Visando contemplar e atender ao maior número de situações decorrentes da partilha dos bens, a legislação brasileira previu espécies diversas de inventário, que serão detalhadas no artigo a seguir.
Laísa Santos[1]Advogada do escritório Schiefler Advocacia. Coordenadora da unidade de Planejamento Patrimonial, Família e Sucessões. Pós-Graduanda em Planejamento Patrimonial e Sucessório pela FGV/SP. … Continue reading.
Quando há o falecimento de uma pessoa, quase sempre é necessária a abertura do inventário para a apuração de eventuais bens, direitos e dívidas deixadas.
Todavia, o inventário não se presta à transmissão do patrimônio deixado pelo falecido. Transmite-se a herança no imediato momento da morte, não sendo, porém, delimitadas a quantidade e a qualidade de bens que irão compor o quinhão de cada herdeiro ou a meação do cônjuge supérstite. Deverá ter lugar, portanto, um procedimento para se apurar, descrever e partilhar os bens componentes desta universalidade. Para tanto, o ordenamento jurídico brasileiro prevê o procedimento de inventário e partilha[2]DA ROSA, Conrado Paulino; RODRIGUES, Marco Antonio. Inventário e partilha: teoria e prática. Salvador: Editora JusPodivm, p. 381..
Visando contemplar e atender ao maior número de situações decorrentes do processamento deste tipo de situação, a legislação brasileira previu espécies diversas de inventário, a saber:
a) Inventário extrajudicial: é cabível na hipótese em que todos os herdeiros são capazes e haja consenso quanto à partilha que será realizada. É feito por meio de uma escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro necessário bem como para o levantamento de valores em instituição financeira.
b) Inventário judicial: terá cabimento se houver testamento a ser cumprido, se houver interesse de incapaz, por opção ou caso não haja concordância entre os herdeiros. O inventário judicial pode ser processado na forma de inventário litigioso, arrolamento ou arrolamento sumário.
Abaixo, será melhor detalhada cada espécie de inventário.
Inventário extrajudicial:
Na hipótese de todos os herdeiros serem capazes e estarem de acordo entre si, o ordenamento jurídico brasileiro permite a realização do inventário e da partilha extrajudicialmente, por meio de uma escritura pública, em um tabelionato de notas. A norma traz a escritura como uma opção aos herdeiros, cabendo a eles optarem pelo o que melhor lhes convém.
A escritura pública será o documento hábil para qualquer ato de registro necessário, bem como para o levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
As regras expostas se inserem na tendência de desjudicialização de certos atos jurídicos que não precisam de intervenção obrigatória do Poder Judiciário, como forma de lhes conferir maior celeridade e economia de esforços.
Ainda, nesta espécie de inventário há a flexibilização de local para a sua celebração, diferentemente do inventário judicial. Assim, podem os herdeiros escolher em que tabelionato querem fazê-lo, independentemente do local de falecimento do autor da herança.
Cabe destacar que para a celebração da escritura pública é necessário que todas as partes interessadas estejam assistidas por advogados ou por defensor público, que também assinarão a escritura.
Por fim, é importante ressaltar que há situações em que, mesmo que todos os herdeiros sejam capazes e estejam de acordo entre si, o inventário extrajudicial, embora quase sempre mais célere, pode ser desvantajoso do ponto de vista financeiro. Isso porque, ao contrário do Poder Judiciário, os tabelionatos não possuem um teto de custas a serem cobradas.
Explica-se. As custas a serem pagas, seja ao tabelionato, seja ao Poder Judiciário, serão calculadas com base no valor do patrimônio deixado pelo falecido. O Poder Judiciário de Santa Catarina, por exemplo, possui um teto de custas no valor de R$ 5.197,61. Assim, não importará se o valor dos bens do falecido é de 200 mil ou 1 milhão de reais, o valor cobrado será o mesmo.
Diferentemente, o tabelionato possui uma tabela de custas e emolumentos que, a depender do valor do patrimônio, poderá cobrar por cada bem individualizado – o que poderá acarretar um valor superior de custas, se comparado ao Poder Judiciário.
Assim, além dos requisitos intrínsecos para a realização de um inventário extrajudicial, sugere-se, sempre, a realização de um orçamento prévio para que os herdeiros possam sopesar qual o melhor caminho a ser tomado para a realização da partilha dos bens.
Inventário negativo:
Embora incomum, o inventário negativo é realizado quando o falecido não deixou bens ou direitos, mas os herdeiros, por algum motivo específico, buscam realizá-lo para sanar eventuais situações particulares.
Como exemplo desta situação cita-se o caso dos herdeiros que queiram assegurar que não serão responsabilizados, em virtude da ausência de bens e direitos do falecido – caso este tenha deixado dívidas. Outra finalidade para a aplicação do inventário negativo decorre do interesse do cônjuge supérstite de afastar a causa suspensiva em relação a uma nova relação matrimonial, que implicaria o regime de separação obrigatória de bens.
A Resolução nº 35/07 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) possibilita que o inventário negativo seja também feito por escritura pública, facilitando e acelerando o reconhecimento da ausência de patrimônio do falecido.
Inventário judicial litigioso:
O inventário pelo procedimento litigioso tem seu requerimento inicial relativamente simples, bastando o pedido de início do procedimento e a informação do óbito perante o Poder Judiciário.
Uma vez admitido o processamento do inventário, o juiz nomeará o inventariante, que passará a representar o espólio. O Código de Processo Civil prevê uma ordem de nomeação do inventariante, que, salvo situações excepcionais, deve ser seguida, por se tratar de regra impositiva.
Da decisão que nomeou inventariante, caberá recurso dirigido ao Tribunal de Justiça. Após nomear inventariante, este será intimado para prestar compromisso no prazo de cinco dias. Ato contínuo, da data em que prestou compromisso, o inventariante terá o prazo de vinte dias para apresentar as primeiras declarações ao juízo (relação detalhada dos bens e direitos que compõem o patrimônio do autor da herança).
Na sequência, os demais herdeiros serão intimados para apresentarem manifestação sobre as primeiras declarações. Após apresentadas as primeiras declarações e depois que os demais herdeiros tenham tido a oportunidade de se manifestarem, passa-se à avaliação dos bens componentes do espólio.
Em seguida, são apresentadas as últimas declarações, os débitos relativos às dívidas do espólio são pagos, assim como os impostos (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD e Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI) e há a apresentação do formal de partilha, com a consequente sentença.
Evidentemente que, dentro de todos estes atos, há diversas situações que podem ocorrer e vários recursos que podem ser interpostos, dificultando sobremaneira o trâmite do processo e a partilha dos bens.
Arrolamento:
O arrolamento é uma espécie de inventário judicial simplificado, que se divide em duas espécies: sumário, cabível quando os herdeiros optarem pela partilha amigável ou se houver pedido de adjudicação por herdeiro único; e sumaríssimo, se o valor dos bens deixados não superar mil salários mínimos.
O arrolamento sumário é a partilha judicial amigável, realizada por partes capazes, sendo irrelevante o valor dos bens deixados.
Por se tratar de procedimento mais simples, a petição inicial já indicará o inventariante a ser nomeado, os títulos dos herdeiros, os bens componentes do acervo hereditário e o valor atribuído a eles. Em regra, não há que se falar em primeiras e últimas declarações, fazendo com que este processo se torne bem mais célere do que um inventário judicial litigioso.
No entanto, reforça-se a necessidade de comprovação da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio para a prolação da sentença de partilha ou adjudicação.
Por fim, o arrolamento comum (ou sumaríssimo) é realizado quando o valor total do monte for igual ou inferior a mil salários mínimos. Nesta hipótese, o legislador também estabeleceu um procedimento bastante simplificado, sendo necessária a apresentação, desde logo, da indicação para nomeação do inventariante, juntamente com as suas declarações, o valor atribuído aos bens e o plano de partilha.
Aqui também é necessário comprovar a quitação de todos os tributos, sob pena de lançamento administrativo, conforme dispuser a legislação tributária.
O presente artigo objetivou apresentar as mais diversas espécies de procedimentos que podem ser utilizadas para a realização da partilha de bens deixados pelo titular do patrimônio.
Destaca-se que não se buscou exaurir o tema, mas trazer reflexões acerca da escolha de determinado procedimento e alertar para a necessidade de sopesar os caminhos disponíveis que melhor atendam às necessidades dos herdeiros, diante da situação que já é, por si só, bastante sensível.
Caso você tenha alguma dúvida a respeito do assunto, entre em contato com um dos nossos especialistas pelo e-mail contato@schiefler.adv.br.
Referências[+]
↑1 | Advogada do escritório Schiefler Advocacia. Coordenadora da unidade de Planejamento Patrimonial, Família e Sucessões. Pós-Graduanda em Planejamento Patrimonial e Sucessório pela FGV/SP. Pós-Graduada em Família e Sucessões pela EBRADI. Graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membra da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB/SC e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Co-autora do livro Desafios Contemporâneos do Direito de Família (Editora Lumen Juris) e de artigos sobre a temática. |
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↑2 | DA ROSA, Conrado Paulino; RODRIGUES, Marco Antonio. Inventário e partilha: teoria e prática. Salvador: Editora JusPodivm, p. 381. |
O Superior Tribunal de Justiça deve uniformizar o entendimento sobre o tema, que será julgado sob o rito dos recursos repetitivos.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou os Recursos Especiais 1.896.526/DF e 1.895.486/DF, de relatoria da Ministra Regina Helena Costa, no intuito de uniformizar entendimento acerca da necessidade de se comprovar o pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) como requisito para a homologação da partilha.
Afetar um processo significa dizer que ele foi encaminhado para o julgamento sob o rito dos recursos repetitivos[1]. A necessidade desse procedimento está na volumosa demanda de processos com controvérsias do mesmo tema nos tribunais brasileiros. A partir disso, todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, no território nacional, que versem acerca do Tema Repetitivo 1.074[2] do STJ ficarão suspensos até o julgamento dos recursos.
Ressalta-se que a Ministra Relatora, no acórdão de afetação dos recursos, sublinhou que a 1ª e a 2ª Turmas do STJ possuem o entendimento pacífico da desnecessidade de comprovação da quitação do ITCMD como condição para homologar a partilha ou expedir a carta de adjudicação. Contudo, ainda que este entendimento seja uniforme, existem muitas decisões a respeito dessa controvérsia. Por exemplo, a Ministra Relatora destaca que
“[…] Além do Distrito Federal, origem do presente recurso, há, igualmente, demandas envolvendo a matéria em Sergipe (REsp n. 1.828.928/SE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 21.02.2020), Minas Gerais (REsp n. 1.864.440/MG, de minha relatoria, DJe 23.10.2019), Mato Grosso (REsp n. 1.702.825/MT, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 11.12.2018) e São Paulo (REsp n. 1.405.564/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 29.06.2018)[3].
Após o julgamento destes recursos, as soluções jurídicas que envolvem este tema se tornarão mais ágeis, uma vez que haverá a uniformização do tema. Os acórdãos podem ser conferidos aqui: REsp 1.896.526/DF e REsp 1.895.486/DF.
[1] Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.
1º O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.
[…]
5º O relator em tribunal superior também poderá selecionar 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia para julgamento da questão de direito independentemente da iniciativa do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem.
[2] “Necessidade de se comprovar, no arrolamento sumário, o pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) como condição para a homologação da partilha ou expedição da carta de adjudicação, à luz dos artigos 192 do CTN e 659, parágrafo 2º, do CPC/2015”.
[3] STJ, REsp – Recurso Especial n. 1.896.526/DF, Ministra Relatora, 1ª Seção, Julgamento: 17/11/2020.
Read MoreOs valores foram caracterizados com natureza de investimento e, portanto, devem ser partilhados na dissolução do casamento.
Na última semana, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) botou uma pá de cal na controversa discussão a respeito da partilha de bens em planos de previdência privada aberta (VGBL e PGBL).
No voto, a Relatora, Ministra Nancy Andrighi, destaca que diferente da previdência privada fechada que possui entraves de natureza financeira e atuarial, a previdência aberta pode ser objeto de contratação por qualquer pessoa física ou jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual caberá ao investidor, com ampla liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, resgates antecipados ou parcelamento até o fim da vida.
No entendimento da Turma, no período em que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, semelhante ao que ocorreria se os valores das contribuições e dos eventuais aportes fossem investidos em fundos de renda fixa ou na aquisição de ações.
Assim, para evitar distorções no regime de bens do casamento e também na sucessão, uma vez que bastaria ao investidor direcionar seus aportes para essa modalidade para frustrar eventual meação do cônjuge ou legítima dos herdeiros, os valores foram caracterizados com natureza de investimento e, portanto, devem ser partilhados na dissolução do casamento por não estarem abrangidos pela regra do artigo 1.659, inciso VII, do Código Civil[1].
E você concorda com o posicionamento adotado pela Terceira Turma do STJ?
Fonte: Recurso Especial n. 1.698.774/RS (2017/0173928-2)
[1] CC. Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
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