialista na área de sucessões.
Assim, o testamento estará alinhado aos seus requisitos legais e poderá refutar eventuais alegações de vícios tanto materiais quanto à sua forma. Ou seja, a tarefa da advogada ou do advogado especialista em direito sucessório consiste em esclarecer quais bens poderão ser herdados através do testamento e quais ainda perduram controvérsia acerca da sua transmissibilidade e elencar os caminhos possíveis. Ademais, também pode auxiliar na redação do documento, a fim de que não reste dúvidas quanto à vontade do testador. Caso contrário, a sua manifestação de última vontade pode não ter amparo legal e, por conseguinte, ser considerada nula.
[1] Graduanda da sétima fase em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Meios Consensuais da UFSC (GEMC). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) — 2015.
[2] Bens digitais pode ser definido como “uma espécie de software de computador que, como qualquer outro, é transmitido de uma máquina para outra na forma de fluxos de elétrons, denominados bits. Cada conjunto de oito bits forma um byte”. (SANTOS, Bruno Damasceno Ferreira. Bem digital – natureza e regime jurídico do objeto do comércio eletrônico on-line. Acesso em 11 set. 2020).
[3] Foi apensado ao PL 7742/2017 e, posteriormente, arquivado nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
[4] Parecer na indicação 016/2017 – Alteração no Código Civil. Acesso em 09 set. 2020.
[5] Somente a pessoa específica pode exercer. Ou seja, é intransferível e deve ser isento de vícios de consentimento, tais como a coerção.
[6] Art. 1.857, § 2° CC. São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.
[7] Art. 1.864. São requisitos essenciais do testamento público: I – ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos; II – lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial; III – ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião. Parágrafo único. O testamento público pode ser escrito manualmente ou mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma.
Art. 1.865. Se o testador não souber, ou não puder assinar, o tabelião ou seu substituto legal assim o declarará, assinando, neste caso, pelo testador, e, a seu rogo, uma das testemunhas instrumentárias.
Art. 1.866. O indivíduo inteiramente surdo, sabendo ler, lerá o seu testamento, e, se não o souber, designará quem o leia em seu lugar, presentes as testemunhas.
Art. 1.867. Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em voz alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada menção no testamento
[8] Art. 1.876 CC. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico. § 1 o Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever. § 2 o Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.
Art. 1.877. Morto o testador, publicar-se-á em juízo o testamento, com citação dos herdeiros legítimos.
Art. 1.878. Se as testemunhas forem contestes sobre o fato da disposição, ou, ao menos, sobre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a do testador, o testamento será confirmado. Parágrafo único. Se faltarem testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade.
Art. 1.880. O testamento particular pode ser escrito em língua estrangeira, contanto que as testemunhas a compreendam.
[9] Art. 1.879. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.
[10] Art. 1.868. O testamento escrito pelo testador, ou por outra pessoa, a seu rogo, e por aquele assinado, será válido se aprovado pelo tabelião ou seu substituto legal, observadas as seguintes formalidades: I – que o testador o entregue ao tabelião em presença de duas testemunhas; II – que o testador declare que aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado; III – que o tabelião lavre, desde logo, o auto de aprovação, na presença de duas testemunhas, e o leia, em seguida, ao testador e testemunhas; IV – que o auto de aprovação seja assinado pelo tabelião, pelas testemunhas e pelo testador. Parágrafo único. O testamento cerrado pode ser escrito mecanicamente, desde que seu subscritor numere e autentique, com a sua assinatura, todas as paginas.
Art. 1.869. O tabelião deve começar o auto de aprovação imediatamente depois da última palavra do testador, declarando, sob sua fé, que o testador lhe entregou para ser aprovado na presença das testemunhas; passando a cerrar e coser o instrumento aprovado. Parágrafo único. Se não houver espaço na última folha do testamento, para início da aprovação, o tabelião aporá nele o seu sinal público, mencionando a circunstância no auto.
Art. 1.870. Se o tabelião tiver escrito o testamento a rogo do testador, poderá, não obstante, aprová-lo.
Art. 1.871. O testamento pode ser escrito em língua nacional ou estrangeira, pelo próprio testador, ou por outrem, a seu rogo.
Art. 1.872. Não pode dispor de seus bens em testamento cerrado quem não saiba ou não possa ler.
Art. 1.873. Pode fazer testamento cerrado o surdo-mudo, contanto que o escreva todo, e o assine de sua mão, e que, ao entregá-lo ao oficial público, ante as duas testemunhas, escreva, na face externa do papel ou do envoltório, que aquele é o seu testamento, cuja aprovação lhe pede.
Art. 1.874. Depois de aprovado e cerrado, será o testamento entregue ao testador, e o tabelião lançará, no seu livro, nota do lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi aprovado e entregue.
Art. 1.875. Falecido o testador, o testamento será apresentado ao juiz, que o abrirá e o fará registrar, ordenando seja cumprido, se não achar vício externo que o torne eivado de nulidade ou suspeito de falsidade.
[11] O que acontecerá com minha conta do Facebook se eu falecer?. Acesso 10 set. 2020.
[12] Como faço para denunciar a conta de uma pessoa falecida no Instagram?. Acesso em 10 set.2020.
[13] Como entrar em contato com o Twitter para falar sobre a conta de um familiar falecido. Acesso em 10 set. 2020.
[14] Enviar uma solicitação a respeito da conta de um usuário falecido. Acesso em 10 set. 2020.
[15] Usuário falecido do LinkedIn. Acesso em 14 set. 2020.
Read MoreO Projeto de Lei (PL) nº 529/2020 foi proposto com o intuito de mitigar os efeitos econômicos decorrentes da pandemia do novo coronavírus.
O Governo de São Paulo publicou na data de ontem (13/08) o Projeto de Lei (PL) nº 529/2020 que propõe medidas para o equilíbrio das contas diante dos efeitos econômicos da pandemia do coronavírus. Dentre as mudanças, destaca-se as alterações na tributação de heranças e doações pelo Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
Ainda que a proposta mantenha a alíquota atual do imposto em 4%, há pontos que merecem destaque:
a) Planos de Previdência Complementar (PGBL e VGBL): instituto muito utilizado para o planejamento sucessório, o PL pretende tributar os valores recebidos pelos beneficiários de planos de previdência.
b) Usufruto: nas doações com reserva de usufruto em favor do doador, a tributação incidirá sobre o valor integral do bem – diferentemente do atual que prevê a tributação somente em dois terços do valor do bem.
c) Imóveis: em se tratando de imóveis urbanos, o artigo 13º prevê que a base de cálculo para doação ou herança de imóveis urbanos não poderá ser inferior aos valores utilizados para fins de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) ou de Imposto de Predial e Territorial Urbano (IPTU). Caso seja imóvel rural, o valor da base de cálculo não será inferior ao valor venal divulgado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo ou outro órgão de reconhecida idoneidade
d) Participações societárias: na falta de valor de mercado, a base de cálculo nas transmissões de ações ou quotas por doação ou herança passará a ser apurada com base no patrimônio líquido da sociedade, ajustado pela reavaliação de seus ativos e passivos a valor de mercado – atualmente admite-se a utilização do valor patrimonial sem ajustes.
Destaca-se que o Projeto de Lei não é implementado automaticamente, sendo necessário o devido rito legislativo para a sua aprovação. Caso seja aprovado e convertido em lei ainda em 2020, suas regras passarão a valer apenas em 2021. Assim, as transmissões de bens e direitos decorrentes de herança ou doação feitas este ano ficarão sujeitas às regras vigentes, inclusive no âmbito de um planejamento sucessório.
Por fim, vale ressaltar que em abril de 2020, também sob a justificativa de mitigar os efeitos da pandemia, foi publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo o Projeto de Lei nº 250/2020 que prevê a majoração do ITCMD, que passaria a incidir a alíquotas progressivas de até 8%.
Confira mais textos sobre Direito de Família:
As consequências sucessórias de acordo com cada regime de bens.
Provimento nº 100 do CNJ possibilita o divórcio virtual.
Read More" [...] O regime de bens impacta diretamente no direito sucessório e na perpetuação do patrimônio do falecido."
DIREITO SUCESSÓRIO: O GRANDE TABU
Mais sensível do que o assunto sobre regime de bens é o direito sucessório. Visto ainda como um tabu, eis que envolve a única certeza da vida, a finitude, a sua discussão vem se tornando cada vez mais importante, principalmente para aqueles que desejam perpetuar o seu patrimônio e assegurar o conforto dos seus entes queridos.
Para melhor elucidação do artigo, aborda-se, abaixo, alguns termos jurídicos presentes no direito sucessório:
- Herança: corresponde ao conjunto de relações jurídicas (ativas e passivas) pertencente ao falecido e transferido aos herdeiros no momento do óbito, em caráter indivisível, até a conclusão do inventário. Até a partilha, o direito dos coerdeiros quanto à propriedade e posse da herança será indivisível e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.
- Meação: decorre do regime de bens. Preexiste ao óbito do outro cônjuge e corresponde à metade do patrimônio comum do casal, quando houver comunicação entre os bens. Portanto, o herdeiro não se confunde com o meeiro, uma vez que este decorre do direito matrimonial enquanto o primeiro é o sucessor dos bens da pessoa falecida. Ao longo do texto, esse item será melhor explorado.
- Espólio: é a massa patrimonial deixada pelo autor da herança.
- Sucessão Testamentária: provém do testamento – ato de última vontade do falecido.
- Sucessão Legítima: decorre da lei e acontece com a morte de alguém, sendo chamados para suceder ao falecido, no que diz respeito ao seu patrimônio (herança), aqueles que a lei designa especificamente.
- Inventário: procedimento por meio do qual são levantados os bens, os direitos, as obrigações e as suas transmissões aos herdeiros de acordo com a porcentagem devida. O inventário será realizado judicial ou extrajudicialmente.
- Legítima: é a parte da herança que é destinada aos herdeiros necessários.
- Beneficiários da Herança:
i) Herdeiros Necessários – ascendentes (ex: pais), descendentes (ex: filhos) e, dependendo do regime de bens adotado, cônjuge sobrevivente/supérstite. São denominados “necessários”, pois não podem ser excluídos do direito à sucessão, salvos em casos de indignidade ou deserdação.
ii) Herdeiros Legítimos – parentes colaterais até o 4° grau (ex: irmãos, sobrinhos, tios e primos) e poderão ser beneficiários da herança em casos em que não há herdeiros necessários nem disposição testamentária diversa.
iii) Herdeiros Testamentários – o falecido, como última vontade, deixa bens a pessoas que, não necessariamente, são parentes. Cabe ressaltar que, havendo herdeiros necessários, o testador só pode dispor livremente de 50% do seu patrimônio.
CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS ACERCA DO DIREITO SUCESSÓRIO
1. Verificação da data de início da relação matrimonial bem como da aquisição e eventual sub rogação dos bens do falecido;
2. Identificação do regime de bens adotado pelo casal;
3. Apuração de dívidas, testamentos, doações e herdeiros necessários.
É importante destacar que o inventário e a partilha de bens funcionam de maneira individualizada. Portanto, deve-se analisar todas as peculiaridades do caso concreto no momento do falecimento.
DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE DE ACORDO COM O REGIME DE BENS ADOTADO
O direito sucessório do cônjuge sobrevivente não depende tão somente da sua capacidade sucessória, reconhecida pelos elementos normativos que disciplinam o fenômeno sucessório, mas também de alguns aspectos fáticos, que caso ausentes, afastam a sucessão do cônjuge falecido [1].
Por exemplo, o cônjuge só é reconhecido como sucessor se, na época do falecimento do outro, o casal não estivesse separado judicialmente, nem separado de fato há mais de dois ano [2].
Abaixo, serão elencados os regimes de bens dispostos na legislação vigente, a fim de compreender minimamente o impacto que possui no âmbito sucessório. Para uma explicação mais detalhada acerca dos regimes, recomendamos o nosso artigo que aborda o conteúdo de forma didática e ilustrativa.
COMUNHÃO PARCIAL DE BENS
Regra geral, o regime da comunhão parcial de bens se caracteriza pela comunicação apenas dos bens adquiridos onerosamente, por um ou pelos dois, durante o casamento ou a união estável. Assim, bens e valores que cada cônjuge possuía quando do início da relação, bem como tudo o que receberem por sucessão ou doação não se comunicarão.
Diante das regras ora expostas, o cônjuge sobrevivente terá direito à meação dos bens adquiridos onerosamente durante o matrimônio, ou seja, o cônjuge sobrevivente será meeiro desses bens.
Para que o cônjuge ou companheiro sobrevivente seja considerado herdeiro e, assim, receba herança, é indispensável que exista acervo particular de bens [3]
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2015, pacificou o entendimento que, pelo motivo do cônjuge sobrevivente já ter o direito à meação, só concorre com os outros herdeiros sobre os bens particulares [4]. Abaixo, segue imagem explicativa:
Exemplo: Maria e João, casados pelo regime comunhão parcial de bens, têm 2 filhos. Antes do casamento, João adquiriu um automóvel. Na constância do matrimônio, o casal adquiriu onerosamente um apartamento. Passados alguns anos, João falece.
Resolução – Em relação ao apartamento, Maria será meeira (direito a 50% do bem), em virtude de que era bem comum ao casal – conforme regra do regime de comunhão parcial de bens. E os outros 50% serão partilhados entre os dois filhos do casal. Ao automóvel, Maria será herdeira, juntamente com seus dois filhos, uma vez que, por ser bem particular de João, Maria não possui direito à meação.
COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS
Na comunhão universal de bens, prevalece a máxima: “tudo é nosso”. Ou seja, tem-se a criação de uma única massa patrimonial, na qual todo o patrimônio anterior ao casamento é agora do casal e os bens futuros, gratuitos ou onerosos, comunicar-se-ã [5].
Diferentemente do que ocorre na partilha sob o regime de comunhão parcial de bens, nesse tipo de regime, o cônjuge sobrevivente não tem direito à herança. A explicação é simples: por ser meeiro, já possui 50% do patrimônio. Portanto, falecendo o cônjuge, 50% de todo o patrimônio é do cônjuge sobrevivente, enquanto os outros 50% (patrimônio do falecido) são divididos entre os herdeiros.
Exemplo: Maria e João, casados pelo regime comunhão universal de bens, têm 2 filhos. Antes do casamento, João adquiriu um automóvel. Na constância do matrimônio, o casal comprou um apartamento. Passados alguns anos, João falece.
Resolução – Como o regime pactuado é o universal de bens, Maria será meeira de todo o patrimônio, independente do bem ter sido adquirido antes da constância do matrimônio. Os outros 50% serão partilhados entre os dois filhos do casal, posto que Maria, nesse caso, não é herdeira.
SEPARAÇÃO DE BENS
O regime de separação convencional de bens é, via de regra, o oposto do regime de comunhão universal. Como o próprio nome já informa, não há a comunicabilidade tanto do patrimônio anterior ao casamento quanto dos bens futuros durante a constância do matrimônio ou da união estável [6].
Trata-se de um regime de estrutura mais simples em que, independentemente do tempo de relação, não haverá comunicação de patrimônio entre o casal durante o matrimônio. Existem duas massas patrimoniais diferentes.
Apesar de, em vida, o casal optar pela não comunicabilidade dos bens, após o falecimento de um, o cônjuge sobrevivente tem direito à herança. No entanto, salienta-se: não necessariamente será herdeiro de 50% do patrimônio, uma vez que não é meeiro. Dito isso, o cônjuge sobrevivente concorrerá com os herdeiros necessários, por exemplo, descendentes.
Exemplo: Maria e João, casados pelo regime de separação convencional de bens, têm 2 filhos. Antes do casamento, João adquiriu um automóvel. Na constância do matrimônio, o casal comprou um apartamento juntos. Passados alguns anos, João falece.
Resolução – Como o regime pactuado é a separação convencional de bens, Maria não é meeira, visto que os bens, mesmo na constância do matrimônio, não se comunicam. Em relação ao apartamento, pelo fato de Maria tê-lo comprado juntamente com João (constando a porcentagem de 50% de cada um no instrumento de compra e venda e na matrícula do imóvel), terá direito à parte dela. Sobre os 50% de João, Maria concorrerá com seus dois filhos na condição de herdeira. Ao automóvel, Maria será herdeira, juntamente com seus dois filhos, em razão de que, por ser bem particular de João, Maria não possui direito à meação.
Diferentemente da separação convencional de bens, em que os próprios integrantes do relacionamento optam por escolher a independência de seu patrimônio ao longo da relação, em certos casos, a lei impõe o regime de separação no casamento, denominado regime de separação legal ou obrigatória de bens [7].
Essa imposição tem o sentido de evitar confusão patrimonial ou sanguíneo [8]. Assim, não há uma proibição pelo Estado quanto à realização do casamento, porém, afirma que, ocorrendo, deverá ser feito no regime de separação obrigatória de bens.
Ao falecimento de um dos cônjuges, o STJ, em 2018, consolidou o entendimento de que, para o cônjuge sobrevivente ser considerado herdeiro, é necessário que haja prova de esforço mútuo na aquisição do bem[9]. Destaca-se: esse esforço não é, necessariamente, financeiro. Por ser uma prova subjetiva, torna-se, por vezes, difícil a sua comprovação.
PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS
O regime de participação final nos aquestos [10] possui uma espécie híbrida, com características tanto do regime de separação quanto de comunhão parcial de bens [11]. Nesse sentido, os bens adquiridos antes do matrimônio não se comunicam. Na constância do matrimônio, assim como ocorre no regime de separação total dos bens, cada cônjuge mantém seu próprio patrimônio, com administração exclusiva de seus bens, inclusive os imóveis, desde que previamente estipulado no pacto antenupcial [12].
Contudo, na eventualidade da dissolução conjugal, serão apurados os aquestos sobre os bens adquiridos de forma onerosa pelo casal, situação um pouco distinta do que acontece na prática no regime de comunhão parcial de bens.
Na sucessão, a partilha de bens deve observar a meação do cônjuge sobrevivente conforme as previsões do Código Civil [13]. Ou seja, ocorre de uma forma semelhante ao divórcio: meação sobre os aquestos/bens comuns. Acerca do restante do patrimônio do falecido, o cônjuge sobrevivente será herdeiro.
Exemplo: Maria e João, casados pelo regime participação final nos aquestos, têm 2 filhos. Antes do casamento, João adquiriu um automóvel. Na constância do matrimônio, o casal comprou um apartamento. Passados alguns anos, João falece.
Resolução – Em relação ao apartamento, Maria será meeira (direito a 50% do bem), posto que era um bem comum ao casal – conforme regra do regime de participação final nos aquestos. E os outros 50% serão partilhados entre os dois filhos do casal. Ao automóvel, Maria será herdeira, juntamente com seus dois filhos, uma vez que, por ser bem particular de João, Maria não possui direito à meação.
REGIME MISTO
Através do pacto antenupcial, é possível escolher regras de dois ou mais regimes, como uma espécie híbrida [14]. Para este tipo de regime, o direito sucessório dependerá das cláusulas no pacto antenupcial que o casal estabelecer. Portanto, não há previsibilidade de como se dará a partilha.
COMO UMA CONSULTA JURÍDICA AUXILIA NO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO E PATRIMONIAL
Como percebido pelo texto, o regime de bens impacta diretamente no direito sucessório e na perpetuação do patrimônio do falecido. A consulta jurídica servirá para esclarecer dúvidas acerca das consequências da escolha do regime de bens no âmbito sucessório bem como bem como propor meios de solução para um bom planejamento.
Ressalta-se que as consequências da divisão do patrimônio de acordo com o regime de bens são muito maiores do que fora apresentado no presente artigo, sendo apenas um caso exemplificativo.
Laísa Santos. Advogada. Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
Maria Luisa Machado Porath. Estagiária do escritório Schiefler Advocacia. Graduanda da sétima fase em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Meios Consensuais da UFSC (GEMC). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) – 2015.
Bibliografia:
[1] MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. Sucessão legítima: as regras da sucessão legítimas, as estruturas familiares contemporâneas e a vontade. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 517.
[2]Art. 1.830 CC. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.
[3] Art. 1.829 CC. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.
[4] RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. HERDEIRO NECESSÁRIO. EXISTÊNCIA DE DESCENDENTES DO CÔNJUGE FALECIDO. CONCORRÊNCIA. ACERVO HEREDITÁRIO. EXISTÊNCIA DE BENS PARTICULARES DO DE CUJUS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.829, I, DO CÓDIGO CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. 1. Não se constata violação ao art. 535 do Código de Processo Civil quando a Corte de origem dirime, fundamentadamente, todas as questões que lhe foram submetidas. Havendo manifestação expressa acerca dos temas necessários à integral solução da lide, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte, fica afastada qualquer omissão, contradição ou obscuridade. 2. Nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. 3. A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus. 4. Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1368123 SP 2012/0103103-3, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 22/04/2015, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 08/06/2015)
[5] Art. 1.667 CC. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.
[6] Art. 1.687 CC. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.
[7] Art. 1.641 CC. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
[8] Pessoas prestes a contraírem o casamento.
[9] EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.623.858 – MG (2016/0231884-4) RELATOR : MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO) EMBARGANTE : A M DE R J ADVOGADO : ANTONIO MARCOS DE RESENDE JUNIOR – MG106595 INTERES. : A M R – ESPÓLIO DECISÃO Trata-se de embargos de divergência interpostos pela A M DE R J contra acórdão da eg. Terceira Turma desta Corte, assim ementado: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. MEAÇÃO. CÔNJUGE SUPÉRSTITE. SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. 1.O acórdão recorrido que adota a orientação firmada pela jurisprudência do STJ não merece reforma. 2. Recurso não provido. (AgInt no REsp 1623858/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 18/12/2017) O acórdão embargado afirma, em síntese, que: “Ao decidir que o cônjuge supérstite, casado sob o regime de separação legal de bens, faz juz à meação de bem adquirido na constância do casamento, independentemente da prova de esforço comum, o TJSP se alinhou ao entendimento do STJ (REsp 1593663/DF, 3ª T., DJe 20/09/2016 e AgRg no REsp 1008684/RJ, 4ª T., DJe 02/05/2012)” (na fl. 408). A parte embargante assinala divergência com julgamento proferido pela eg. Segunda Seção, no EREsp nº 1.171.820/PR, assim ementado: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). DISSOLUÇÃO. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. PARTILHA. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. Nos moldes do art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), à união estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. 2. Nessa hipótese, apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha. 3. Embargos de divergência conhecidos e providos para negar seguimento ao recurso especial. (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015) Requerer o conhecimento e provimento dos presentes embargos de divergência para fazer prevalecer o entendimento exposto no acórdão paradigma. É o relatório. Passo a decidir. À primeira vista, resta caracterizada a alegada divergência, pelo que, cumpridas as formalidades previstas no art. 266, § 1º. do Regimento Interno do Superior Tribunal, admito os presentes Embargos de Divergência. Abra-se vista ao embargado para apresentação de impugnação no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 267 do RISTJ e dos arts. 212, 216 e 219 do Código de Processo Civil. Publique-se. Brasília, 13 de março de 2018. MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO) Relator (STJ – EREsp: 1623858 MG 2016/0231884-4, Relator: Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), Data de Publicação: DJ 15/03/2018).
[10] A palavra “aquesto” significa acúmulo, reserva. Portanto, o regime de participação final nos aquestos poderia ser traduzido para: regime de participação final nos bens acumulados pelo casal.
[11] Art. 1.672 CC. No regime de participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.
[12] Art. 1.656 CC. No pacto antenupcial, que adotar o regime de participação final nos aqüestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares.
[13] Art. 1.685 CC. Na dissolução da sociedade conjugal por morte, verificar-se-á a meação do cônjuge sobrevivente de conformidade com os artigos antecedentes, deferindo-se a herança aos herdeiros na forma estabelecida neste Código.
[14] O estatuto patrimonial do casal pode ser definido por escolha de regime de bens distinto daqueles tipificados no Código Civil (art. 1.639 e parágrafo único do art. 1.640), e, para efeito de fiel observância do disposto no art. 1.528 do Código Civil, cumpre certificação a respeito, nos autos do processo de habilitação matrimonial (IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, Enunciado 331).
Read MoreVisando mitigar os efeitos da pandemia do coronavírus, o texto dispõe sobre o chamado Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas (RJET).
Os impactos da Lei da Pandemia (Lei nº 14.010) no âmbito do Direito das Famílias e Sucessões
Laísa Santos[1]
O Projeto de Lei nº 1.179/20 foi sancionado pelo presidente na última quarta-feira, 10 de junho, após aprovação em ambas as casas legislativas. Visando mitigar os efeitos da pandemia do coronavírus, o texto dispõe sobre o chamado Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas (RJET).
Segundo o autor, Senador Antônio Anastasia (PSD/MG), o Projeto de Lei – agora, convertido em lei – visa minimizar as consequências socioeconômicas provocadas pela pandemia, de modo a preservar contratos, suspender prazos e evitar o abalroamento do judiciário com processos em massa.
Partindo desse pressuposto, o capítulo X dispôs sobre o Direito de Família e Sucessões, em seus artigos 15 e 16.
No âmbito do Direito de Família, o artigo 15 da lei determina que, até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentar deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar. Ou seja, enquanto vigente o regime jurídico emergencial, todo aquele que estiver em débito com até os últimos três meses de pensão e, tiver a sua prisão decretada, poderá cumpri-la em sua própria residência.
Contrariando o posicionamento adotado desde o início pelo Projeto de Lei (agora lei) e da Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no último dia 2 de junho a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o regime domiciliar e suspendeu a prisão do devedor de alimentos durante a pandemia. Assim, o devedor de alimentos cumprirá a prisão em regime fechado após o fim do estado de calamidade pública.
No seu voto, o relator, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que a concessão da prisão domiciliar aos alimentantes inadimplentes relativizaria o que esta disposto na norma e argumentou que, assegurar aos presos por dívida alimentar o direito à prisão domiciliar seria medida que não cumpriria o mandamento legal, ferindo a própria dignidade do alimentando.
A questão foi afetada ao colegiado pela 3ª Turma na sessão da última terça-feira (10/06) para dirimir as divergências de entendimento com a 4ª Turma. Entretanto, o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, propôs o adiamento do julgamento, tendo em vista que o prazo para veto ou sanção da “Lei da Pandemia” pela Presidência da República se esgotava naquele mesmo dia.
Diante da sanção do projeto e, consequentemente, da sua conversão em lei, o Superior Tribunal de Justiça possivelmente pautará o Habeas Corpus para a próxima semana e decidirá conforme a legislação vigente. Ainda, será necessário deliberar se a lei passará ou não a ter efeitos retroativos.
A situação exige cautela. Sabe-se que o crescimento da inadimplência alimentar está no horizonte desta crise. Contudo, é preciso assegurar o direito do mais vulnerável através de medidas que visem coagir aqueles genitores que possam aproveitar do momento, deixando de adimplir com a verba alimentar, de maneira mal-intencionada.
No tocante ao Direito das Sucessões, a “Lei da Pandemia” prevê, em seu artigo 16, a prorrogação do prazo para abertura do inventário (2 meses a contar do falecimento) e a suspensão do prazo de 12 meses para a conclusão de inventários com óbitos anteriores a fevereiro de 2020.
De maneira simplificada, o artigo propõe que, para falecimentos ocorridos a partir de 1º de fevereiro de 2020, o início da contagem do prazo de dois meses para a abertura do respectivo inventário será prorrogado para o dia 30 de outubro de 2020. Ou seja, o prazo só começará a correr a partir da data aprazada.
Da mesma forma será a aplicação do prazo para finalização dos processos de inventário com óbitos anteriores a fevereiro de 2020. Assim, um inventário que iniciou em novembro de 2019 e deveria ser finalizado até novembro de 2020, terá seu prazo suspenso a partir da entrada em vigência desta lei, somente retornando após 30 de outubro. O prazo já transcorrido antes da publicação da lei será computado.
Ainda que de bom grado a redação do artigo, as consequências práticas são nebulosas. Como regra geral, em caso de não abertura do inventário no prazo estabelecido de 2 meses pelo Código de Processo Civil[2], há a incidência de multa. O estado de Santa Catarina, por exemplo, impõe uma multa de 20% sobre o valor do Imposto de Transmissão Causa Mortos e Doação (ITCMD), enquanto que o de São Paulo impõe a multa no percentual de 10 a 20% sobre o imposto devido.
Não obstante a competência da União em legislar sobre direito civil e processual e, consequentemente, sobre o prazo para abertura e finalização de inventários, é dos Estados a competência para instituir o ITCMD, bem como para estipular penalidades pela não observância de prazos.
Até o presente momento, tanto o estado de Santa Catarina quanto o de São Paulo ainda não alteraram nenhuma das normas que tratam sobre a aplicação de multa pelo atraso na abertura do inventário (Lei nº 13.136/04 e 10.705/2000, respectivamente) – em que pese o Projeto de Lei estivesse tramitando desde março. Ou seja, ainda não há qualquer movimentação para uma harmonização das referidas legislações estaduais com a nova lei sancionada.
Diante dessa incerteza e da ausência de posicionamento dos estados da federação sobre o assunto, é necessário se atentar e alertar aos herdeiros para a possibilidade da aplicação da multa pelas Fazendas Estaduais caso o contribuinte descumpra o prazo para o pagamento do ITCMD, ainda que haja a dilação de prazo da normatização transitória federal.
[1] Advogada atuante na área de Planejamento Patrimonial, Família e Sucessões do escritório Schiefler Advocacia. Graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e especialista em Planejamento Patrimonial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Membra do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
[2] CPC. Art. 611. O processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de 2 (dois) meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de ofício ou a requerimento de parte.
Read More