Sogro e sogra são chamados de parentes por afinidade pois, quando quando você contrai matrimônio ou constitui união estável, você e seus sogros - assim como seus cunhados - formam um vínculo familiar.
Maria Luisa Machado Porath[1]
No dia 10 de março, comemora-se o Dia do Sogro. A data foi criada no intuito de homenagear a figura do sogro e desmistificar a sua tradicional ideia de rigidez. Aproveitamo-nos dessa data comemorativa para respondermos ao seguinte questionamento: se eu me divorciar, o vínculo com os meus sogros permanece? É válido esclarecermos esse assunto, porque você já deve ter escutado a famosa frase “sogros são para a vida inteira”.
Para melhor elucidação sobre o tema, faz-se necessária a análise do quadro esquemático da relação parental:

Quadro Esquemático da Relação de Parentesco
Parentesco de Sogro e Sogra
Sogro e sogra são chamados de parentes por afinidade[2]. Isso se deve ao fato de que, quando você contrai matrimônio ou constitui união estável, você e seus sogros – assim como seus cunhados – formam um vínculo familiar e se tornam, legalmente, parentes afins. Ou seja, esta relação deriva exclusivamente de disposição legal, sem relação de sangue. De forma resumida, “[…] somos parentes dos parentes da nossa esposa (do nosso marido) ou da nossa companheira (do nosso companheiro)”[3].
Para fins de curiosidade, no idioma inglês, sogro e sogra são chamados respectivamente de father-in-law e mother-in-law; o que faz muito sentido, porque traduzidos literalmente, significam “pai de acordo a lei” e “mãe de acordo com a lei”[4]. Dessa maneira, fica mais simples entender como funciona o parentesco referente ao sogro e à sogra.
O Código Civil[5] afirma que os ascendentes e os descendentes são parentes em linha reta. São chamados assim, porque a parentalidade é direta; isto é, uma linha reta que existe diretamente entre pai e filho, por exemplo. A norma[6] também declara que o parentesco por afinidade em linha reta não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. Agora, com todas as informações expostas, é possível enquadrar o sogro e a sogra, foco deste artigo, na seguinte relação de parentesco:
- O(a) cônjuge ou companheiro (ou companheira) possui vínculo de afinidade com o parente do outro (ou da outra);
- O parentesco por afinidade se refere apenas aos ascendentes (por exemplo, seu sogro e sua sogra), aos descendentes (seu enteado ou sua enteada) e aos irmãos do cônjuge (seu cunhado ou sua cunhada);
- O parentesco por afinidade em linha reta não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável;
- Pelo quadro esquemático do item anterior, nota-se que o sogro e a sogra são parentes por afinidade em linha reta (linha vertical);
- Logo, havendo dissolução do casamento ou da união estável, o sogro e a sogra permanecem como seus parentes.
- O mesmo ocorre em situações de falecimento do seu (ou da sua) cônjuge.
Implicação Jurídica sobre a inexistência do termo “ex-sogro” e “ex-sogra”
Primeiro, é válido destacar que, apesar de haver parentalidade entre os afins, não existe obrigação legal dos parentes por afinidade prestarem alimentos tampouco pleitearem direitos hereditários. Ressalta-se, ainda, que os parentes por afinidades não podem servir como testemunhas, apenas como informantes (que não têm a obrigação legal de dizerem a verdade)[7]. Além disso, há vedação explícita de matrimônio ou de reconhecimento de união estável entre[8]:
- sogro (ou sogra) e nora (ou genro);
- enteado (ou enteada) e madrasta (ou padrasto); e
- todas as outras formas que englobam a parentalidade consanguínea ou civil em linha reta.
Isso se justifica pelo fato de que, ainda que você se divorcie ou dissolva a união estável, o seu vínculo de parentesco com o seu sogro e a sua sogra permanece.
Para melhor assimilação, vamos a um caso prático:
Maria era casada com João. O pai de João e sogro de Maria, Lucas, com o passar do tempo, apaixonou-se por Maria (e vice-versa). Assim, Maria se divorciou de João para ficar com o seu sogro. Passado algum tempo, Maria e Lucas quiseram contrair matrimônio. No entanto, descobriram que, juridicamente, não podem se casar ou estabelecer união estável. Portanto, apesar de se relacionarem e morarem juntos, esse relacionamento é nulo aos olhos do mundo jurídico[9].
Esse impedimento possui fundamento moral: eventual repúdio da sociedade à constituição de uma relação amorosa entre: i) sogro (ou sogra) e nora (ou genro); ii) padrasto (ou madrasta) e enteada (ou enteado). Para compreender isso, vamos resgatar a ideia de father-in-law e mother-in-law. Por definição, seriam seus pais pela lei, ou “segundos pais”! Portanto, como não se pode casar com seus pais, igualmente é impossível com seus sogros. Além disso, esse impedimento tem o objetivo de evitar alguma situação de vantagem ou a conquista de algum direito, decorrente de uma aproximação afetiva.
Mas como fica a partilha de bens quando a relação entre sogro e nora, como no exemplo acima, existe de fato?
Sendo impossível o reconhecimento de matrimônio ou de união estável entre os parentes afins em linha reta, a partilha de bens, em caso de falecimento ou de rompimento da relação, não ocorrerá. Portanto, em caso de falecimento, um dos meios possíveis do outro convivente herdar os bens seria através de disposição de última vontade: testamento.
No entanto, para evitar enriquecimento ilícito de alguma parte, entende-se que seja possível a avaliação dos bens para fins de indenizar a parte lesada. Note-se que nada tem a ver com o regime de bens; trata-se puramente de uma reparação civil.
Importa mencionar que, em casos de boa-fé dos nubentes (por exemplo, quando desconhecem o fato de serem sogro e nora), embora seja um casamento nulo, os seus efeitos são produzidos até o dia da sentença anulatória[10]. Isso significa que, enquanto não houver uma sentença anulando o casamento, os efeitos decorrentes desse vínculo conjugal serão mantidos (é o que se chama de casamento putativo). Rolf Madaleno, de maneira prática, explica que o casamento putativo é aquele que a lei reconhece os efeitos jurídicos a aquele que o contraiu de boa-fé, mesmo sendo nulo ou anulável[11]. Depois de anulado, a relação de parentesco entre os afins é mantida.
Conclusão
Em síntese, os sogros serão considerados parentes para a vida inteira, ainda que o(a) cônjuge faleça ou que haja o divórcio. Portanto, “uma vez sogra, para sempre sogra! E uma vez sogro, para sempre sogro!”.
É válido resgatar que a implicação jurídica da inexistência do termo “ex sogros” tem mais a ver com impedimentos legais[12] e, principalmente, com a impossibilidade de matrimônio entre o sogro (ou a sogra) e a nora (ou o genro). Entretanto, caso essa relação amorosa exista de fato, não sucede a partilha dos bens; entende-se viável a indenização dos bens à outra parte, com o fundamento de evitar o enriquecimento sem causa. Frisa-se que, hipótese de matrimônio de boa-fé, os efeitos dessa relação perdurarão até o momento da sentença anulatória.
Caso você (ou alguém que conheça) esteja passando por uma situação semelhante, é importante que consulte uma advogada (ou um advogado) especialista na área de direito de família e sucessões. Dessa forma, o seu caso poderá ser analisado minuciosamente, a fim de que seja solucionado da melhor forma possível.
[1] Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Licenciada e Bacharela em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) — 2015. Estagiária na Schiefler Advocacia. E-mail: malu.mporath@gmail.com
[2] Art. 1.595, CC. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.
- 1o O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.
[3] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo Curso de Direito Civil, volume 6: direito de família – 9. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 696.
[4] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito civil: direito de família. 37. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 299.
[5] Art. 1.591, CC. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.
[6] §2, art. 1.595, CC. Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.
[7] § 2º São impedidos: I – o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;
[8] Art. 1.521. Não podem casar: […] II – os afins em linha reta;
[9] Apelação – Pedido de autorização judicial para o casamento – Sentença de improcedência – Insurgência dos requerentes – Não cabimento – Existência de parentesco por afinidade entre os autores, na qualidade de enteada e ex-padrasto – Vínculo que configura o impedimento legal previsto no artigo 1.521, inc. II do CC, de caráter intransponível – Precedentes deste Egrégio Tribunal – Sentença mantida – Recurso improvido. (TJ-SP – AC: 10086288320198260037 SP 1008628-83.2019.8.26.0037, Relator: HERTHA HELENA DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 23/09/2020, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/09/2020)
[10] Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória. § 1 o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão. § 2 o Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.
[11] MADALENO, Rolf. Direito de Família – 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 149.
[12] Os parentes afins não são iguais ou equiparados aos parentes consanguíneos; são equivalentes, mas diferentes. Assim, o enteado não é igual ao filho, jamais nascendo para o primeiro, em virtude de tal situação, direitos e deveres que são próprios do estado de filiação. O parentesco afim tem por fito muito mais o estabelecimento de uma situação jurídica de impedimentos e deveres, por razões morais. O parentesco afim é normalmente considerado, pelo legislador e pela administração da justiça, para impedir a aquisição de algum direito ou situação de vantagem, em virtude da aproximação afetiva que termina por ocorrer entre os parentes afins e suas respectivas famílias. Assim ocorre, além do direito civil, no direito eleitoral, no direito administrativo, no direito processual, principalmente em hipóteses que presumivelmente ocorreria conflito de interesses. Não há entre parentes afins obrigação de alimentos, no direito brasileiro (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: Famílias, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 192).
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Os valores foram caracterizados com natureza de investimento e, portanto, devem ser partilhados na dissolução do casamento.
Na última semana, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) botou uma pá de cal na controversa discussão a respeito da partilha de bens em planos de previdência privada aberta (VGBL e PGBL).
No voto, a Relatora, Ministra Nancy Andrighi, destaca que diferente da previdência privada fechada que possui entraves de natureza financeira e atuarial, a previdência aberta pode ser objeto de contratação por qualquer pessoa física ou jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual caberá ao investidor, com ampla liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, resgates antecipados ou parcelamento até o fim da vida.
No entendimento da Turma, no período em que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, semelhante ao que ocorreria se os valores das contribuições e dos eventuais aportes fossem investidos em fundos de renda fixa ou na aquisição de ações.
Assim, para evitar distorções no regime de bens do casamento e também na sucessão, uma vez que bastaria ao investidor direcionar seus aportes para essa modalidade para frustrar eventual meação do cônjuge ou legítima dos herdeiros, os valores foram caracterizados com natureza de investimento e, portanto, devem ser partilhados na dissolução do casamento por não estarem abrangidos pela regra do artigo 1.659, inciso VII, do Código Civil[1].
E você concorda com o posicionamento adotado pela Terceira Turma do STJ?
Fonte: Recurso Especial n. 1.698.774/RS (2017/0173928-2)
[1] CC. Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
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VAMOS NOS CASAR! E AGORA?
A escolha do regime de bens é, quase sempre, negligenciada entre os noivos, seja por desinformação ou, ainda, por ser considerado um assunto delicado entre o casal. Porém, é ela quem norteará toda a vida patrimonial durante e logo após o casamento. Assim, para o bom e duradouro relacionamento, é indispensável que haja uma conversa franca sobre o assunto.
Mas o que é e como funciona a escolha do regime de bens?
Em síntese, o regime de bens é uma norma que regula as relações patrimoniais entre um relacionamento afetivo, considerando não só o patrimônio adquirido durante a constância da relação como aqueles trazidos antes do seu início.
“Não pretendo me divorciar. Mesmo assim, preciso pensar nisso?” Sim! Embora ainda seja um assunto tormentoso para aqueles que estão iniciando uma vida a dois, recomenda-se que o casal converse e entenda os tipos de regimes de bens previstos na lei e a forma como isso impacta na vida do casal. Você sabia que, dependendo do regime adotado, é necessária a anuência do outro para determinados atos[1]? E que o regime de bens influenciará diretamente não só no divórcio mas também nos direitos sucessórios?
É válido mencionar que o regime de bens é norteado por regras gerais, dentre as quais destacamos:
- Liberdade de Escolha: como o próprio nome sugere, os nubentes – pessoas prestes a contraírem o matrimônio – têm, em regra, a autonomia privada e a liberdade de escolha. Ou seja, no processo de habilitação, estão livres para optar por qualquer regime previsto no Código Civil; podem, inclusive, criar um regime misto com base nos já existentes. Contudo, existem exceções, como a imposição do regime de separação total de bens prevista na legislação [2].
- Variabilidade: O Código Civil possui diferentes tipos de regimes de bens, quais sejam, comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação de bens e participação final nos aquestos. Assim, os nubentes, de acordo com a liberdade de escolha, adotam o que mais lhes convém ou criam um regime misto.
- Mutabilidade: Desde que haja expressa autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, é possível a alteração do regime de bens.
E AFINAL, QUAIS SÃO OS REGIMES DE BENS?
Os principais regimes de bens são:
- Comunhão parcial de bens;
- Comunhão universal de bens;
- Separação de bens;
- Participação final nos aquestos.
Abaixo, serão elencados os regimes de bens dispostos na legislação vigente, assim como as suas principais características durante o matrimônio ou a convivência.
COMUNHÃO PARCIAL DE BENS
Esse tipo de regime de bens é o mais comum no Brasil. Isso porque o Código Civil de 2002 institui que, não havendo escolha expressa dos nubentes, vigorará o regime de comunhão parcial de bens. É oportuno comentar que esse também, em regra, é o regime adotado em casos de união estável [3].
De forma direta, o regime da comunhão parcial de bens se caracteriza pela comunicação apenas dos bens adquiridos onerosamente, por um ou pelos dois, durante o casamento ou a união estável. Assim, bens e valores que cada cônjuge possuía quando do início da relação, assim como tudo o que receberem por sucessão ou doação não se comunicarão.
Veja o diagrama abaixo que exemplifica o patrimônio entre os cônjuges que optarem pelo regime de comunhão parcial de bens:
Ressalta-se que o diagrama não deve ser tratado como regra absoluta. Como exposto, a legislação prevê que os bens que cada cônjuge possuir antes de casar e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento ou da união estável, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar, não se comunicarão.
Exemplificando: antes do casamento, A comprou um automóvel no valor X. Durante o matrimônio, esse cônjuge decidiu vendê-lo e adquiriu outro, de mesmo valor. Este, por ter substituído o anterior (sub-rogado em seu lugar), não fará parte de futura meação, uma vez que foi adquirido integralmente pelo patrimônio pessoal.
Evidencia-se, ainda, que a legislação presume que os bens móveis adquiridos na constância do casamento ou da união estável, quando não se provar que o foram em data anterior, são bens comuns.
Outrossim, a administração do patrimônio comum compete a qualquer um dos cônjuges – salvo expressas determinações – bem como as dívidas contraídas durante o relacionamento.
COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS
Até a Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/77), por razões históricas e morais, a comunhão universal de bens era o regime adotado como supletivo (legal). Ou seja, quando não havia estipulação contrária pelos nubentes, prevalecia a comunhão universal de bens. Por esse motivo, ainda é muito comum se deparar com esse tipo de regime em casais das gerações anteriores.
Na comunhão universal de bens, prevalece a máxima: “tudo é nosso”. Ou seja, tem-se a criação de uma única massa patrimonial, na qual todo o patrimônio anterior ao casamento é agora do casal e os bens futuros, gratuitos ou onerosos, comunicar-se-ão [4], conforme se demonstra do diagrama abaixo:
Todavia, a legislação [5] prevê certas exceções à máxima do “tudo é nosso”.
Os bens de uso pessoal, livros, instrumentos de profissão bem como os proventos dos trabalhos pessoais e pensões comumente não integram o patrimônio comum.
Como regra, os bens adquiridos de forma gratuita (doação, por exemplo) se comunicam. Porém, é possibilitado ao doador inserir uma cláusula de incomunicabilidade no bem doado para uma pessoa casada sob o regime de comunhão universal de bens. Assim, os bens não farão parte de futura meação.
Ainda, em geral, as dívidas anteriores ao casamento estão excluídas da comunhão. Entretanto, comprovando-se que essas dívidas se reverteram em proveito do casal, poderá haver comunicabilidade. Por exemplo: antes de casar, A fez um empréstimo para mobiliar o apartamento que o casal ia residir. Como ambos se beneficiaram desses móveis, a dívida se torna tanto de A quanto de B.
SEPARAÇÃO DE BENS
O regime de separação (convencional ou legal) de bens é, via de regra, o oposto do regime de comunhão universal. Como o próprio nome já informa, não há a comunicabilidade tanto do patrimônio anterior ao casamento quanto dos bens futuros durante a constância do matrimônio ou da união estável [6].
Toda vez que se deparar com o regime da separação de bens, é imprescindível analisar se tal modalidade foi elegida pelos integrantes da relação ou imposta pela legislação, visto que as consequências são bastante distintas [7].
Trata-se de um regime de estrutura mais simples em que, independentemente do tempo de relação, não haverá comunicação de patrimônio entre o casal durante o matrimônio. Existem duas massas patrimoniais diferentes, conforme se demonstra através do diagrama a seguir:
Nessa modalidade, o casal, pautado no princípio da autonomia privada, decide que cada um terá a sua independência patrimonial. Os integrantes do relacionamento permanecem sob a administração exclusiva de cada um dos bens, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. Para que haja “nosso”, é necessário que, no instrumento de compra, conste a referência de qual percentual será a participação de cada um dos cônjuges ou conviventes. Veja-se através da imagem abaixo:
Ainda, é o único regime de bens que qualquer um dos cônjuges, independentemente de autorização do outro ou judicial, poderá (i) alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; (ii) pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos e; (iii) prestar fiança ou aval.
Este tipo de regime é usualmente adotado por aqueles que pretendem se envolver em negócios de alto risco, visto que não se comunicarão dívidas contraídas.
Ressalta-se que é obrigatória a realização de pacto antenupcial – que será melhor explicado posteriormente – neste tipo de regime.
Ainda, necessário alertar que a escolha da separação patrimonial em nada afeta a eventual imposição de obrigação alimentar, pois, em nosso ordenamento jurídico, o dever de mútua assistência é imposto tanto ao casamento quanto à união estável, independentemente da escolha do regime de bens.
Diferentemente da separação convencional de bens, em que os próprios integrantes do relacionamento optam por escolher a independência de seu patrimônio ao longo da relação, em certos casos, a lei impõe o regime de separação no casamento, denominado regime de separação legal ou obrigatória de bens [8].
Lembram-se da exceção comentada no princípio da liberdade de escolha? Pois bem, é a separação obrigatória! Vale mencionar que existem duas possibilidades que implicam na obrigatoriedade deste regime aos nubentes: quando esses não observam alguma causa impeditiva do casamento; ou quando um, ou ambos, possuem idade superior a 70 anos.
PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS
O regime de participação final nos aquestos [9] é de difícil compreensão e de pouca usabilidade. A sua complexidade reside no fato de que possui uma espécie híbrida, com características tanto do regime de separação quanto de comunhão parcial de bens [10].
Nesse sentido, os bens adquiridos antes do matrimônio não se comunicam. Na constância do matrimônio, assim como ocorre no regime de separação total dos bens, cada cônjuge mantém seu próprio patrimônio, com administração exclusiva de seus bens, inclusive os imóveis, desde que previamente estipulado no pacto antenupcial [11].
Contudo, na eventualidade da dissolução conjugal, serão apurados os aquestos, em uma situação similar ao que acontece na prática no regime de comunhão parcial de bens. Uma das diferenças seria que, na participação final nos aquestos, somente são contabilizados os bens adquiridos de forma onerosa pelo casal. Já na comunhão parcial de bens, conforme mencionado anteriormente, como regra geral, não há distinção entre os bens adquiridos, na constância do casamento ou da união estável, pelo casal ou por um dos cônjuges.
Portanto, para a apuração dos aquestos, serão excluídos da soma dos patrimônios próprios (i) os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram; (ii) os que sobrevieram a cada um por sucessão ou adoção e; (iii) as dívidas em relação a esses bens [12]. Assim se demonstra o diagrama abaixo:
Alerta-se que as dívidas de um dos cônjuges, quando superiores à sua meação, não obrigam ao outro ou aos seus herdeiros.
REGIME MISTO
É POSSÍVEL ESTIPULAR UM REGIME DIFERENCIADO DO PREVISTO NO CÓDIGO CIVIL?
Sim! Como demonstrado no início do presente artigo, as regras da liberdade de escolha e da autonomia privada permitem aos nubentes, no processo de habilitação, a criação de regimes mistos. Contudo, para a opção de regime que não seja o parcial de bens, é obrigatório que formalizem o pacto antenupcial, no caso do casamento, e o contrato de convivência, na hipótese de união estável [13].
Ademais, através do pacto antenupcial, é possível escolher regras de dois ou mais regimes, como uma espécie híbrida [14]. A imagem a seguir traduz essa liberdade de escolha:
No entanto, ressalta-se que isso traz implicações sucessórias quando o cônjuge sobrevivente concorrer com descendentes. Ainda, caso seja do interesse dos nubentes, e desde que não violem os direitos fundamentais, também é possível estabelecer cláusulas existenciais [15].
Como uma consulta jurídica auxilia na escolha no regime de bens
Não é obrigatória a presença de um advogado para a escolha do regime de bens, porém, é altamente recomendável para dirimir quaisquer dúvidas entre o casal. O regime de bens, seus impactos no matrimônio e as suas implicações no direito sucessório são complexas e exigem atenção redobrada para evitar “surpresas” decorrentes da opção escolhida.
Nesse sentido, a consulta jurídica auxilia os nubentes a encontrarem a solução mais adequada para as suas expectativas. Inclusive, para, em uma futura partilha, evitar a frase: “mas eu não sabia que isso fazia parte da divisão!”. Além disso, a consulta jurídica pode assessorar na abordagem do assunto, tendo em vista que o regime de bens ainda é visto como tabu e motivo de discussão e desconfiança para muitos casais.
Laísa Santos. Advogada. Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
Maria Luisa Machado Porath. Estagiária do escritório Schiefler Advocacia. Graduanda da sétima fase em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) – 2015.
[1] Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III – prestar fiança ou aval; IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.
[2] Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
[3] Art. 1.725 CC. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
[4] Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.
[5] Art. 1.668. São excluídos da comunhão: I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; IV – as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; V – Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659. Art. 1.669. A incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo antecedente não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento.
[6] Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.
[7] ROSA, Conrado Paulino da. Curso de direito de família contemporâneo. 6. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2020, p. 245.
[8] Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
[9] A palavra “aquesto” significa acúmulo, reserva. Portanto, o regime de participação final nos aquestos poderia ser traduzido para: regime de participação final nos bens acumulados pelo casal.
[10] Art. 1.672. No regime de participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.
[11] Art. 1.656. No pacto antenupcial, que adotar o regime de participação final nos aqüestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares.
[12] Art. 1.674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o montante dos aqüestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios: I – os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram; II – os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade; III – as dívidas relativas a esses bens. Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos durante o casamento os bens móveis.
[13] Parágrafo único, art. 1.640 do Código Civil. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.
[14] O estatuto patrimonial do casal pode ser definido por escolha de regime de bens distinto daqueles tipificados no Código Civil (art. 1.639 e parágrafo único do art. 1.640), e, para efeito de fiel observância do disposto no art. 1.528 do Código Civil, cumpre certificação a respeito, nos autos do processo de habilitação matrimonial (IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, Enunciado 331).
[15] O pacto antenupcial e o contrato de convivência podem conter cláusulas existenciais, desde que estas não violem os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre os cônjuges e da solidariedade familiar (VIII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, Enunciado 635).
Perguntas Frequentes
O que é Regime de bens?
O regime de bens é uma norma que regula as relações patrimoniais entre um relacionamento afetivo, considerando não só o patrimônio adquirido durante a constância da relação como aqueles trazidos antes do seu início.
Qual é o melhor regime de bens para escolher?
Não existe o melhor e depende muito de caso a caso. O regime de bens, seus impactos no matrimônio e as suas implicações no direito sucessório são complexas e exigem atenção redobrada para evitar ‘surpresas’ decorrentes da opção escolhida.Nesse sentido, a consulta jurídica auxilia os nubentes a encontrarem a solução mais adequada para as suas expectativas. Inclusive, para, em uma futura partilha, evitar a frase: “mas eu não sabia que isso fazia parte da divisão!”. Além disso, a consulta jurídica pode assessorar na abordagem do assunto, tendo em vista que o regime de bens ainda é visto como tabu e motivo de discussão e desconfiança para muitos casais.
O que é comunhão parcial de bens?
O regime da comunhão parcial de bens se caracteriza pela comunicação apenas dos bens adquiridos onerosamente, por um ou pelos dois, durante o casamento ou a união estável.
O que é comunhão universal de bens?
Na comunhão universal de bens, prevalece a máxima: “tudo é nosso”. Ou seja, tem-se a criação de uma única massa patrimonial, na qual todo o patrimônio anterior ao casamento é agora do casal
O que é separação de bens?
O regime de separação, como o próprio nome já informa, não há a comunicabilidade tanto do patrimônio anterior ao casamento quanto dos bens futuros durante a constância do matrimônio ou da união estável
Read MoreAtualmente, o desejo unilateral de permanecer vinculado a um relacionamento conjugal não serve mais como norte para a manutenção da relação.
Laísa Santos[1]
Na última semana, ganhou destaque nas redes sociais uma decisão proferida pelo juízo da 4ª vara de família e sucessões de São Paulo que deferiu a tutela provisória de evidência para decretar o divórcio de um casal antes mesmo da citação da ex-esposa.
Na decisão, o juiz responsável considerou que o divórcio é um direito potestativo incondicionado, citando a Emenda Constitucional 66/2010 que autoriza o divórcio independentemente de qualquer condição, bastando tão somente a manifestação de vontade de um dos cônjuges.
No Código Civil de 1916 e nas constituições passadas, o casamento sempre foi caracterizado como indissolúvel, devendo ser preservado a qualquer custo – ainda que a felicidade dos integrantes da família fosse prejudicada. Visando modificar essa situação, em junho de 1977 foi aprovada a Emenda Constitucional nº 9 (CF de 1967), permitindo o divórcio após cinco anos de separação prévia.
Com a evolução da sociedade e das relações familiares e conjugais, a Constituição Federal de 1988, no § 6º do seu artigo 226, reduziu os prazos e formalidades, permitindo o divórcio após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei ou na hipótese de comprovação da separação de fato por mais de dois anos[2].
Somente em 2010, com a Emenda Constitucional 66/2010, houve a alteração do § 6º do artigo 226, suprimindo a necessidade de prévia separação judicial ou de fato para fins de divórcio e acabando com a discussão acerca da culpa sobre o fim do relacionamento. A Emenda foi uma proposição do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) apresentada em 2007 pelo então deputado federal Sérgio Barradas Carneiro (BA).
Seguindo essa linha, em 2015, na vanguarda, o IBDFAM aprovou o Enunciado 18 no X Congresso Brasileiro de Direito Família, que previa que nas ações de divórcio e de dissolução de união estável a regra será o julgamento parcial de mérito para que seja decretado o fim da conjugalidade, seguindo a demanda com a discussão de outros temas.
Já em maio do ano passado, o Estado de Pernambuco regulamentou o divórcio unilateral pelo Provimento nº 06/2019. No provimento, a Corregedoria-Geral de Justiça de Pernambuco possibilitou o “divórcio impositivo” que se caracterizava como um ato de autonomia de vontade de um dos cônjuges, não exigindo a prévia concordância do ex-cônjuge.
O Estado foi o primeiro a adotar a medida, não demorando muito para que o Estado do Maranhão também fizesse a regulamentação através do Provimento nº 25/19. Contudo, a Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) ingressou no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com pedido de providências contra a regulamentação do divórcio unilateral.
Logo após, o Conselho Nacional de Justiça, através do Corregedor Nacional, Ministro Humberto Martins, expediu a Recomendação nº 36/2019, que orientava os tribunais a se absterem de editar atos que permitissem o divórcio unilateral, sob o argumento de que o ordenamento jurídico brasileiro não permite que o divórcio seja realizado extrajudicialmente quando não há consenso entre o casal. Na oportunidade, também solicitou que aqueles tribunais que já tinham editado atos normativos providenciassem a sua imediata revogação.
Ainda que inexista, até o momento, regulamentação sobre o assunto, aos poucos o Poder Judiciário vem se manifestando no sentido de facilitar o divórcio, destravando barreiras antes impostas ao cônjuge que não tenha mais interesse em continuar o matrimônio.
Em janeiro deste ano, a juíza Karen Francis Schubert, titular da 3ª vara da família da comarca de Joinville (SC) decretou, liminarmente, o divórcio de um casal antes da citação do marido. Em entrevista concedida ao IBDFAM, a magistrada reiterou que o divórcio passou a ser caracterizado como um direito potestativo incondicionado, fundamentado na Constituição. Ainda, fundamentou que para a sua decretação não se exige a apresentação de qualquer prova ou condição, sendo desnecessária a formação do contraditório.
Em maio, o Juiz Substituto da 1ª Vara da Família de Águas Claras/DF também proferiu decisão semelhante. Na ocasião, uma mulher conseguiu o divórcio antes mesmo da citação do ex-cônjuge no processo. O juiz não somente atendeu o pedido de urgência por meio de uma decisão liminar, como também ordenou a expedição de mandado para a devida averbação em cartório.
Evidentemente que, nos dias atuais, o desejo unilateral de permanecer vinculado a um relacionamento conjugal não serve mais como norte para a manutenção da relação. Para tanto, tramita no Senado o Projeto de Lei nº 3457/2019, que acrescenta o artigo 733-A ao Código de Processo Civil, permitindo que um dos cônjuges requeira a averbação do divórcio no cartório de registro civil, ainda que o outro cônjuge não concorde com o fim do relacionamento.
Tendo em vista que ainda há divergência entre a orientação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a interpretação da legislação vigente adotada por alguns magistrados, o Projeto de Lei será bem-vindo, trazendo maior segurança jurídica e eliminando os entraves burocráticos. Indubitavelmente se trata, também, de uma significativa evolução para o Direito de Família e, principalmente, para as relações afetivas e familiares como um todo.
[1] Advogada. Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
[2] ROSA, Conrado Paulo da. Curso de Direito de família contemporâneo. 6. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2020, p. 288.
Read MoreNa hipótese de suspensão da prisão civil, o mandado de prisão do devedor de alimentos permaneceria em aberto até o fim da recomendação de distanciamento social.
É possível suspender o cumprimento da prisão do devedor de alimentos durante a pandemia decorrente de COVID-19?
Maria Luisa Machado Porath[1]
Na última semana, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) noticiou acerca da possibilidade de suspensão da decretação da prisão civil por dívida de alimentos em função da pandemia de COVID-19. A decisão da Terceira Turma do STJ repercutiu no âmbito jurídico devido à contrariedade do artigo 6º da Recomendação n. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ): substituição da prisão civil em regime fechado pela domiciliar, a fim de minimizar os riscos epidemiológicos[2].
Antes de adentrarmos no caso concreto, vale ressaltar que o Projeto de Lei n. 1.179/20 foi aprovado pelo Congresso Nacional e aguarda sanção do Presidente da República. O Capítulo X do Projeto de Lei trata do Direito de Família e Sucessões. Para o estudo, importa destacar que o artigo 15 aborda que, até o dia 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo das exigibilidades das respectivas obrigações[3].
Caso concreto: julgamento de Habeas Corpus impetrado contra acórdão proferido pela 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)
No julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), os desembargadores entenderam pela manutenção da prisão em regime fechado, uma vez que o devedor deixou de pagar as prestações da pensão que venceram posteriormente ao pedido de extinção da execução de alimentos.
A defesa, no STJ, ressaltou a recomendação do CNJ a respeito da prisão domiciliar em caráter excepcional em função da pandemia e da vulnerabilidade da população carcerária. Ademais, argumentou que a dívida acumulada já tinha sido quitada e que, após o pedido de exoneração de alimentos, os pagamentos persistiram, ainda que de forma parcial.
Contudo, em seu voto o relator Ministro Villas Bôas Cueva evidenciou que a recomendação do CNJ poderia relativizar o disposto no artigo 528, parágrafos 4º e 7º, do Código de Processo Civil de 2015: prisão civil em regime fechado devido ao débito alimentar de até as 3 prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso processo[4]. Isso porque é inviável que o caráter coercitivo da prisão permaneça, uma vez que a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é no sentido de que todos que puderem fiquem em casa.
Análise do Julgado da Terceira Turma do STJ
Tendo em vista o Projeto de Lei n. 1.179/20, ressalta-se que é compreensível a recomendação do CNJ, porém entende-se como acertada a decisão da Terceira Turma do STJ. Num momento crítico de pandemia, a população tem permanecido em casa, a fim de se evitar a propagação do vírus Sars-CoV-2. Nesse sentido, a substituição da prisão civil em regime fechado pela domiciliar, de fato, faz perder a eficácia do caráter coercitivo.
Há opiniões de que essa suspensão poderia trazer um sentimento de impunidade, posto que a coerção não seria imediata. Assim, haveria o risco de ocorrer a mitigação do bem jurídico tutelado: a vida do alimentando. Ao contrário do posicionamento ressaltado, entende-se, a bem da verdade, que o que acarretaria essa mitigação seria a substituição da prisão civil em regime fechado pela domiciliar.
Conforme já mencionado anteriormente, qualquer medida que restrinja os direitos de locomoção nos mesmos parâmetros da recomendação da OMS poderá diminuir o impacto coercitivo da prisão, uma vez que estamos em distanciamento social devido à situação pandêmica. Inclusive, assim também entendeu a 7ª Câmara de Direito Privado do TJSP em recente julgado:
HABEAS CORPUS. Execução de alimentos. Mandado de prisão expedido. Alegação de ilegalidade da prisão decretada. Dívida incontestável. Valor arbitrado a título de alimentos que foi apontado como fator impeditivo para saldar o débito alimentar vencido e não pago. Afastamento. Admitida a existência da dívida. O habeas corpus é medida judicial que autoriza tão somente o resguardo ao direito de ir e vir, quando violado ou ameaçado por ato ilegal ou praticado com abuso de poder (CF, art. 5º, inc. LXVIII), não permitida a dilação probatória. Rito do artigo 528, § 3º, do Código de Processo Civil, em consonância com a Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça. Situação fática que demonstra inadimplemento das prestações de caráter alimentar desde o mês de janeiro de 2019. Valor arbitrado que deve ser discutida em ação revisional já proposta. Prisão. Expedição de alvará de soltura, pois, a análise ficará suspensa até vencida a pandemia e levantado o estado de calamidade pública nacional, salientando que o fundamento da suspensão seria a proteção da parte alimentanda e não mais do alimentante, como constou nos embargos de declaração [grifo nosso]. Ordem concedida em parte por outro fundamento, com observações.
No voto proferido, o eminente desembargador ressalta que a medida coercitiva seria inócua, já que toda a população está sendo obrigada a permanecer em distanciamento social.
[…] Todavia, a prisão deverá ser suspensa, com expedição de alvará de soltura, até vencida a pandemia e levantado o estado de calamidade pública nacional. Embora tenha julgados no C. STJ determinando que a prisão seja domiciliar, considerando-se a disseminação do COVID-19, aqui, no caso presente, esta punição seria inócua, já que todos somos obrigados a permanecer em isolamento social. A medida restritiva tem o efeito de punir o devedor inadimplente e a prisão domiciliar, na atual conjuntura, privilegiaria em detrimento da parte alimentanda, assim, anoto que a suspensão da prisão civil tem por fundamento a proteção dos alimentandos e não mais a proteção do alimentante, como constou nos embargos de declaração que foram opostos por este[5].
Conclusão
Por um lado, tanto o Projeto de Lei n. 1.179/20 quanto a recomendação do CNJ são no sentido de preservar a vida do devedor, uma vez que não há como praticar o distanciamento social em cárcere. Assim, buscam tutelar a dignidade do ser humano, sem excluir o direito do alimentando. Contudo, em virtude do distanciamento social a que todos estão obrigados, acaba por mitigar o caráter coercitivo da prisão civil.
Por todo o exposto, e com fundamentação no recente entendimento acertado da Terceira Turma do STJ, entende-se possível a suspensão da prisão civil, por dívida alimentar, devido à pandemia da COVID-19. Assim, o mandado de prisão do devedor de alimentos permanecerá em aberto até o fim da recomendação de distanciamento social; momento em que ele cumprirá a pena imposta, não se valendo mais da crise de saúde pública vivenciada em todo o mundo para se eximir do cumprimento em regime fechado.
No mais, caberá ao juízo de origem a avaliação acerca do término da decretação da calamidade pública que atualmente assola todo o território nacional. Por consequência, também a revogação da suspensão da prisão do devedor de alimentos, para o seu devido cumprimento em regime fechado.
[1] Estagiária do escritório Schiefler Advocacia. Graduanda da sétima fase em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) – 2015.
[2] Art. 6º. Recomendar aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus.
[3] Art. 15. Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo das exigibilidades das respectivas obrigações.
[4] Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
- 4º A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns.
- 7º O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.
[5] TJSP; Habeas Corpus Cível 2035776-32.2020.8.26.0000; Relator (a): José Rubens Queiroz Gomes; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de Mauá – 2ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 05/06/2020.
Read MoreTrata-se de uma importante e significativa evolução para a sociedade, trazendo maior celeridade e descomplicações para casais que não desejam mais continuar em matrimônio.
Provimento nº 100 do CNJ possibilita o divórcio virtual
Na última semana, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou o Provimento nº 100/2020 que trata sobre a prática de atos notariais eletrônicos e instituiu o Sistema de Atos Notariais Eletrônicos (e-Notariado) em todo o território nacional.
Dentre as diversas mudanças e inovações previstas pelo provimento, passou a vigorar a possibilidade do divórcio virtual. Os requisitos permanecem os mesmos do divórcio extrajudicial: a consensualidade entre os cônjuges, a presença de um advogado e a inexistência de filhos menores e/ou incapazes ou nascituro – exigência que poderá ser afastada caso haja prévia resolução judicial de todas as questões envolvendo os menores.
Em síntese, o que acontecia presencialmente poderá ser feito também por meio eletrônico, sem a necessidade do deslocamento das partes até o tabelionato de notas. No entanto, para que haja segurança e regularidade em todo o ato, o CNJ estabeleceu requisitos, como a realização de chamadas por videoconferência para que as pessoas sejam devidamente identificadas e possam expressamente consentir sobre os termos do divórcio e do ato notarial eletrônico. A transmissão deverá ser gravada e arquivada junto ao ato notarial.
Ainda, o ato deverá ser assinado digitalmente pelas partes e pelo tabelião – que poderá emitir gratuitamente certificado digital notarizado para os cônjuges que não o possuam. A segurança do processo será garantida por meio da criptografia de todos dos documentos.
Embora o provimento tenha sido editado em virtude da pandemia do coronavírus, trata-se, a bem da verdade, de uma importante e significativa evolução para a sociedade, trazendo maior celeridade e descomplicações para casais que não desejam mais continuar em matrimônio.
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