
Abandono afetivo: entenda o que diz a lei
O que é abandono afetivo?
Na atualidade, as relações familiares passaram a ser conceituadas em torno da afetividade. Sendo assim, a atuação dos pais dentro da formação e do desenvolvimento psicossocial, físico e moral deve unir o processo educativo através do estreitamento dos laços afetivos.
Nesse sentido, o abandono afetivo consiste na omissão paterna/materna ao dever legal de guarda, educação e sustento, bem como a negligência a assistência emocional e afetiva aos filhos. Além disso, o abandono afetivo pode ser praticado em um contexto inverso, na situação em que os filhos possuem atitudes negligentes para com os pais idosos, ausentando-se das responsabilidades de cuidado, tal como previsto no art. 229 da Constituição Federal[1]Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade., nomeado de abandono afetivo inverso.
O que a lei diz sobre o abandono afetivo
Em princípio, é necessário destacar que não existe legislação específica acerca do abandono afetivo, entretanto, é possível observar a existência de novos projetos de lei que discutem sobre o abandono afetivo, dentre outras disposições legais dentro do Código Civil de 2002, da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente diante da temática.
Por meio da Lei nº 8.069/90, a qual instituiu o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), estabelece em seu art. 4º como dever da família assegurar a efetivação dos direitos referentes aos elementos intrínsecos a vida e a dignidade humana da criança e do adolescente.[2]Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à … Continue reading
Além disso, explícita nos artigos 7º e 19º, como direito fundamental da criança e do adolescente o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência, assegurando a criação e educação destes no âmbito familiar.
A Constituição Federal de 1988 também aborda sobre o tema, quando reafirma o dever que:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
No mesmo sentido, o art. 1634 do Código Civil de 2002 estabelece quais são os deveres dos pais em relação aos filhos, bem como o exercício do poder familiar.
Consequências do abandono afetivo
A presença dos pais durante a infanto juventude é comprovadamente essencial para o desenvolvimento saudável, produzindo consequências que se estendem a vida adulta. A falta de afetividade na infância produz danos irreparáveis, comprometendo sua concepção neurológica e, consequentemente, influenciando nas condutas praticadas.
Dentre as inúmeras consequências provocadas pelo abandono afetivo, podem ser destacadas:
(i) A falta de referência maternal e/ou paternal;
(ii) O sentimento de rejeição, acarretado através da omissão ou negligência parental;
(iii) Uma menor associação das condutas praticadas aos valores e princípios durante a formação ética e intelectual do infante.
Quais medidas legais podem ser tomadas?
No Código Civil, o art. 1638 prevê que o aquele que deixar o filho em situação de abandono afetivo perderá, por ato judicial, o poder familiar. Dessa forma, aqueles que descumprirem com os seus deveres inerentes à criação dos filhos, estarão sujeitos a perder o poder familiar, ou seja, serão retiradas as prerrogativas de autoridade relacionadas aos filhos.
Além disso, através do entendimento do IBDFAM e da jurisprudência recente, admite-se que os filhos sejam compensados por danos morais psicológicos causados pelas condutas negligentes praticadas pelos genitores. Após identificado o abandono afetivo e evidenciada a negligência dos pais em relação aos filhos, a ação deverá ser proposta a fim de obter a condenação e a consequente compensação.
Em fevereiro de 2022, a 3ª Turma do STJ determinou a indenização por danos morais de R$ 30 mil, de um pai à sua filha, em razão do abandono afetivo e as declaradas consequências físicas e psicológicas vivenciadas. A ministra Nancy Andrighi considera que os traumas e prejuízos emocionais decorrentes da parentalidade exercida de modo irresponsável podem ser quantificados e qualificados como qualquer outra espécie de reparação moral indenizável.
Por fim, o Judiciário tem reconhecido a possibilidade da supressão do sobrenome paterno/materno em casos de abandono afetivo. O Recurso Especial julgado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (RESP 1.304.718-SP1) deu provimento à retirada do sobrenome paterno, em razão do abandono afetivo e material. Nesse sentido, o Ministro relator argumenta que o nome é um elemento individualizador da personalidade e, portanto, promove a dignidade da pessoa humana.
Em conclusão
Assim, é possível destacar que o abandono afetivo caracteriza-se não somente pela omissão nos deveres de cuidado, mas também pela negligência emocional e afetiva. Tal prática não deve ser confundida com a alienação parental, outro fenômeno familiar recorrente.
Por fim, em razão das consequências irreparáveis do abandono afetivo, existem duas medidas legalmente possíveis a serem adotadas: a supressão do sobrenome do genitor responsável pelo abandono e ação judicial indenizatória contra o genitor. Em ambos os casos, é recomendável o auxílio de um especialista em Direito de Família.
Referências[+]
↑1 | Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. |
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↑2 | Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. |
Sogro e sogra são chamados de parentes por afinidade pois, quando quando você contrai matrimônio ou constitui união estável, você e seus sogros - assim como seus cunhados - formam um vínculo familiar.
Maria Luisa Machado Porath[1]
No dia 10 de março, comemora-se o Dia do Sogro. A data foi criada no intuito de homenagear a figura do sogro e desmistificar a sua tradicional ideia de rigidez. Aproveitamo-nos dessa data comemorativa para respondermos ao seguinte questionamento: se eu me divorciar, o vínculo com os meus sogros permanece? É válido esclarecermos esse assunto, porque você já deve ter escutado a famosa frase “sogros são para a vida inteira”.
Para melhor elucidação sobre o tema, faz-se necessária a análise do quadro esquemático da relação parental:

Quadro Esquemático da Relação de Parentesco
Parentesco de Sogro e Sogra
Sogro e sogra são chamados de parentes por afinidade[2]. Isso se deve ao fato de que, quando você contrai matrimônio ou constitui união estável, você e seus sogros – assim como seus cunhados – formam um vínculo familiar e se tornam, legalmente, parentes afins. Ou seja, esta relação deriva exclusivamente de disposição legal, sem relação de sangue. De forma resumida, “[…] somos parentes dos parentes da nossa esposa (do nosso marido) ou da nossa companheira (do nosso companheiro)”[3].
Para fins de curiosidade, no idioma inglês, sogro e sogra são chamados respectivamente de father-in-law e mother-in-law; o que faz muito sentido, porque traduzidos literalmente, significam “pai de acordo a lei” e “mãe de acordo com a lei”[4]. Dessa maneira, fica mais simples entender como funciona o parentesco referente ao sogro e à sogra.
O Código Civil[5] afirma que os ascendentes e os descendentes são parentes em linha reta. São chamados assim, porque a parentalidade é direta; isto é, uma linha reta que existe diretamente entre pai e filho, por exemplo. A norma[6] também declara que o parentesco por afinidade em linha reta não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. Agora, com todas as informações expostas, é possível enquadrar o sogro e a sogra, foco deste artigo, na seguinte relação de parentesco:
- O(a) cônjuge ou companheiro (ou companheira) possui vínculo de afinidade com o parente do outro (ou da outra);
- O parentesco por afinidade se refere apenas aos ascendentes (por exemplo, seu sogro e sua sogra), aos descendentes (seu enteado ou sua enteada) e aos irmãos do cônjuge (seu cunhado ou sua cunhada);
- O parentesco por afinidade em linha reta não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável;
- Pelo quadro esquemático do item anterior, nota-se que o sogro e a sogra são parentes por afinidade em linha reta (linha vertical);
- Logo, havendo dissolução do casamento ou da união estável, o sogro e a sogra permanecem como seus parentes.
- O mesmo ocorre em situações de falecimento do seu (ou da sua) cônjuge.
Implicação Jurídica sobre a inexistência do termo “ex-sogro” e “ex-sogra”
Primeiro, é válido destacar que, apesar de haver parentalidade entre os afins, não existe obrigação legal dos parentes por afinidade prestarem alimentos tampouco pleitearem direitos hereditários. Ressalta-se, ainda, que os parentes por afinidades não podem servir como testemunhas, apenas como informantes (que não têm a obrigação legal de dizerem a verdade)[7]. Além disso, há vedação explícita de matrimônio ou de reconhecimento de união estável entre[8]:
- sogro (ou sogra) e nora (ou genro);
- enteado (ou enteada) e madrasta (ou padrasto); e
- todas as outras formas que englobam a parentalidade consanguínea ou civil em linha reta.
Isso se justifica pelo fato de que, ainda que você se divorcie ou dissolva a união estável, o seu vínculo de parentesco com o seu sogro e a sua sogra permanece.
Para melhor assimilação, vamos a um caso prático:
Maria era casada com João. O pai de João e sogro de Maria, Lucas, com o passar do tempo, apaixonou-se por Maria (e vice-versa). Assim, Maria se divorciou de João para ficar com o seu sogro. Passado algum tempo, Maria e Lucas quiseram contrair matrimônio. No entanto, descobriram que, juridicamente, não podem se casar ou estabelecer união estável. Portanto, apesar de se relacionarem e morarem juntos, esse relacionamento é nulo aos olhos do mundo jurídico[9].
Esse impedimento possui fundamento moral: eventual repúdio da sociedade à constituição de uma relação amorosa entre: i) sogro (ou sogra) e nora (ou genro); ii) padrasto (ou madrasta) e enteada (ou enteado). Para compreender isso, vamos resgatar a ideia de father-in-law e mother-in-law. Por definição, seriam seus pais pela lei, ou “segundos pais”! Portanto, como não se pode casar com seus pais, igualmente é impossível com seus sogros. Além disso, esse impedimento tem o objetivo de evitar alguma situação de vantagem ou a conquista de algum direito, decorrente de uma aproximação afetiva.
Mas como fica a partilha de bens quando a relação entre sogro e nora, como no exemplo acima, existe de fato?
Sendo impossível o reconhecimento de matrimônio ou de união estável entre os parentes afins em linha reta, a partilha de bens, em caso de falecimento ou de rompimento da relação, não ocorrerá. Portanto, em caso de falecimento, um dos meios possíveis do outro convivente herdar os bens seria através de disposição de última vontade: testamento.
No entanto, para evitar enriquecimento ilícito de alguma parte, entende-se que seja possível a avaliação dos bens para fins de indenizar a parte lesada. Note-se que nada tem a ver com o regime de bens; trata-se puramente de uma reparação civil.
Importa mencionar que, em casos de boa-fé dos nubentes (por exemplo, quando desconhecem o fato de serem sogro e nora), embora seja um casamento nulo, os seus efeitos são produzidos até o dia da sentença anulatória[10]. Isso significa que, enquanto não houver uma sentença anulando o casamento, os efeitos decorrentes desse vínculo conjugal serão mantidos (é o que se chama de casamento putativo). Rolf Madaleno, de maneira prática, explica que o casamento putativo é aquele que a lei reconhece os efeitos jurídicos a aquele que o contraiu de boa-fé, mesmo sendo nulo ou anulável[11]. Depois de anulado, a relação de parentesco entre os afins é mantida.
Conclusão
Em síntese, os sogros serão considerados parentes para a vida inteira, ainda que o(a) cônjuge faleça ou que haja o divórcio. Portanto, “uma vez sogra, para sempre sogra! E uma vez sogro, para sempre sogro!”.
É válido resgatar que a implicação jurídica da inexistência do termo “ex sogros” tem mais a ver com impedimentos legais[12] e, principalmente, com a impossibilidade de matrimônio entre o sogro (ou a sogra) e a nora (ou o genro). Entretanto, caso essa relação amorosa exista de fato, não sucede a partilha dos bens; entende-se viável a indenização dos bens à outra parte, com o fundamento de evitar o enriquecimento sem causa. Frisa-se que, hipótese de matrimônio de boa-fé, os efeitos dessa relação perdurarão até o momento da sentença anulatória.
Caso você (ou alguém que conheça) esteja passando por uma situação semelhante, é importante que consulte uma advogada (ou um advogado) especialista na área de direito de família e sucessões. Dessa forma, o seu caso poderá ser analisado minuciosamente, a fim de que seja solucionado da melhor forma possível.
[1] Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Licenciada e Bacharela em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) — 2015. Estagiária na Schiefler Advocacia. E-mail: malu.mporath@gmail.com
[2] Art. 1.595, CC. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.
- 1o O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.
[3] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo Curso de Direito Civil, volume 6: direito de família – 9. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 696.
[4] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito civil: direito de família. 37. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 299.
[5] Art. 1.591, CC. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.
[6] §2, art. 1.595, CC. Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.
[7] § 2º São impedidos: I – o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;
[8] Art. 1.521. Não podem casar: […] II – os afins em linha reta;
[9] Apelação – Pedido de autorização judicial para o casamento – Sentença de improcedência – Insurgência dos requerentes – Não cabimento – Existência de parentesco por afinidade entre os autores, na qualidade de enteada e ex-padrasto – Vínculo que configura o impedimento legal previsto no artigo 1.521, inc. II do CC, de caráter intransponível – Precedentes deste Egrégio Tribunal – Sentença mantida – Recurso improvido. (TJ-SP – AC: 10086288320198260037 SP 1008628-83.2019.8.26.0037, Relator: HERTHA HELENA DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 23/09/2020, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/09/2020)
[10] Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória. § 1 o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão. § 2 o Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.
[11] MADALENO, Rolf. Direito de Família – 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 149.
[12] Os parentes afins não são iguais ou equiparados aos parentes consanguíneos; são equivalentes, mas diferentes. Assim, o enteado não é igual ao filho, jamais nascendo para o primeiro, em virtude de tal situação, direitos e deveres que são próprios do estado de filiação. O parentesco afim tem por fito muito mais o estabelecimento de uma situação jurídica de impedimentos e deveres, por razões morais. O parentesco afim é normalmente considerado, pelo legislador e pela administração da justiça, para impedir a aquisição de algum direito ou situação de vantagem, em virtude da aproximação afetiva que termina por ocorrer entre os parentes afins e suas respectivas famílias. Assim ocorre, além do direito civil, no direito eleitoral, no direito administrativo, no direito processual, principalmente em hipóteses que presumivelmente ocorreria conflito de interesses. Não há entre parentes afins obrigação de alimentos, no direito brasileiro (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: Famílias, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 192).
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Refletir sobre os impactos dos seus investimentos no regime de bens adotado é de suma importância, porque impacta, inclusive, em seus herdeiros necessários num futuro direito sucessório.
Maria Luisa Machado Porath[1]
Você já pensou qual será a destinação dos seus investimentos em caso de divórcio ou falecimento? A depender do caminho seguido, as consequências serão diversas. Ainda que não almeje o rompimento conjugal, refletir sobre os impactos dos seus investimentos no regime de bens adotado – no caso do presente artigo, regime de comunhão parcial de bens – é de suma importância, porque impacta, inclusive, em seus herdeiros necessários num futuro direito sucessório.
Para efeitos deste artigo, o que são considerados investimentos?
De forma simplificada, é considerado investimento o capital aplicado com o intuito de obter rendimentos a um certo prazo. Há múltiplas possibilidades de investimentos, por exemplo:
- renda fixa: tesouro direto, CDB, poupança…;
- renda variável: ações, fundos de investimentos…;
- previdência privada aberta: ofertada a qualquer pessoa, como VGBL e o PGBL;
- previdência privada fechada (fundos de pensão): ofertada a uma categoria específica ou a funcionários de uma empresa;
Destaca-se que o artigo não tem o condão de conceituar a fundo os tipos de investimentos, uma vez que o foco se trata dos seus impactos jurídicos no âmbito do regime de comunhão parcial de bens.
Reflexos Jurídicos dos Investimentos no Regime de Comunhão Parcial de Bens
A comunicabilidade dos bens no regime de comunhão parcial de bens ocorre, em regra, apenas naqueles adquiridos de forma onerosa, por um ou pelos dois, na constância da união estável ou do casamento[2]. Ou seja, em geral, tudo o que for adquirido antes da conjugalidade se mantém como patrimônio particular. Destaca-se que não compete a este artigo destrinchar o regime em si; caso tenha interesse, recomenda-se a leitura do texto “Regime de bens: o que é, quais os tipos e como funcionam”.
- Divórcio
Regra geral, os investimentos realizados antes da constância do casamento ou da união estável não são partilhados. Entretanto, ressalta-se que os seus frutos sim. Por exemplo, Maria realizou um investimento de R$ 5.000,00 no ano de 2015, com prazo de 10 anos. Em 2016, ela se casou com João e, em 2020, divorciaram-se. Caso eles não tenham realizado pacto antenupcial, João terá direito aos frutos do investimento feito por Maria; ou seja, terá direito à partilha sobre o que renderam os R$ 5.000,00 iniciais.
No entanto, se os investimentos foram realizados durante o casamento ou a união estável deverão integrar a partilha. Por exemplo, Maria, casada com João, realiza um investimento de RS 5.000,00 em 2017. No ano de 2020, os dois se divorciam. No caso concreto, João terá direito a 50% do investimento e de seus frutos, ainda que não seja o titular da aplicação tampouco tenha utilizado quaisquer recursos próprios.
- Direito Sucessório
Após o falecimento do cônjuge, o sobrevivente é meeiro (é titular de 50% do patrimônio) dos bens adquirido onerosamente durante a constância do casamento ou da união estável. Contudo, no caso do regime de comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente será somente herdeiro dos bens particulares do falecido, ou seja, o consorte concorrerá com os demais herdeiros.
Caso tenha interesse no aprofundamento do tema, recomenda-se a leitura do artigo “As consequências sucessórias de acordo com cada regime de bens”.
No caso dos investimentos terem sido realizados antes da constância do casamento ou da união estável, o cônjuge sobrevivente terá direito à herança em concorrência com outros herdeiros necessários, por exemplo, os filhos. Já na situação em que os investimentos foram adquiridos durante o casamento ou a união estável, o cônjuge sobrevivente não terá direito à herança, eis que será meeiro sobre o investimento.
- Previdência Privada (VGBL e PGBL) integra a partilha no caso de divórcio e o direito sucessório?
Até recentemente, o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), em tese, não integravam o direito sucessório e a partilha no caso de divórcio, por terem caráter de seguro de vida[3] e de pensão[4]. No entanto, em setembro de 2020, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial nº 1.698.774/RS, entendeu que, durante a fase de acumulação – em que é possível fazer aportes e resgates antecipados -, a previdência privada aberta possui natureza de aplicação financeira e não de pensão, como era entendido. A partir de então, a previdência privada aberta pode ser partilhada quando estiver na fase de acumulação em caso de regime de comunhão parcial de bens e de direito sucessório.
Além disso, registre-se que há seguradoras que vendem os planos como uma espécie de planejamento sucessório. Contudo, alguns podem ser contrários ao Código Civil e, inclusive, corre-se o risco de fraudar a legítima dos herdeiros necessários[5].
Quando isso acontece, existem decisões[6] que entendem que o plano da previdência privada carece de natureza securitária e, assim, pode ser pleiteado judicialmente, porque adquire o caráter de investimento. Portanto, para evitar dor de cabeça, é necessário cautela no momento de adquirir uma previdência privada, pois, a depender do caso concreto, é possível pleiteá-los judicialmente.
Conclusão
Como já mencionado, o artigo teve por objeto a explanação geral acerca dos reflexos dos investimentos no regime de comunhão parcial de bens. Nesse sentido, para que se tenha uma análise minuciosa do seu caso concreto, é importante realizar uma consulta jurídica com advogado ou advogada especialista na área de direito de família e sucessões. Dessa forma, muitas “surpresas desagradáveis” podem ser evitadas na hora da partilha de um inventário ou de um divórcio ou dissolução de união estável.
[1] Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Licenciada e Bacharela em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) — 2015. Estagiária na Schiefler Advocacia. E-mail: malu.mporath@gmail.com
[2] Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.
[3] No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.
[4] Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
[5] Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.
Art. 1.847. Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação.
[6]AGRAVO DE INSTRUMENTO – Inventário – Determinação de retificação das declarações para inclusão dos valores existentes em nome da inventariante (esposa) em previdência privada (VGBL) – Insurgência da parte sob alegação de que se trata de bem particular, de natureza securitária, excluído da sucessão – Decisão mantida – Afastamento da alegação absoluta do caráter securitário – Necessidade de aferição da natureza da verba, que pode atuar como simples aplicação financeira, caso em que sujeita ao regime geral dos bens comuns, inclusive reconhecimento da meação e partilha. Recurso desprovido. (TJ-SP – AI: 20347284320178260000 SP 2034728-43.2017.8.26.0000, Relator: Enéas Costa Garcia, Data de Julgamento: 18/09/2017, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/09/2017)
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A chegada da terceira idade causa a inversão de papéis, transferindo aos filhos a responsabilidade de cuidado para com os pais idosos.
Maria Luisa Machado Porath[1]
De forma geral, entende-se que os filhos possuem responsabilidade perante os pais idosos. Isso porque os pais cuidam dos filhos e, naturalmente, há a inversão de papéis, com a chegada da terceira idade. E para quem não possui filhos ou quando são falecidos, ou ainda, quando há o abandono afetivo inverso, a quem compete cuidar do idoso? E quais seriam essas responsabilidades?
Muito se discute sobre o abandono afetivo quando os pais não zelam pelo seu filho. Ou seja, quando há a ausência de uma paternidade/maternidade responsável: alguém que proporcione o cuidado esperado de pais para com os filhos. Contudo, quando se inverte a lógica, isto é, quando omisso o cuidado dos filhos para com os pais idosos, ocorre o chamado abandono afetivo inverso. Jonas Figueiredo Alves conceitua-o como “[…] a inação de afeto, ou mais precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos, quando o cuidado tem o seu valor jurídico imaterial servindo de base fundante para o estabelecimento da solidariedade familiar e da segurança afetiva da família”[2].
Com a atual pandemia da COVID-19, foram noticiados diversos casos de abandono de idosos, seja em seus próprios lares ou nas casas de repouso. A justificativa para tal omissão de cuidado era o distanciamento social. No entanto, ainda, e principalmente, em casos extremamente vulneráveis como a que a atualidade está vivendo, o dever de zelo para com o idoso deve permanecer. A razão disso é que, muitas vezes, o idoso já não consegue realizar as tarefas básicas diárias e, assim, necessita de uma ajuda externa. Como conciliar sozinho o medo da pandemia, as limitações físicas e mentais e as restrições de deslocamento para evitar a propagação do contágio do novo coronavírus?
A Lei Federal nº 10.741/2003, que dispõe acerca do Estatuto do Idoso, em seu artigo 3º, afirma que é
obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Delimitação das Responsabilidades dos sujeitos…
Primeiramente, quando se fala em comunidade, sociedade e Poder Público, os cuidados se restringem ao respeito e à efetivação dos direitos dos idosos. Isso significa dizer que compete ao Poder Público prover saúde, educação, lazer, etc. A comunidade e a sociedade, de forma geral, devem respeitar e assegurar que esses direitos sejam resguardados. Ou seja, esse cuidado se refere mais à efetivação dos direitos coletivos do idoso e ao respeito do princípio da dignidade da pessoa humana.
No entanto, quando se fala em obrigação da família, os deveres de cuidado se aprofundam. O artigo 229 da Constituição Federal afirma que “[…] os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. Como já mencionado, ocorre a inversão de cuidados, quando os pais encaram a terceira idade. Contudo, na falta de filhos, chamam-se os netos; e, na ausência de outros descendentes, os irmãos e outros parentes colaterais[3]. Em último caso, cabe ao Poder Público prover assistência social ao idoso[4].
Quais são as responsabilidades de cuidado para com o idoso no seio familiar?
Conforme bem pontuado pela Ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Nancy Andrighi, “amar é faculdade, cuidar é dever”[5]. Isso significa que não há como obrigar o cultivo do amor, mas o cuidado é um dever familiar de via de mão dupla: de pais para filhos e vice-versa. Nesse sentido, quando se está diante de um abandono afetivo, seja ele inverso ou não, há a possibilidade de reparação civil, indenização, a depender do caso concreto.
A responsabilidade principal, que permeia todas as outras, é o de prover alimentos ao idoso. Não no sentido restrito da palavra, vez que o direito de alimentos abrange o mínimo necessário para que o idoso possa viver e aproveitar a sua velhice com dignidade. Nesse sentido, outros gastos são incluídos no cálculo base para a pensão alimentícia, por exemplo:
- saúde (despesas médicas de forma geral: plano de saúde, remédios, consultas, exames…);
- vestuário;
- higiene;
- lazer;
- moradia (água, luz, gás, internet, telefone, aluguel, limpeza…);
- compras no mercado;
- transporte;
- etc.
Ressalta-se que há uma particularidade no direito a alimentos dos idosos: ao contrário do que prevê o artigo 1.698[6] do Código Civil, aplica-se o artigo 12 do Estatuto do Idoso em que afirma que a obrigação é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores. Em outras palavras, o idoso não fica restrito à quota parte de cada prestador; pode cobrar a integralidade dos alimentos a qualquer um deles.
E no caso de abandono afetivo pelos pais ainda quando menores os filhos, persiste a obrigação de cuidado do idoso?
Apesar da previsão expressa de cuidado dos filhos para com os pais idosos, é possível que a relação familiar se abale por diversos motivos. Uma vez os filhos adultos, há, inclusive, casos de rompimento familiar; contudo, quando os pais idosos alegam abandono afetivo inverso, os filhos rebatem que houve abandono afetivo na infância.
Portanto, questiona-se qual seria o caminho jurídico a seguir: obrigar os filhos a prestarem cuidados para com os pais que o abandonaram na infância ou afastar esse dever? Entretanto, a resposta jurídica depende de cada caso. Assim, se você está passando por uma situação semelhante ou se conhece alguém que esteja, é imprescindível que contate um advogado ou uma advogada especialista em direito de família. Somente através de uma consulta jurídica, com uma análise aprofundada do caso, é possível traçar uma estratégia jurídica, a fim de minimizar qualquer sofrimento familiar.
[1] Estagiária na Schiefler Advocacia. Graduanda da sétima fase em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) — 2015.
[2] Alves, J. F. Abandono afetivo inverso pode gerar indenização. Revista IBDFAM –Instituto Brasileiro de Direito de Família, 16 de jul. de 2013. Disponível em: <https://www.ibdfam.org.br/noticias/5086/+Abandono+afetivo+inverso+pode+gerar+indeniza%C3%A7%C3%A3o#:~:text=JF%20%2D%20Diz%2Dse%20abandono%20afetivo,da%20seguran%C3%A7a%20afetiva%20da%20fam%C3%ADlia.>. Acesso em 17 nov. 2020.
[3] Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.
[4] Art. 14. Se o idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas de prover o seu sustento, impõe-se ao Poder Público esse provimento, no âmbito da assistência social.
[5] CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. (STJ – REsp: 1159242 SP 2009/0193701-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 24/04/2012, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/05/2012 RDDP vol. 112 p. 137 RDTJRJ vol. 100 p. 167 RSTJ vol. 226 p. 435)
[6] Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
Read MoreA modificação excepcional do nome garantiu a proteção da própria personalidade da filha, entendendo que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro.
Na semana passada, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizou uma mulher a retirar o sobrenome paterno em razão de abandono afetivo e material sofrido.
A autora ajuizou ação de retificação de registro civil alegando que a manutenção do sobrenome lhe trazia constrangimento e sofrimento, afrontando os direitos constitucionais à dignidade e personalidade. Junto à inicial, acostou relatório psicológico que comprovava o quadro de sofrimento, desconforto e constrangimento decorrente da ostentação do sobrenome paterno.
Em seu voto, o relator, Desembargador Donegá Morandini, entendeu incontroverso o rompimento do vínculo afetivo existente entre o genitor e a filha. Ainda, reconheceu que embora a exclusão do sobrenome seja considerada uma medida delicada, pois exclui a identificação da linha genealógica paterna, as circunstâncias vivenciadas nos laços familiares causam intenso sofrimento e desgosto.
Por tais razões, admitiu a modificação excepcional do nome a fim de garantir a proteção da própria personalidade da filha, entendendo que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro.
O posicionamento está, inclusive, adequado ao entendimento já assentado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que proferiu decisão em sede de Recurso Especial em situação análoga, concedendo, ao filho, a possibilidade de suprimir o sobrenome paterno em virtude do abandono afetivo desde a sua tenra idade.
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