Os relacionamentos homoafetivos possuem os mesmos direitos previstos para relacionamentos heteroafetivos, de sorte que que inexiste motivo legal para impedir a adoção.
Maria Luisa Machado Porath[1]
No dia 25 de março, comemora-se o Dia Nacional do Orgulho Gay, data criada com o objetivo de dar voz à luta contra a homofobia. Em comemoração a essa data, a proposta de hoje é responder os seguintes questionamentos: “Posso adotar sendo homossexual? E qual é o procedimento de adoção no Brasil? Apenas casais podem adotar ou pessoas solteiras também?”.
Durante muito tempo, tanto o casal homoafetivo quanto pessoas não heterossexuais ficaram à margem da sociedade. Essa exclusão refletiu no Direito das Famílias, no sentido de que a Constituição Federal apenas considerava como entidade familiar aquelas advindas de um relacionamento entre homem e mulher. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF)[2] reconheceu, por unanimidade, a união estável entre casais do mesmo sexo como entidade familiar. Com isso, as relações homoafetivas passaram a ter reconhecidos todos os direitos previstos na lei da união estável, que considera como entidade familiar uma convivência duradoura, pública e contínua.
A partir desta decisão, que atribuiu aos relacionamentos homoafetivos os mesmos direitos previstos para relacionamentos heteroafetivos, foi sedimentado o entendimento que inexiste motivo legal para impedir a adoção por casais homoafetivos. Desde então, para fins de adoção, são aplicados os mesmos requisitos aos casais heteroafetivos e homoafetivos, os quais serão explicitados nos tópicos a seguir.
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), quais são os requisitos para quem deseja adotar?
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- Maiores de 18 (dezoito) anos de idade, independentemente do estado civil;
- Em regra, não pode ser ascendente (pai, mãe, avó, avô…) nem irmão ou irmã do adotando (criança ou adolescente a ser adotada);
- Ser, ao menos, 16 (dezesseis) anos mais velho que o adotando;
- Se um casal desejar adotar, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, devidamente comprovada;
- No caso de divorciados, judicialmente separados ou de ex-companheiros que desejam adotar em conjunto, assim podem fazê-lo, desde que se tenha iniciado o estágio de convivência com o adotando ainda na constância da sociedade conjugal (matrimônio ou união estável). Além disso, é necessário que haja acordo sobre guarda e regime de convivência (antigamente chamado de regime de visitas).
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Dos requisitos acima, é perceptível que o Estatuto da Criança e do Adolescente permite a adoção uniparental. Pelo fato de que não há vedação de que pessoas não heterossexuais possam adotar, portanto, uma pessoa homossexual solteira, por exemplo, pode solicitar a adoção.
Qual é o procedimento de adoção no Brasil?
De início, cabe informar que este artigo não tem o propósito de explicar a fundo o procedimento de adoção no Brasil, pois ele é composto por diversas características próprias e densas. Para um entendimento profundo do tema, recomenda-se uma consulta com uma advogada ou um advogado especialista em Direito das Famílias. Abaixo, segue um passo a passo sintético, com base no ECA, de como funciona a adoção no Brasil:
1) Comparecimento à Vara de Família, Infância e Juventude:
Quem deseja adotar, deve se dirigir à Vara de Família, Infância e Juventude da comarca em que reside e questionar os documentos necessários para o pedido de habilitação; geralmente, são os seguintes:
i) documentos pessoais do(s) adotante ou da(s) adotante(s);
ii) comprovante de residência;
iii) comprovante de vínculo afetivo (se adoção conjunta);
iv) comprovante de renda;
v) certidão de antecedentes criminais;
vi) atestado de sanidade física e mental; etc.
2) Requerimento de Habilitação:
Com a documentação em mãos, inicia-se a etapa de petição inicial de habilitação (ou pedido de adoção). Nesse estágio, serão analisados os documentos apresentados pelo Ministério Público. É possível que o promotor requeira documentações complementares.
Com o prosseguimento do processo, os postulantes à adoção serão avaliados por uma equipe interdisciplinar do Poder Judiciário, como psicólogos, assistentes sociais, etc. Ainda, há necessidade de que participem do programa de preparação para adoção.
Após esse período de estudo psicossocial e da participação no programa, a autoridade judiciária analisará o requerimento de habilitação. É válido destacar que o prazo máximo para a conclusão da habilitação à adoção é de 120 (cento e vinte) dias, prorrogável por igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária. Além disso, o deferimento da habilitação é válido por 3 (três anos), mas pode ser renovado pelo mesmo período. Portanto, é importante ficar atento ao prazo!
3) Ingresso no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento:
Uma vez habilitados, são cadastrados no sistema e inseridos numa espécie de lista de espera. Quando houver compatibilidade, o Poder Judiciário entra em contato. Se houver interesse, os(as) adotantes se apresentam ao adotando (ou à adotanda) e iniciam uma convivência monitorada, com passeios breves.
4) Período de Convivência:
Se positiva a etapa de conhecimento, é permitido que a criança ou o(a) adolescente passe a morar com a família. Importa mencionar que esse período tem prazo máximo de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual período. O Poder Judiciário e a sua equipe de profissionais acompanharão todo esse “período de teste”.
5) Constituição de uma nova família:
Depois do período de convivência, os pretendentes têm 15 (quinze) dias para propor a ação de adoção. A autoridade judiciária terá 120 (cento e vinte) dias para analisar o caso e proferir decisão. Na impossibilidade de que seja proferida dentro desse prazo, é permitido que se prorrogue, uma única vez, por igual período. Sendo a sentença positiva, será determinado que se confeccione uma nova certidão de nascimento, momento em que terá os mesmos direitos de um filho biológico.
Conclusão
Diante dos princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à família, o STF julgou constitucional a união estável de casais homoafetivos. Essa decisão repercutiu em diversas esferas do mundo jurídico, inclusive na adoção.
Antes da decisão do STF, era comum que pessoas não heterossexuais, ainda que estivessem num relacionamento homoafetivo, adotarem sozinhas. Isso porque, como o relacionamento não era reconhecido como uma entidade familiar, a adoção conjunta era legalmente inviabilizada, enquanto que a adoção uniparental se manteve permitida. Isso não trazia solidez para a família e o casal não podia, livremente, assumir a existência de duas mães ou dois pais.
Desse modo, a criança ou o(a) adolescente adotado (ou adotada) permanecia sem referência jurídica exata de quem eram seus pais ou suas mães e isso causava insegurança extrema no núcleo familiar. Hoje, pela proteção constitucional à família, o casal homoafetivo pode adotar sem que precise omitir a sua relação amorosa.
Quanto ao procedimento de adoção no Brasil, não há distinção entre casal homoafetivo ou não. Isso se deve ao fato de que, após incansáveis lutas, a relação homoafetiva foi reconhecida como uma entidade familiar.
[1] Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Licenciada e Bacharela em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) — 2015. Estagiária na Schiefler Advocacia. E-mail: malu.mporath@gmail.com
[2] União homoafetiva como entidade familiar. Disponível em: <https://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/destaquesNewsletter.php?sigla=newsletterPortalInternacionalJurisprudencia&idConteudo=193683>. Acesso em 17 de março de 2021.
Read MoreA discussão sobre as regras econômicas do casamento entre os noivos ainda enfrenta inúmeras barreiras e entraves para um diálogo franco. Contudo, o pacto antenupcial é o instrumento que pode disciplinas as questões patrimoniais e extrapatrimoniais dos nubentes.
Laísa Santos[1]
No Brasil, o instrumento do pacto antenupcial ainda é pouco utilizado. Quando se trata de discutir regras econômicas do casamento entre os nubentes (noivos), ainda pairam inúmeras barreiras e entraves para um diálogo franco.
O pacto antenupcial nada mais é do que um contrato solene firmado entre os nubentes antes do casamento com o objetivo de convencionar como ficarão questões atinentes ao patrimônio bem como aspectos extrapatrimoniais de cunho interpessoal ou até de responsabilidades paterno-filiais.
Por ser entendido como um contrato acessório, para a sua eficácia e validade é necessário que o casamento se concretize, que seja feito por meio de escritura pública em um Cartório de Notas e, após o casamento, seja levado ao Cartório de Registro Civil onde se concretizou o matrimônio. A Lei de Registros Públicos também exige que, caso exista bem imóvel em nome de qualquer um dos nubentes ou em nome de ambos, é necessária a averbação do pacto nos registros de imóveis de cada imóvel.
Quando e quem pode fazer o pacto antenupcial?
Qualquer casal que desejar pode fazer o pacto antenupcial.
Todavia, trata-se de um instrumento obrigatório a aqueles que optarem por um regime de bens que não for o legal (comunhão parcial de bens). Assim, aos nubentes que desejam casar sob o regime da comunhão universal de bens, separação absoluta ou participação final nos aquestos o pacto é obrigatório[2].
Salienta-se, ainda, que nada obsta que os nubentes que venham a se casar sob o regime de comunhão parcial de bens também o façam.
Recentemente vem ganhando destaque a possibilidade de elaboração de pacto antenupcial daqueles que são obrigados a casar sob o regime de separação obrigatória[3] em virtude da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal[4] e de decisão[5] proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que entendeu possível a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para a sua aquisição.
A Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo (CGJ TJSP) por meio do Recurso Administrativo nº 1065469-74.2017.8.26.0100[6], entendeu ser possível a elaboração de pacto antenupcial a aqueles em que é imposto o regime de separação obrigatória de bens para prever a incomunicabilidade absoluta dos aquestos, afastando a incidência da súmula 377, desde que mantidas todas as demais regras do regime de separação obrigatória.
Da mesma forma, em Pernambuco foi editado o Provimento 8/2016 da Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça em que se fixou que no regime de separação legal ou obrigatória de bens, deverá o oficial do registro civil cientificar os nubentes da possibilidade de afastamento da incidência da referida súmula por meio de pacto antenupcial.
O que pode ser disposto no pacto antenupcial?
Para além das disposições patrimoniais, o pacto antenupcial poderá prever questões de cunho interpessoal ou até mesmo sobre a responsabilidade paterno-filial.
Indenizações em decorrência de infidelidade passaram a ser tema da moda, sendo prevenidos em pactos antenupciais.
Cláusula polêmica e, ainda em discussão, é aquela que traz expressa exteriorização de que, em eventual falecimento de qualquer um dos cônjuges casados sob o regime de separação absoluta, o outro não o sucederá em concorrência com os descendentes, nos moldes delineados por uma decisão proferida no STJ[7]. Neste tipo de cláusula, é importante haver expressa menção de que ambos os nubentes têm pleno conhecimento da decisão e estão de pleno acordo com os seus efeitos.
Cabe ressaltar que ainda que conste no instrumento a anuência de ambos os contraentes, subordina-se a sua eficácia à interpretação do juiz, caso seja questionada posteriormente no âmbito judiciário.
Ainda, também pode-se pensar em alternativas que se adequem a cada relacionamento, como (i) cláusula expressa de reconhecimento de precedente de união estável, antes de contraírem matrimônio sob regime de bens diverso; (ii) cláusula expressa exteriorizando que todo o aumento de rendimentos – seja de capital social da empresa ou de cotas societárias – que ocorresse durante o casamento, relacionados à empresa pertencente a um dos nubentes, antes do matrimônio, não se comunicaria com o outro nubente ou; (iii) cláusula expressa discorrendo sobre a modalidade de guarda, direito de visitas e valor dos alimentos a serem prestados em caso de divórcio ou dissolução da união estável.
É importante ressaltar que é nula toda a cláusula que contravenha literal disposição de lei. Ou seja, não é permitido utilizar o pacto para burlar qualquer dispositivo legal, como a renuncia à pensão dos filhos menores.
Se o casamento não ocorrer e o casal começar a viver em uma união estável, o pacto continuará válido?
Há grande divergência doutrinária sobre o assunto. Para Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, ainda que o casamento não ocorra, as regras firmadas no pacto antenupcial serão eficazes, pois o negócio realizado será considerado um contrato de convivência[8]. Diferentemente, Maria Berenice Dias defende que o acordo firmado no pacto antenupcial não prevalecerá caso os nubentes resolvam conviver em união estável ao invés de se casarem ou mesmo que, posteriormente, venham a fazer a conversão desta união estável em casamento[9].
Quanto custa para fazer um pacto antenupcial?
O pacto antenupcial é feito por meio de uma escritura publica em Cartório de Notas e deverá ser levado ao Cartório de Registro Civil onde será realizado o casamento. Os nubentes devem levar consigo os documentos pessoais (RG e CPF).
O preço para a elaboração do pacto é tabelado por lei em todos os cartórios dos estados. Em 2020 em São Paulo, por exemplo, o valor é de R$ 442,17 enquanto em Santa Catarina, o valor é de R$ 37,00.
Preciso de um advogado para pacto antenupcial?
Não é necessário. O pacto poderá ser feito diretamente no Cartório utilizando um dos modelos prontos existentes. Porém, é altamente recomendado que um advogado especialista auxilie na confecção e na orientação das partes, dada a importância do conteúdo, o contexto do casal e os interesses diretos e indiretos.
[1] Advogada. Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
[2] Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os c6onjuges, o regime da comunhão parcial. Parágrafo único: Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.
[3] SIMÃO, José Fernando. Artigo – Separação obrigatória com pacto antenupcial? Sim, é possível. Disponível em https://www.anoreg.org.br/site/2018/02/16/artigo-separacao-obrigatoria-com-pacto-antenupcial-sim-e-possivel-por-jose-fernando-simao/
[4] STF. Súmula 377. No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.
[5] STJ. Embargos de Divergência em REsp nº 1.623.858/MG, Segunda Seção, Relator Ministro Lázaro Guimarães, Julgado em 23/05/2018.
[6] Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso administrativo, para que se dê seguimento à habilitação para casamento, com adoção do regime de separação obrigatória de bens, prevalecendo o pacto antenupcial que estipula a incomunicabilidade absoluta de aquestos. Publique-se. São Paulo, 06 de dezembro de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça
[7] STJ, REsp n. 992.749/MS, Quarta Turma, Relatora Ministra Nancy Andrihi.
[8] FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias. Vol. 6. 7. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015.
[9] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 330.
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A mobilidade das famílias e de seus patrimônios envolve questões tanto de direito sucessório quanto de direito internacional privado, trazendo um grande desafio para as sucessões hereditárias.
Laísa Santos[1]
Não são raras as situações em que a sucessão hereditária esbarra em aspectos internacionais, seja pela nacionalidade ou domicílio do autor da herança e dos seus sucessores ou pela existência de bens situados no exterior.
De plano, há duas questões não somente de direito sucessório, mas também de internacional privado a serem esclarecidas: qual será a lei aplicada à sucessão e a jurisdição sobre os bens que serão objeto dessa sucessão.
A mobilidade das famílias e dos seus patrimônios trouxe um grande desafio para as sucessões hereditárias, principalmente em razão do conflito de legislação com os outros países e da forma de tributação. Esses aspectos serão brevemente abordados em tópicos no presente artigo.
- Na hipótese de bens situados apenas no Brasil, onde será processado o inventário?
O Código de Processo Civil confere à autoridade judiciária brasileira, com a exclusão de qualquer outra, em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação do testamento particular e o processamento de inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional[2]. Assim, havendo bens de qualquer natureza situados no Brasil, o inventário deve aqui ser processado[3].
- Havendo bens situados no Brasil e no exterior, onde será aberto o inventário?
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) estabelece que a sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que o falecido ou o desaparecido era domiciliado[4] – regra esta que não é absoluta, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça[5].
Na hipótese de o falecido ser domiciliado no Brasil e deixar bens situados no Brasil e no exterior, haverá o processamento de dois ou mais inventários. Ou seja, um no Brasil e os demais nos respectivos países onde há bens móveis ou imóveis.
Em contrapartida, quando o falecido não for residente no Brasil, mas possuir bens no país, o inventário dos bens situados no Brasil será processado aqui, com a ressalva de que será aplicado o direito estrangeiro.
- Qual será a lei aplicada ao inventário?
Superada a questão da competência onde tramitará o processo, resta saber qual será a legislação aplicada. Evidentemente que, quando a pessoa falecida é brasileira e há apenas bens situados em território nacional, a lei aplicada será a do Brasil.
Contudo, caso o autor da herança seja estrangeiro, mas tenha deixado bens no Brasil, o inventário será aqui processado, porém, a legislação aplicada será a de domicílio do falecido.
Como regra geral, ainda que haja a abertura do inventário no exterior, o juízo da sucessão não poderá incluir na partilha bens situados no Brasil. Se assim o fizer, a partilha não produzirá efeitos aqui – salvo se a aplicação da legislação estrangeira resultar em partilha semelhante ao que ocorreria com a aplicação da legislação brasileira ou se resultar de acordo entre as partes[6]. Tal conduta é compreendida como uma consagração da jurisdição exclusiva, levando em consideração a pluralidade de juízos sucessórios, já que o juiz brasileiro também não poderá incluir na sucessão bens do espólio que estejam situados no exterior[7].
Em síntese:
Caso | Legislação | Competência |
Autor da herança domiciliado no Brasil com bens apenas aqui | Legislação brasileira | Tramitação do inventário no Brasil |
Autor da herança domiciliado no Brasil com bens aqui e no exterior | Legislação brasileira aos bens situados aqui | Tramitação do inventário no Brasil dos bens deixados aqui e no exterior dos demais bens |
Autor da herança domiciliado no exterior com bens situados no Brasil | Legislação estrangeira, salvo exceção | Tramitação do inventário no Brasil |
Autor da herança domiciliado no exterior com bens situados no Brasil e no exterior | Legislação estrangeira, salvo exceção | Tramitação do inventário no Brasil apenas dos bens deixados aqui |
- Como eu vou computar os bens situados no exterior para fins de legítima?
A pluralidade de competências sucessórias gera grande complicação na tramitação do processo e na divisão dos bens. Primeiro pois, a rigor, o que está fora do Brasil não se contabiliza para fins de legítima.
Ainda, há grande dificuldade caso o patrimônio deixado pelo autor da herança no exterior seja de bens imóveis. Em regra, será necessária a contratação de um profissional capacitado no local para fazer a avaliação do bem e estimativa do valor.
Para tentar dirimir essas questões, o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) e alguns tribunais do País, percebendo que o patrimônio está disperso em outros lugares do mundo e que houve privilégio de certos herdeiros em detrimento de outros, violando os preceitos da legislação brasileira sucessória, concedem uma compensação, considerando os bens existentes no exterior – ainda que inviável tecnicamente.
Nessa direção, aos interessados também devem ser garantidas medidas de salvaguarda de seus direitos, por exemplo: determinação para exibição de documentos ou afins sobre bens situados no exterior da pessoa falecida e expedição de ofício para conhecer saldos bancários de contas no exterior[8].
- É possível a aplicação da lei brasileira quando mais benéfica ao herdeiro e ao cônjuge?
O Direito brasileiro consagra, na Constituição Federal e na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB), o princípio da proteção à família brasileira, garantindo, assim, a aplicação da lei brasileira à sucessão dos bens situados no Brasil quando for mais benéfica do que a lei estrangeira[9].
Isso se justifica no sentido de proteger o cônjuge e os filhos brasileiros de eventuais discriminações existentes na lei estrangeira que viesse a reger a sucessão em virtude da nacionalidade o último domicílio do de cujus. Necessário ressaltar que a aplicação da lei brasileira é subsidiária, isto é, somente quando se mostrar mais favorável à lei estrangeira da sucessão.
A apuração de que a lei brasileira é mais favorável pode ser vista nos seguintes casos: (i) quando pela lei do domicílio do falecido não existe sucessão legítima, ou seja, não há uma obrigatoriedade de resguardar porcentagem dos bens para os herdeiros necessários; (ii) quando existe uma maior liberdade de testar, comprometendo, assim, a legítima; (iii) quando o cônjuge ou companheiro não é considerado herdeiro, mas seria no Brasil e; (iv) na hipótese da lei estrangeira favorecer determinados herdeiros em detrimento de outros.
- Qual é a validade dos testamentos realizados no Brasil ou no exterior?
Como anteriormente tratado em artigo que explicita as formas mais comuns de testamento, trata-se de um instrumento de manifestação de última vontade que deve atentar, rigorosamente, aos requisitos de forma do lugar em que ele for lavrado e à legislação do país de domicílio.
Desde que observado o primeiro requisito, o testamento poderá ter validade em outros países, mesmo que lavrado apenas no Brasil. Todavia, é importante ressaltar que se houver nas disposições testamentárias alguma violação de norma de ordem pública, o Brasil não determinará o cumprimento do testamento.
Diferentemente, para ter validade no Brasil o testamento feito no exterior, o testador deverá observar os requisitos de legislação previstos na Lei de Registros Públicos e nos tratados vigentes. Assim, um testamento lavrado no exterior terá de ser apostilado e acompanhado de tradução juramentada feita no território nacional. Por exemplo, um testamento feito em Portugal dispensa a tradução, mas não o apostilamento; na França, dispensa o apostilamento, mas não a tradução juramentada.
- Como são recolhidos os tributos de bens situados no exterior?
Tema extremamente sensível é o recolhimento do imposto de transmissão sobre os bens (ITCMD) situados no exterior. A Constituição da República determina que esses bens estão sujeitos à tributação. Porém, para que isso ocorra, seria necessária a criação de uma lei complementar de competência da união – que nunca foi editada.
Em razão dessa omissão, alguns estados editaram e estabeleceram nas suas próprias leis estaduais a determinação do pagamento do imposto de transmissão sobre bens situados no exterior. Alguns estados, inclusive, já decidiram em seus órgãos especiais sobre a constitucionalidade ou não desta norma. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, entende-se pela constitucionalidade da lei estadual; já no estado de São Paulo, embora haja uma decisão entendendo pela inconstitucionalidade da lei paulista, a Secretaria da Fazenda segue cobrando o imposto.
Para dirimir essa questão, o Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de repercussão geral (Tema 825), decidirá se leis estaduais podem estabelecer as normas gerais pertinentes à competência para instituir o ITCMD de bens situados no exterior ou na hipótese em que o doador tiver domicílio no exterior.
- Conclusão
Como abordado, o tema sobre sucessões de bens situados no exterior é bastante complexo e carece, ainda, de regulamentação quanto à incidência (ou não) de imposto de transmissão causa mortis na hipótese em que o bem for situado fora do Brasil.
Acima de tudo, é importante o acompanhamento do inventário por profissionais capacitados e especialistas na área, para que não haja violação da legítima tampouco preterição de algum dos herdeiros à sua quota-parte.
[1] Advogada. Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
[2] ROSA, Conrado Paulino da. Inventário e Partilha. Salvador: Editora JusPoivm, 2019, p. 355.
[3] CPC. Art. 23. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: II – em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação do testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da heranca seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional.
[4] LINDB. Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
[5] STJ, REsp n. 1362400/SP, Terceira Turma, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Julgado em 05/06/2020.
[6] Homologação de Sentença Estrangeira. Partilha De Bens Imóveis Situados No Brasil. Sentença Homologanda. Ratificação De Vontade Última Registrada Em Testamento. Citação Comprovada. Concordância Expressa Dos Requeridos. Ausência De Impugnação Posterior. Caráter Definitivo Do Julgado. Art. 89 Do Código De Processo Civil E Art. 12 Da Lei De Introdução Ao Código Civil. Ofensa. Inexistência. Precedentes. Pedido De Homologação Deferido. I – O requisito da citação válida ou revelia decretada restou devidamente cumprido, pois os então requeridos foram comprovadamente cientificados da ação, não promovendo impugnação, ou, sequer, comparecendo ao juízo. O próprio decisum foi intitulado ‘Sentença Declaratória à Revelia’. II – O feito caracterizou-se pela a inexistência de litígio, comprovada, primeiramente, pelo não comparecimento dos ora requeridos ao processo e não impugnação do pleito, bem como pela anuência expressa ao conteúdo do decisum e consequente não interposição de recurso face à sentença que aqui se pretende homologar. III – A anuência dos ora requeridos em relação ao decidido pela sentença homologanda, além da não interposição de recurso, confere natureza jurídica equivalente à do trânsito em julgado, para os fins perseguidos no presente feito. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já decidiu no sentido de que compete exclusivamente à Justiça brasileira decidir sobre a partilha de bens imóveis situados no Brasil. V – Tanto a Corte Suprema quanto este Superior Tribunal de Justiça já se manifestaram pela ausência de ofensa à soberania nacional e à ordem pública na sentença estrangeira que dispõe acerca de bem localizado no território brasileiro, sobre o qual tenha havido acordo entre as partes, e que tão somente ratifica o que restou pactuado. Precedentes. VI – Na hipótese dos autos, não há que se falar em ofensa ao art. 89 do Código de Processo Civil, tampouco ao art. 12, § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, posto que os bens situados no Brasil tiveram a sua transmissão ao primeiro requerente prevista no testamento deixado por Thomas B. Honsen e confirmada pela sentença homologanda, a qual tão somente ratificou a vontade última do testador, bem como a dos ora requeridos, o que ficou claramente evidenciado em razão da não impugnação ao decisum alienígena. VII – Pedido de homologação deferido”. (STJ – SEC: 1304 US 2005/0153253-6, Corte Especial, Relator Ministro Gilson Dipp, Julgado em 19/12/2007).
SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. DIVÓRCIO. PARTILHA DE BENS. IMÓVEL SITUADO NO BRASIL. ACORDO ENTRE OS EX-CÔNJUGES HOMOLOGADO NO EXTERIOR. REQUISITOS PARA HOMOLOGAÇÃO DA SENTENÇA ESTRANGEIRA. PREENCHIMENTO. 1. É devida a homologação da sentença estrangeira de divórcio, porquanto foram atendidos os requisitos previstos no art. 15 da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro e nos arts. 216-A a 216-N do RISTJ, bem como constatada a ausência de ofensa à soberania nacional, à ordem pública e à dignidade da pessoa humana (LINDB, art. 17; RISTJ, art. 216-F). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não obstante o disposto no art. 89, I, do CPC e no art. 12, § 1º, da LINDB, autoriza a homologação de sentença estrangeira que, decretando o divórcio, convalida acordo celebrado pelos ex-cônjuges quanto à partilha de bens imóveis situados no Brasil, que não viole as regras de direito interno brasileiro. 3. Defere-se o pedido de homologação da sentença estrangeira. (STJ – SEC: 8106 EX 2014/0031201-4, Corte Especial, Relator: Ministro Raul Araújo, Data de Julgamento: 03/06/2015)
[7] TEIXEIRA, Daniela Chaves (Coord.). Arquitetura do planejamento sucessório. 2. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 119.
[8] Apelação cível. Ação de exibição de documentos. Requerente que teve reconhecida judicialmente sua união estável com o de cujus, cujo espólio é integrado, dentre outros bens, por investimentos em sociedade sediada na Holanda, denominada Genesis Engineering C. V. Alegação da autora de que o réu, filho do autor da herança, vem ocultando informações e documentos sobre a empresa Genesis, impossibilitando a realização da sobrepartilha. Sentença que rejeitou as preliminares de afastamento da jurisdição brasileira e de ilegitimidade ativa ad causam. No mérito, julgou procedente o pedido para determinar a exibição dos documentos apontados pela autora, no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária no valor de r$ 500,00. Irresignação do réu insistindo no afastamento da jurisdição brasileira. Rejeição. Incidência do art. 21, i, do CPC/15. Réu domiciliado no brasil. Preliminar de cerceamento de defesa que se afasta. Prova coligida aos autos que se revela suficiente ao deslinde da questão, não se exigindo a produção de outras provas além das já apresentadas pelas partes. Mérito. Apelante detentor da integralidade dos ativos da sociedade holandesa Genesis. Posição que o obriga a apresentar a documentação solicitada. Art. 399, I, CPC. Desprovimento do recurso”. (TJRJ, Apelação Cível nº 0432411-67.2016.8.19.0001, Segunda Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Luiz roldão de Freitas Gomes Filho, julgado em 18.04.2018).
[9] Ibidem.
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As relações afetivas possuem, cada qual, as suas particularidades. Assim, deverá ser feita uma análise individual de cada uma delas para se dar a solução jurídica mais adequada aos objetivos e vontades de cada casal.
Laísa Santos[1]
Não são somente as relações profissionais ou comerciais que se tornam cada dia mais complexas e dinâmicas. As relações sociais e afetivas estão em constante metamorfose, sendo imprescindível que o direito acompanhe os novos contornos familiares.
Com a finalidade de se adequar à nova realidade e as necessidades da população brasileira, a união estável foi reconhecida como entidade familiar pela Constituição Federal de 1988, recebendo regulamentação e proteção que antes era conferida apenas ao casamento[2]. Desde então, a equiparação da união estável ao casamento tem sido cada vez mais crescente, principalmente após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 que pôs fim a diferenciação de tratamento sucessórios entre os companheiros e cônjuges[3].
Diferentemente do casamento, em que existe um procedimento rígido e formal, a união estável é norteada, quase sempre, pela informalidade. Nascida a partir da convivência, é considerada como uma união de fato em que o casal convive em posse do estado de casado ou com a aparência de casamento. Pela sua natureza informal, por vezes, pode ser confundida com o namoro.
1. Assim, quais são os requisitos da união estável?
Por ser caracterizada como uma união de fato, possui requisitos objetivos e subjetivos. Os elementos objetivos são aqueles visíveis, que se demonstram de forma inequívoca aos olhos de todos. Pode-se aqui constatar a convivência pública, notória do relacionamento afetivo dos companheiros, a convivência contínua e duradoura – independentemente de tempo mínimo – tampouco exige que os companheiros residam no mesmo lugar.
Ao lado destes elementos, estão os subjetivos, internos, inerentes a vontade das partes. Para a configuração da união estável é necessário que haja a intenção de constituir família, ou seja, que se tenha a convicção de que se está criando uma entidade familiar e assumindo um verdadeiro compromisso, com direitos e deveres pessoais e patrimoniais semelhantes aos que decorrem do casamento.
2. Quando o namoro pode se tornar união estável?
Em tempos de relacionamentos dinâmicos, as formas do seu início também se multiplicam e se diferenciam. As redes sociais tornaram-se, inegavelmente, um instrumento de formação (e, em muitos casos, deformação) das relações afetivas[4].
Na realidade das varas de família, o desafio recorrente nas ações de reconhecimento e dissolução de união estável é a prova da sua existência e do marco inicial da sua existência. Embora a codificação civil possibilite a realização de escritura de união estável regulamentando os efeitos da convivência, fato é que parcela ínfima da população documenta a relação.
Diante das pequenas nuances existentes, nem sempre é fácil distinguir a união estável do namoro, que também se apresenta de maneira informal perante a sociedade, trazendo, em não raros casos, insegurança e temor nas relações afetivas[5]. Numa feição moderna, o namoro implica, em muitos casos, em uma mesma convivência íntima. Os namorados coabitam, frequentam as respectivas casas, estão juntos em eventos sociais e familiares, demonstrando a existência de um relacionamento amoroso. Os elementos objetivos podem se assemelhar – e muito – a uma união estável.
Todavia, para a transformação do namoro em união estável é necessário um elemento imprescindível: a intenção de ambos em constituir uma entidade familiar.
Na hipótese de existir discussão judicial acerca da sua existência e, na ausência de contrato ou declaração escrita, o juízo utilizará das provas produzidas no processo para verificar se, de fato, existia a união estável e quando houve o seu termo inicial ou se se tratava apenas de um namoro.
3. O contrato de namoro pode prevenir este tipo de discussão?
A figura do contrato de namoro surgiu com o intuito de afastar a caracterização da união estável, evitando, assim, uma possível disputa patrimonial, já que o namoro se trata unicamente de uma relação afetiva, e não jurídica.
O contrato de namoro nada mais é do que uma declaração de vontade das partes envolvidas emocionalmente e que, por ora, não desejam constituir uma família. Orienta-se que tal documento seja registrado em cartórios públicos ou particulares, mediante o reconhecimento de firma.
Embora sua validade jurídica ainda esteja à mercê de interpretações em virtude da ausência de legislação, uma parcela do judiciário já confere validade ao documento.
De toda sorte, ainda que inexista regulamentação e haja decisões contraditórias, o contrato de namoro não é de todo inútil em sua missão, uma vez que exterioriza o pensamento do casal sobre a sua relação afetiva, servindo, ao menos, de indício da ausência do denominado intuitu familiae, ou seja, da vontade de constituir familiar – pressuposto este, como visto, basilar para o reconhecimento da união estável.
Nada impede, inclusive, que os integrantes do relacionamento estabeleçam, quando da realização do contrato, que no momento em que desejarem assumir uma relação com o status de entidade familiar, farão um novo instrumento.
A bem da verdade, a análise da realidade fática e da dinâmica da relação é que vai definir, na maioria dos casos, se está diante de uma união estável ou de um namoro. Ressalta-se que não se pode depositar todas as expectativas neste instrumento acreditando que será suficiente para afastar o reconhecimento da união estável vivida, tampouco que trará com certeza a segurança jurídica pretendida.
Como se sabe, as relações afetivas possuem, cada qual, as suas particularidades. Assim, deverá ser feita uma análise individual de cada uma delas para se dar a solução jurídica mais adequada aos objetivos e vontades de cada casal.
[1] Advogada. Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
[2] É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família
[3]http://www.juscatarina.com.br/2017/10/19/laisa-santos-uniao-estavel-e-inconstitucionalidade-do artigo-1790-do-codigo-civil/
[4] ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família Contemporâneo. 6. ed. rev., amp. e. atual. Salvador: JUSPODIVM, 2020, p. 132.
[5] Maria Berenice Dias aduz que: “Não é fácil distinguir união estável e namoro, que se estabelece pelo nível de comprometimento do casal, sendo enorme o desafio dos operadores do direito para estabelecer sua caracterização” (in Manual de Direito das Famílias, 10ª ed. RT/SP, 2015, pág. 261)
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Atualmente, o desejo unilateral de permanecer vinculado a um relacionamento conjugal não serve mais como norte para a manutenção da relação.
Laísa Santos[1]
Na última semana, ganhou destaque nas redes sociais uma decisão proferida pelo juízo da 4ª vara de família e sucessões de São Paulo que deferiu a tutela provisória de evidência para decretar o divórcio de um casal antes mesmo da citação da ex-esposa.
Na decisão, o juiz responsável considerou que o divórcio é um direito potestativo incondicionado, citando a Emenda Constitucional 66/2010 que autoriza o divórcio independentemente de qualquer condição, bastando tão somente a manifestação de vontade de um dos cônjuges.
No Código Civil de 1916 e nas constituições passadas, o casamento sempre foi caracterizado como indissolúvel, devendo ser preservado a qualquer custo – ainda que a felicidade dos integrantes da família fosse prejudicada. Visando modificar essa situação, em junho de 1977 foi aprovada a Emenda Constitucional nº 9 (CF de 1967), permitindo o divórcio após cinco anos de separação prévia.
Com a evolução da sociedade e das relações familiares e conjugais, a Constituição Federal de 1988, no § 6º do seu artigo 226, reduziu os prazos e formalidades, permitindo o divórcio após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei ou na hipótese de comprovação da separação de fato por mais de dois anos[2].
Somente em 2010, com a Emenda Constitucional 66/2010, houve a alteração do § 6º do artigo 226, suprimindo a necessidade de prévia separação judicial ou de fato para fins de divórcio e acabando com a discussão acerca da culpa sobre o fim do relacionamento. A Emenda foi uma proposição do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) apresentada em 2007 pelo então deputado federal Sérgio Barradas Carneiro (BA).
Seguindo essa linha, em 2015, na vanguarda, o IBDFAM aprovou o Enunciado 18 no X Congresso Brasileiro de Direito Família, que previa que nas ações de divórcio e de dissolução de união estável a regra será o julgamento parcial de mérito para que seja decretado o fim da conjugalidade, seguindo a demanda com a discussão de outros temas.
Já em maio do ano passado, o Estado de Pernambuco regulamentou o divórcio unilateral pelo Provimento nº 06/2019. No provimento, a Corregedoria-Geral de Justiça de Pernambuco possibilitou o “divórcio impositivo” que se caracterizava como um ato de autonomia de vontade de um dos cônjuges, não exigindo a prévia concordância do ex-cônjuge.
O Estado foi o primeiro a adotar a medida, não demorando muito para que o Estado do Maranhão também fizesse a regulamentação através do Provimento nº 25/19. Contudo, a Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) ingressou no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com pedido de providências contra a regulamentação do divórcio unilateral.
Logo após, o Conselho Nacional de Justiça, através do Corregedor Nacional, Ministro Humberto Martins, expediu a Recomendação nº 36/2019, que orientava os tribunais a se absterem de editar atos que permitissem o divórcio unilateral, sob o argumento de que o ordenamento jurídico brasileiro não permite que o divórcio seja realizado extrajudicialmente quando não há consenso entre o casal. Na oportunidade, também solicitou que aqueles tribunais que já tinham editado atos normativos providenciassem a sua imediata revogação.
Ainda que inexista, até o momento, regulamentação sobre o assunto, aos poucos o Poder Judiciário vem se manifestando no sentido de facilitar o divórcio, destravando barreiras antes impostas ao cônjuge que não tenha mais interesse em continuar o matrimônio.
Em janeiro deste ano, a juíza Karen Francis Schubert, titular da 3ª vara da família da comarca de Joinville (SC) decretou, liminarmente, o divórcio de um casal antes da citação do marido. Em entrevista concedida ao IBDFAM, a magistrada reiterou que o divórcio passou a ser caracterizado como um direito potestativo incondicionado, fundamentado na Constituição. Ainda, fundamentou que para a sua decretação não se exige a apresentação de qualquer prova ou condição, sendo desnecessária a formação do contraditório.
Em maio, o Juiz Substituto da 1ª Vara da Família de Águas Claras/DF também proferiu decisão semelhante. Na ocasião, uma mulher conseguiu o divórcio antes mesmo da citação do ex-cônjuge no processo. O juiz não somente atendeu o pedido de urgência por meio de uma decisão liminar, como também ordenou a expedição de mandado para a devida averbação em cartório.
Evidentemente que, nos dias atuais, o desejo unilateral de permanecer vinculado a um relacionamento conjugal não serve mais como norte para a manutenção da relação. Para tanto, tramita no Senado o Projeto de Lei nº 3457/2019, que acrescenta o artigo 733-A ao Código de Processo Civil, permitindo que um dos cônjuges requeira a averbação do divórcio no cartório de registro civil, ainda que o outro cônjuge não concorde com o fim do relacionamento.
Tendo em vista que ainda há divergência entre a orientação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a interpretação da legislação vigente adotada por alguns magistrados, o Projeto de Lei será bem-vindo, trazendo maior segurança jurídica e eliminando os entraves burocráticos. Indubitavelmente se trata, também, de uma significativa evolução para o Direito de Família e, principalmente, para as relações afetivas e familiares como um todo.
[1] Advogada. Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
[2] ROSA, Conrado Paulo da. Curso de Direito de família contemporâneo. 6. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2020, p. 288.
Read MoreTrata-se de uma importante e significativa evolução para a sociedade, trazendo maior celeridade e descomplicações para casais que não desejam mais continuar em matrimônio.
Provimento nº 100 do CNJ possibilita o divórcio virtual
Na última semana, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou o Provimento nº 100/2020 que trata sobre a prática de atos notariais eletrônicos e instituiu o Sistema de Atos Notariais Eletrônicos (e-Notariado) em todo o território nacional.
Dentre as diversas mudanças e inovações previstas pelo provimento, passou a vigorar a possibilidade do divórcio virtual. Os requisitos permanecem os mesmos do divórcio extrajudicial: a consensualidade entre os cônjuges, a presença de um advogado e a inexistência de filhos menores e/ou incapazes ou nascituro – exigência que poderá ser afastada caso haja prévia resolução judicial de todas as questões envolvendo os menores.
Em síntese, o que acontecia presencialmente poderá ser feito também por meio eletrônico, sem a necessidade do deslocamento das partes até o tabelionato de notas. No entanto, para que haja segurança e regularidade em todo o ato, o CNJ estabeleceu requisitos, como a realização de chamadas por videoconferência para que as pessoas sejam devidamente identificadas e possam expressamente consentir sobre os termos do divórcio e do ato notarial eletrônico. A transmissão deverá ser gravada e arquivada junto ao ato notarial.
Ainda, o ato deverá ser assinado digitalmente pelas partes e pelo tabelião – que poderá emitir gratuitamente certificado digital notarizado para os cônjuges que não o possuam. A segurança do processo será garantida por meio da criptografia de todos dos documentos.
Embora o provimento tenha sido editado em virtude da pandemia do coronavírus, trata-se, a bem da verdade, de uma importante e significativa evolução para a sociedade, trazendo maior celeridade e descomplicações para casais que não desejam mais continuar em matrimônio.
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