Trata-se de uma importante e significativa evolução para a sociedade, trazendo maior celeridade e descomplicações para casais que não desejam mais continuar em matrimônio.
Provimento nº 100 do CNJ possibilita o divórcio virtual
Na última semana, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou o Provimento nº 100/2020 que trata sobre a prática de atos notariais eletrônicos e instituiu o Sistema de Atos Notariais Eletrônicos (e-Notariado) em todo o território nacional.
Dentre as diversas mudanças e inovações previstas pelo provimento, passou a vigorar a possibilidade do divórcio virtual. Os requisitos permanecem os mesmos do divórcio extrajudicial: a consensualidade entre os cônjuges, a presença de um advogado e a inexistência de filhos menores e/ou incapazes ou nascituro – exigência que poderá ser afastada caso haja prévia resolução judicial de todas as questões envolvendo os menores.
Em síntese, o que acontecia presencialmente poderá ser feito também por meio eletrônico, sem a necessidade do deslocamento das partes até o tabelionato de notas. No entanto, para que haja segurança e regularidade em todo o ato, o CNJ estabeleceu requisitos, como a realização de chamadas por videoconferência para que as pessoas sejam devidamente identificadas e possam expressamente consentir sobre os termos do divórcio e do ato notarial eletrônico. A transmissão deverá ser gravada e arquivada junto ao ato notarial.
Ainda, o ato deverá ser assinado digitalmente pelas partes e pelo tabelião – que poderá emitir gratuitamente certificado digital notarizado para os cônjuges que não o possuam. A segurança do processo será garantida por meio da criptografia de todos dos documentos.
Embora o provimento tenha sido editado em virtude da pandemia do coronavírus, trata-se, a bem da verdade, de uma importante e significativa evolução para a sociedade, trazendo maior celeridade e descomplicações para casais que não desejam mais continuar em matrimônio.
Read MoreA exegese da Justiça Eleitoral gaúcha sobre o art. 73, § 10, da Lei das Eleições.
Eduardo de Carvalho Rêgo[1]
Em 20 de maio de 2020, foi publicada, no Município de Porto Alegre/RS, a Lei Complementar nº 882/2020, que “Estabelece a isenção, para as competências de abril, maio e junho de 2020, das tarifas de água e esgoto aos consumidores beneficiados pela tarifa social que se enquadrem no disposto pelos incs. I e II do art. 37 da Lei Complementar nº 170, de 31 de dezembro de 1987, e alterações posteriores”. De acordo com o Prefeito Nelson Marchezan Júnior, “A medida foi adotada para auxiliar as pessoas de baixa renda, possibilitando que elas tenham mais recursos para enfrentar a crise provocada pela pandemia da Covid-19”.[2]
A oportuna medida de atenuação dos efeitos da pandemia sobre a população mais carente do Município de Porto Alegre vem na mesma linha do auxílio emergencial, no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), concedido pelo Governo Federal aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais, trabalhadores autônomos e desempregados. Porém, ao contrário do Governo Federal, que está no segundo ano da atual Administração, a Prefeitura de Porto Alegre, por vivenciar o último ano do mandato do Chefe do Executivo Municipal, teve de lidar com a vedação constante no art. 73, § 10, da Lei Federal nº 9.504/1997 (Lei das Eleições), que proíbe a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública em ano eleitoral, excetuados os casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.
Em que pese a existência do Decreto Municipal nº 20.534, de 31 de março de 2020, que “Decreta o estado de calamidade pública e consolida as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo Coronavírus (COVID-19), no Município de Porto Alegre”, o Prefeito entendeu por bem formalizar consulta ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE/RS), questionando sobre a possibilidade de o Município conceder as isenções tarifárias pretendidas, uma vez que 2020 é ano de eleições municipais.
A resposta do TRE/RS, formalizada mediante manifestação de seu Tribunal Pleno, veio no sentido de reconhecer a pandemia da Covid-19 enquanto ensejadora de estado de “calamidade pública”, tal como previsto no art. 73, § 10, da Lei das Eleições, a autorizar o administrador público a distribuir gratuitamente bens e serviços em ano eleitoral. Contudo, o órgão julgador advertiu que “é necessário observar que o administrador público, mesmo em face de situação de calamidade, está adstrito aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, nos termos do comando do art. 37 da Constituição Federal, sem que possa fazer uso da distribuição gratuita de bens e valores com caráter eleitoreiro ou como forma de promoção pessoal”.[3]
Em síntese, resta clara a mensagem passada pela Justiça Eleitoral do Estado do Rio Grande do Sul: medidas financeiras de apoio aos mais necessitados em meio à pandemia da Covid-19 são bem-vindas, desde que a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios seja realizada mediante a adoção de critérios objetivos para estabelecer os beneficiários e, ademais, que não venha acompanhada de promoção pessoal de agente público. Tal exegese, aliás, está em consonância com os princípios constitucionais previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal, que devem sempre ser levados em consideração na análise das exceções às condutas vedadas previstas na Lei das Eleições.
Eduardo de Carvalho Rêgo – Advogado. Coordenador das Unidades de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Doutor em Direito, Política e Sociedade e Mestre em Teoria, História e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
[1] Advogado. Coordenador das Unidades de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Doutor em Direito, Política e Sociedade e Mestre em Teoria, História e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
[2] Disponível em: https://prefeitura.poa.br/gp/noticias/prefeitura-isenta-consumidores-carentes-do-pagamento-da-tarifa-de-agua-e-esgoto. Acesso em 01/06/2020.
[3] TRE/RS. Consulta nº 0600098-44.2020.6.21.0000, de Porto Alegre. Relator: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Data: 11/05/2020.
Read MoreDevido ao momento de excepcionalidade no qual nos encontramos, seria possível flexibilizar certas exigências, outrora impreteríveis, em virtude do interesse público?
Covid-19 e a Contratação de Médicos Graduados no Exterior
Victoria Magnani de Oliveira Nogueira[1]
Vive-se, atualmente, momento verdadeiramente atípico. A pandemia da Covid-19 vem revolucionando a vida cotidiana em muitos sentidos, que vão desde mudanças de caráter econômico à própria forma de relacionar-se. Com o mundo jurídico o cenário não poderia ser outro: observa-se que o Judiciário brasileiro vem, cada vez mais, atuando em demandas diretamente relacionadas com os impactos da Covid-19, dentre os mais diversos ramos do direito.
Nesse sentido, surge a controvérsia: devido ao momento de excepcionalidade no qual nos encontramos, seria possível flexibilizar certas exigências, outrora impreteríveis, em virtude do interesse público?
Esse questionamento permeia uma série de discussões jurídicas da atualidade, mas aqui pretende-se analisar uma em específico: a possibilidade de exercício da medicina por médicos graduados no exterior, que não tenham concluído o processo de revalidação de diploma.
Introduzindo a temática, ressalta-se que a demanda por profissionais da área da saúde aumenta a cada dia. Com efeito, o Brasil enfrenta grave crise na gestão da saúde pública, em virtude da pandemia da Covid-19, encontrando-se atualmente em um estado emergencial que ameaça colapsar o sistema de saúde de determinados estados.
A situação é de elevada necessidade, sendo que para suprir o déficit de profissionais da saúde foram adotadas diversas medidas governamentais, como, por exemplo, a Portaria nº 374/2020 do Ministério da Educação, que permitiu a antecipação da colação de grau para alunos dos cursos de Medicina, Enfermagem, Farmácia e Fisioterapia para atuação nas ações de combate à Covid-19, e vem dividindo opiniões quanto às regras para sua aplicabilidade.
Em razão da pandemia, a necessidade de reposição de profissionais que atuem no combate à Covid-19 tem gerado uma contratação de larga escala no setor da saúde, com vistas a evitar o agravamento da situação de hospitais e unidades de pronto atendimento (UPAs) pela falta de recurso humano, uma vez que grande número desses profissionais encontra-se afastado por ter contraído a doença ou por estar sob suspeita.
As políticas de flexibilização adotadas a fim de agilizar a contratação desses profissionais, contudo, têm enfrentado resistência tanto por parte dos Judiciários locais quanto por parte dos Conselhos Regionais de Medicina, que até o momento apresentaram uma postura combativa em relação a iniciativas que visem permitir o exercício da medicina por médicos graduados no exterior que não se submeteram ao processo de revalidação do diploma.
A esse respeito cumpre trazer à baila a discussão firmada nos autos da Ação Civil Pública nº 5007182-62.2020.4.03.6100, ajuizada pela Defensoria Pública da União em face da União Federal e do Conselho Federal de Medicina (CFM), na qual a DPU buscava impor ao Governo Federal, em caráter excepcional e temporário, que viabilizasse a contratação de brasileiros e estrangeiros habilitados para o exercício da medicina no exterior sem a necessidade de revalidação do diploma emitido no estrangeiro.
O magistrado, acatando manifestação proferida em sede de contestação pelo CFM, aduziu que através do processo de revalidação do diploma de graduação emitido no exterior é possível reduzir o risco de expor pacientes a profissionais sem a devida qualificação, uma vez que tal processo visa verificar a capacidade técnica do profissional em sua formação.
O julgador ressaltou, ainda, que “não obstante os graves efeitos causados pela pandemia do COVID-19 na saúde de milhões de pessoas, não é facultado ao Poder Judiciário substituir-se ao legislador para permitir a contratação de profissionais médicos que não atendam a requisitos legais”.[2]
Outra decisão, esta proferida no âmbito de ação ajuizada pelo estado do Acre contra o Conselho Regional de Medicina (CRM), concedeu liminar que autoriza a emissão de licença provisória para exercício profissional de médicos formados no exterior que ainda não passaram pelo processo de revalidação.
A decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal Cível e Criminal da Seção Judiciária do Acre baseou-se na experiência do Programa Mais Médicos, analisando-o como importante e positivo precedente para a emissão de licença provisória de trabalho para profissionais que tenham diploma de medicina emitido por instituições de ensino estrangeiras, mas que se encontram impossibilitados de atuar profissionalmente em decorrência da não realização do processo de revalidação[3].
Ainda que posteriormente a referida liminar tenha tido seus efeitos suspensos por decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sob o argumento de que não haveria prova inequívoca da verossimilhança da alegação em que se sustenta o direito pleiteado, o simples fato de ter sido proferida decisão nesses termos já configura um precedente digno de nota.
De mais a mais, o que leva o Estado brasileiro a entender que, no âmbito do programa Mais Médicos, um determinado profissional tenha capacidade profissional e técnica para atender a população e, em outro cenário, diante de uma pandemia sem proporções, entender que este mesmo profissional seria inapto?
Evidente que cada caso possui as suas peculiaridades, que podem, eventualmente, levar a um entendimento distinto, contudo, a adoção de uma postura que seja, a priori, contrária a possíveis soluções para a crise que se coloca atualmente se mostra, no mínimo, controversa.
Buscando conferir respaldo a essas soluções, há diversos projetos de lei em tramitação que analisam as possibilidades de que médicos formados no exterior e que ainda não revalidaram seus diplomas no país atuem durante a pandemia da Covid-19.
O Projeto de Lei 2104/20, por exemplo, visa permitir a contratação de médicos brasileiros formados no exterior, que tenham participado do programa Mais Médicos por no mínimo um ano, para atuar em estados, município e hospitais privados enquanto perdurar o estado de calamidade pública decorrente da Covid-19. Além disso, o referido projeto prevê, ainda, a possibilidade de contratação de médicos graduados no exterior que estejam no último semestre da complementação exigida para a revalidação de diploma[4].
Outro projeto que se encontra em tramitação é o Projeto de Lei 2052/20, cujo texto prevê a contratação temporária, por órgãos de saúde públicos e privados, de médicos brasileiros formados no exterior que não prestaram o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira (Revalida).
Segundo o projeto, os profissionais contratados sob essas condições deverão atuar no combate à Covid-19 como auxiliares, sob a coordenação e supervisão de médico chefe de equipe. O texto destaca ainda que a atuação desses profissionais se dará na atenção básica à saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), durante o estado de calamidade pública, e o contrato em questão não poderá exceder dois anos[5].
Ressalta-se que, em virtude da contemporaneidade do assunto que aqui se traz, uma vez que se trata de situação relativamente recente e ainda em desenvolvimento, não há jurisprudência pacificada e os impactos e consequências de qualquer decisão proferida nesse âmbito ainda hão de ser mensurados.
Outro ponto interessante que merece reflexão diz respeito à eventual possibilidade de obrigar as instituições de ensino a acelerarem os processos de revalidação de diplomas expedidos no exterior, nos termos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Lei nº 9.394/96), que dispõe, em seu art. 48, § 2º, que o diploma de graduação emitido no exterior, para que tenha validade nacional, deve ser revalidado por universidade brasileira pública, regularmente credenciada e mantida pelo Poder Público, que tenha curso reconhecido do mesmo nível e área ou equivalente.
Destaca-se que a Portaria Normativa do Ministério da Educação nº 22/2016, que estabelece as normas e procedimentos gerais de tramitação dos processos de revalidação de diplomas de graduação estrangeiros, confere ampla autonomia às instituições revalidadoras, que são responsáveis pela elaboração de seus próprios editais de revalidação.
Quanto a essa possibilidade, verifica-se que essa se consubstancia em um binômio: por um lado, a preservação da autonomia universitária, compreendida nessa a discricionariedade das instituições de ensino no que diz respeito ao processo de revalidação de diploma estrangeiro; e por outro a preservação do interesse público, e a consequente possibilidade de interferência judicial no processo de revalidação.
Apesar de haver entendimentos recentes no sentido de que não é viável interferir judicialmente no processo de revalidação sem que haja violação à autonomia universitária, é possível que, devido ao fato de estarmos vivendo um momento excepcional com a pandemia da Covid-19, o interesse público envolvido na crescente demanda por profissionais da saúde predomine sobre a preservação da autonomia universitária.
Ademais, vislumbra-se a possibilidade de que, ante o estado de escassez de profissionais da saúde atuando no combate à Covid-19, uma alternativa que preze pelo interesse público seja considerada medida mais adequada do que o estrito cumprimento das exigências previstas para o processo de revalidação de diplomas de graduação em medicina expedidos por universidades estrangeiras.
A discussão que ora se trava versa, sobretudo, sobre a resposta ao seguinte questionamento: é melhor ser atendido por um profissional cuja formação foi concluída em país estrangeiro, de acordo com as exigências deste, ou conformar-se com nenhum atendimento?
Diante do cenário incerto que se coloca, cabe ao Direito responder satisfatoriamente às demandas que surgem da prática experienciada no contexto de pandemia, de forma a garantir a implementação das medidas adequadas para que o combate à Covid-19 seja o mais eficaz possível.
[1] Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina, atualmente cursando a oitava fase. Foi bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET Direito UFSC de 2017 a 2019, e atualmente desenvolve pesquisa de iniciação científica no campo do Direito Ambiental do Trabalho como bolsista voluntária do Programa Institucional de Iniciação Científica – PIBIC UFSC.
[2] http://portal.cfm.org.br/images/PDF/decisaorevalida14052020.pdf
[3] http://ajufe.org.br/images/pdf/Decisa%CC%83o_Covid19_me%CC%81dicos_sem_revalida_Acre.pdf
[4] https://www.camara.leg.br/noticias/656726-PROJETO-PERMITE-CONTRATACAO-DE-MEDICOS-BRASILEIROS-FORMADOS-NO-EXTERIOR-SEM-REVALIDA-DURANTE-PANDEMIA
[5] https://www.camara.leg.br/noticias/656636-PROJETO-PERMITE-ATUACAO,-DURANTE-PANDEMIA,-DE-MEDICO-BRASILEIRO-FORMADO-NO-EXTERIOR-SEM-REVALIDA
Read MoreComo garantir que pais e filhos continuem a conviver, se há obrigatoriedade de cada um permanecer em sua própria residência?
FAMÍLIA: CONVIVÊNCIA FAMILIAR EM ÉPOCA DA PANDEMIA DE COVID-19
Laísa Santos[1]
Maria Luisa Machado Porath[2]
No atual cenário de pandemia, a principal recomendação difundida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é que, todos aqueles que puderem, fiquem em casa e apenas saiam em situações excepcionais. Essa medida visa a evitar a disseminação do vírus e o consequente esgotamento do sistema de saúde.
Mas, diante dessa situação, como fica a convivência familiar dos pais que não detêm a guarda ou não possuem como residência fixa do filho a sua moradia?
O Código Civil, em seu artigo 1.589[3], determina que o pai ou a mãe que não estiver com os filhos poderá visitá-los e tê-los em sua companhia – conforme acordado com o outro genitor ou fixado pelo juiz.
A convivência familiar tem a finalidade de manter os laços afetivos entre pais e filhos, ainda que já não haja mais convivência conjugal. Nessa toada, o art. 1.630 do Código Civil aduz que os filhos, enquanto menores, estão sujeitos ao poder familiar. Em complemento, o art. 1.634 da mesma norma traz que compete a ambos os pais, independentemente da situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar.
Nesse sentido, a convivência familiar decorre do direito-dever do poder familiar. Ou seja, toda criança tem o direito de manter o laço afetivo e a convivência com seus pais; e, todo pai ou mãe, através do exercício do poder familiar, tem o dever de zelar pelo filho – sendo esse, inclusive, um dever passível de execução judicial, até mesmo com imposição de multa pecuniária[4].
A crise decorrente do COVID-19 afetou de forma estrondosa as relações familiares. Assim, remanesceu a dúvida sobre a continuidade da manutenção da convivência familiar em época de pandemia e distanciamento social. Como garantir que pais e filhos continuem a conviver, se há obrigatoriedade de cada um permanecer em sua própria residência?
Adianta-se: não há uma resposta pronta, genérica, a ser aplicada a qualquer caso. É primordial que se analise a situação de cada seio familiar, a fim de que se encontre a melhor solução para o impasse.
Inicialmente, é válido destacar que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) emitiu um documento com recomendações para a proteção das crianças e dos adolescentes durante a pandemia do COVID-19. Dentre as orientações, o CONANDA defendeu que, para evitar o risco à saúde dos menores, as visitas e o período de convivência deveriam ser, preferencialmente, substituídos por meios de comunicação telefônica ou on-line[5].
Evidentemente, se houver uma relação saudável entre os genitores, o bom senso surgirá de forma natural. Para se chegar a um denominador comum, é mister que, além dessas recomendações, façam-se alguns questionamentos, como: quem tem mais condições, nesse momento, de praticar o distanciamento social? Qual dos genitores se expõe menos ao risco de contágio diante da impossibilidade de home office?
Infelizmente, o que se percebe rotineiramente é a falta de diálogo efetivo entre ex casais. Pais que não seguem as orientações para evitar o contágio da doença ou que se aproveitam dessa medida para fomentar campanhas de afastamento do outro genitor em relação ao filho são alguns dos exemplos que impactam negativamente na vida e no desenvolvimento das crianças. Nesses casos, acima de tudo, recomenda-se o registro de qualquer tentativa de acordo acerca do bem-estar do filho; até mesmo para se evitar uma eventual falsa alegação de alienação parental.
Mas, afinal, não havendo composição amigável entre os pais, quais as possibilidades jurídicas a serem adotadas?
O Direito, por si só, é incapaz de antever todos os cenários da vida. No entanto, nesse momento de pandemia, o judiciário vem respondendo às demandas judiciais de maneira ágil e, quase sempre, priorizando o equilíbrio entre as relações, bem como o melhor interesse dos menores frente à atual situação.
Há decisões, por exemplo, que substituem a convivência e a visita pessoal do genitor e determinam a realização do contato de modo virtual, pautando-se na segurança do menor e nas recomendações do Ministério da Saúde. Veja-se decisão recentemente proferida pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR):
[…] 5. Diante do conhecimento público e notório quanto à pandemia do Coronavírus (COVID-19) que assola o mundo e o país, bem como considerando as diversas restrições determinadas pelos poderes públicos para fins de contenção da proliferação do vírus (orientação de isolamento, evitar aglomerações, suspensão das atividades de shoppings centers, cuidados na higienização, etc.), oportuno acolher o pedido formulado, a fim de restringir, temporariamente e excepcionalmente, o direito de visitação paterno, de modo a evitar que a criança seja retirada do seu lar de referência neste período, expondo-se à contaminação do vírus, assim como os seus familiares e demais pessoas do seu convívio social.
A medida é necessária no caso em apreço considerando a informação de que a criança reside com pessoa enquadrada em grupo de risco, de acordo com a classificação do Ministério da Saúde, já estando, inclusive, em isolamento domiciliar.Friso, novamente, que se trata de uma medida temporária, num momento em que os cuidados para com a criança devem ser adotados por ambos os pais, não se rompendo por completo o convívio com nenhum dos genitores, ainda que esse contato se dê de forma virtual. Neste caso, pensando no bem estar da criança e visando evitar a ruptura do vínculo paterno-filial, adequado que se mantenha o convívio paterno de forma segura mediante chamada de vídeo nos mesmos dias de visitação acordados entre as partes[6].”
Indo ao encontro do que foi decidido no estado do Paraná, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) assim também decidiu:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. VISITA PATERNA AOS FILHOS MENORES. COVID-19. VISITAS NO MODO VIRTUAL. O convívio com o pai não guardião é indispensável ao desenvolvimento sadio das crianças e adolescentes. Situação excepcional configurada pela pandemia de COVID-19 e recomendação do Ministério da Saúde para manutenção do distanciamento social que apontam para o acerto da decisão recorrida, ao determinar contato do pai com o filho por meio de visita virual diária, pelo menos por ora. Medida direcionada não só à proteção individual, mas à contenção do alastramento da doença. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA[7].
Diferentemente das decisões acima destacadas, há posicionamentos jurisprudenciais diversos que entendem devida a manutenção da convivência e da visitação dos genitores, desde que ausente comprovação de risco à saúde e ao bem-estar do menor. Nesse sentido, foi decisão também proferida no TJRS, demonstrando a peculiaridade de cada caso:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO. VISITAÇÃO MATERNA. MANUTENÇÃO. SUSPENSÃO INDEVIDA. A fim de preservar a necessária convivência entre mãe e filha, deve ser mantida a regulamentação da visitação materna, nos moldes estipulados em audiência. Descabida a pretensão de suspensão da visitação diante do evento COVID-19, uma vez que ausente comprovação de que as visitas da mãe importariam risco à saúde e ao bem-estar da criança, presumindo-se que empreenderá todos cuidados necessários para a respectiva preservação. Manutenção da adequada convivência da mãe com a filha menor. Precedentes do TJRS. Agravo de instrumento desprovido[8].
Independentemente da situação e do relacionamento entre os genitores, o bom senso deveria se sobressair a todos os impasses eventualmente existentes com a finalidade de se buscar o melhor interesse do menor. Caso não seja possível, há outros meios de resolução dos conflitos, como a mediação extrajudicial – podendo ser realizada inclusive por videoconferência – , com o objetivo de que os pais consigam firmar um acordo.
Na impossibilidade de qualquer tentativa extrajudicial, pode-se recorrer à via judicial para a regulamentação do período de convivência. Nesse caso, o juiz, a seu critério e com base no ordenamento jurídico, analisará com impessoalidade a situação em concreto.
É preciso salientar que há diversos outros meios para a manutenção da convivência entre os menores e os genitores, ainda que seja definida a suspensão temporária da convivência física. Com o advento da tecnologia, é possível a realização temporária de telefonemas e videochamadas em dias e horários pré-determinados, imperando para a análise o bom senso e a boa-fé dos genitores. Distância física não representa, necessariamente, distanciamento afetivo. Assim, os meios virtuais, neste momento de confinamento, podem ser instrumentos para manter os laços afetivos entre pais e filhos.
Desse modo, por mais que o contato pessoal reste prejudicado, o convívio familiar se mantém, ainda que de forma temporariamente diversa. Pode-se estipular, inclusive, que após a pandemia o genitor que teve seu período de convivência restrito tenha um convívio mais longo como forma de “compensação”.
Frisa-se: não existe uma única resposta certa que abranja todos os tipos de situações. O direito de convivência nos moldes convencionais é primordial, salvo casos em que haja risco de saúde dos filhos, dos pais ou das demais pessoas que residam com o menor. O importante é que os genitores tentem, na medida do possível, buscar a solução mais benéfica para o menor, considerando todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e as necessidades dos infantes.
[1] Advogada. Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
[2] Estagiária do escritório Schiefler Advocacia. Graduanda da sétima fase em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) – 2015.
[3] O parágrafo único desse mesmo artigo afirma que esse direito também se estende aos avós, a critério do juiz, conforme o interesse do menor. Apesar de não ser o foco do estudo, é válido mencionar que as recomendações aqui expostas também podem ser aplicadas, de acordo com o caso concreto, a situações de convivência familiar entre avós e netos.
[4] MADALENO, Rolf. Direito de família. 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 456.
[5] […] 18. Que crianças e adolescentes filhos de casais com guarda compartilhada ou unilateral não tenham sua saúde e a saúde da coletividade submetidas à risco em decorrência do cumprimento de visitas ou período de convivência previstos no acordo estabelecido entre seus pais ou definido judicialmente. Para tanto, devem ser observadas as seguintes orientações: a. As visitas e os períodos de convivência devem, preferencialmente, ser substituídos por meios de comunicação telefônica ou on-line, permitindo que a convivência seja mantida; b. O responsável que permanece com a criança deve manter o outro informado com regularidade e não impedir a comunicação entre a criança ou adolescente com o outro responsável; c. Em casos que se opte pela permissão de visitas ou períodos de convivência, responsáveis que tenham voltado de viagem ou sido expostos à situações de risco de contágio devem respeitar o período de isolamento de 15 dias antes que o contato com a criança ou o adolescente seja realizado; d. O deslocamento da criança ou do adolescente deve ser evitado; e. No caso de acordada a visita ou permissão para o período de convivência, todas as recomendações de órgãos oficiais devem ser seguidas; f. O judiciário, a família e o responsáveis devem se atentar, ao tomarem decisões relativas à permissão de visitas ou períodos de convivência, ao melhor interesse da criança e do adolescente, incluindo seu direito à saúde e à vida, e à saúde da coletividade como um todo
[6] TJPR, Autos n. 0018199-09.2019.8.16.0188, Relatora Juíza Fernanda Maria Zerbeto, 3ª Vara de Família e Sucessões da comarca de Curitiba, Data da decisão:20/03/2020
[7] TJRS, Agravo de Instrumento, Nº 70084141001, Sétima Câmara Cível, Relator: Vera Lucia Deboni, Julgado em: 16-04-2020
[8] TJRS, Agravo de Instrumento, Nº 70084149186, Sétima Câmara Cível, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em: 23-04-2020
Read MoreA emergência nacional é mais urgente do que a local?
Nesta sexta-feira (22 de maio de 2020), a advogada Giovanna Gamba publicou, juntamente com o Prof. Dr. Guilherme Jardim Jurksaitis, o artigo “Contratações públicas em tempos de pandemia” no Portal Jurídico JOTA, o qual pode ser visualizado neste link. Em razão da relevância do tema, vamos republicá-lo na íntegra, com a autorização da autora:
Contratações públicas em tempos de pandemia: A emergência nacional é mais urgente do que a local?
Por Giovanna Gamba e Guilherme Jardim Jurksaitis
A lei federal nº 13.979/2020 foi editada para viabilizar medidas de resposta e contenção à pandemia do covid-19. Seus dispositivos sobre contratações públicas são indicativos claros da insuficiência do regime habitual de licitações para atender às necessidades reais da administração pública, sobretudo em período de crise.
Todos conhecemos as críticas à lei de licitações. Para ficar nas mais frequentes: excesso de burocracia, que torna o procedimento lento e custoso; apego ao menor preço, com baixa preocupação com a qualidade do que se quer adquirir; complexidade de regras, que cria ambiente propício à concentração de mercado e à corrupção[1].
Essas críticas valem tanto para aquisições corriqueiras de itens de escritório como para a construção de um hospital de referência. A lei de licitações não parece distinguir prioridades e se preocupa demais com minúcias pouco relevantes para qualificar o contratante e o objeto contratado.
Em situações de emergência, a inadequação desse regime é bem maior. Não há como aguardar o prazo mínimo entre a publicação do edital e a sessão de abertura dos envelopes. E há ainda o risco de uma decisão judicial ou administrativa paralisar o certame. É preciso agir rápido e com precisão.
Para esses casos, a lei de licitações prevê a contratação direta por emergência ou calamidade pública (art. 24, IV). Essa medida está na legislação desde o decreto-lei 200, de 1967 (art. 126, § 2º, h). Apesar disso, contratações sem licitação para atender emergências são alvo de intensa desconfiança. Se, de um lado, há desvios no uso desse instrumento, de outro, parece haver predisposição para considerá-lo irregular. A literatura oferece exemplos a respeito desse debate[2] e há jurisprudência dos órgãos de controle sobre o tema[3].
A impressão é que os órgãos de controle tendem a minimizar as situações de emergência, que, em tese, poderiam ensejar a dispensa de licitação. É comum atribuir comportamento desidioso ao gestor público por não ter adotado medidas preventivas à situação excepcional; ou questionar a própria ocorrência da situação emergencial. Em ambos os casos, o que se verifica é uma tendência à idealização, distante do mundo real e das dificuldades da administração pública.
Não surpreende que a lei federal nº 13.979/2020 tenha se preocupado em criar regime especial para as contratações emergenciais durante a crise do covid-19. Ela estabeleceu a presunção de emergência para todas as contratações destinadas “ao enfrentamento da emergência de saúde pública” (art. 4º-B), diminuindo o ônus do gestor ao motivar contratações sem licitação.
Precisou-se de uma pandemia global para que se buscasse diminuir a desconfiança contra as contratações diretas por emergência. E os fatos não foram suficientes: sem a edição de uma nova lei nacional os gestores não teriam segurança.
A ampla aceitação da dispensa presumida da lei 13.979/2020 sugere que a emergência nacional é mais real do que a vivenciada cotidianamente pelas administrações subnacionais, com escassos recursos humanos e financeiros. No entanto, a emergência que mata cidadãos da pequena cidade do interior de Sergipe, o menor da Federação, também é importante e grave. E, portanto, igualmente impossível de ser enfrentada pelos procedimentos da lei 8.666/93. A reforçar este ponto, o Congresso Nacional promulgou recentemente a emenda constitucional número 106, que autoriza o poder executivo federal a adotar procedimento simplificados de contratações públicas, sem mencionar os demais poderes e as entidades subnacionais.
A emergência presumida da lei 13.979/2020 é uma resposta à sacralidade do regime atual de licitações e à visão utópica de que é possível planejar tudo. Os deveres da licitação e de planejamento não podem, nas situações de emergência, serem usados como armas apontadas para o gestor público. Licitações são importantes, claro. E planejar também. Mas é preciso ter olhos para a realidade. É difícil, da perspectiva do ambiente controlado dos gabinetes e escritórios, levar a sério a emergência que está longe.
No contexto de desigualdade federativa, em que a imensa maioria dos municípios sequer tem receitas próprias para suas estruturas administrativas, é injusto e ingênuo impor a todos os gestores o mesmo dever de bem planejar. Na escassez, o gestor público tem de escolher entre prover a merenda escolar, única fonte de alimentação para muitas crianças, ou construir o muro de arrimo para suportar chuvas torrenciais futuras. Ou decidir entre o abastecimento de remédios para o posto de saúde e a campanha de prevenção contra a dengue. É claro que tanto as chuvas de verão quanto as doenças sazonais são previsíveis. Mas ambas disputam lugar com demandas presentes e, por vezes, mais urgentes.
Importantes líderes mundiais, como Barack Obama[4] e Bill Gates[5], alertaram para uma pandemia global e ninguém fez nada no Brasil. Essa falha de planejamento não impede que se faça agora a dispensa das licitações. A lei 13.979/2020 reconhece que, se a emergência chegou, é preciso enfrentá-la com eficiência e rapidez, sem exageros formais e sem questionar o passado.
A experiência pela qual estamos passando oferece a oportunidade para refletir seriamente sobre o sistema brasileiro de contratações públicas. Que ele possa oferecer soluções céleres e efetivas, para atender às necessidades diárias e às excepcionais da administração e da coletividade, em âmbito nacional e local. Menos idealização e preconceitos – e mais resultado. O dever de reformar o regime habitual de contratações públicas é premente. Passada a pandemia, que se retome a tarefa.
Até lá, fique em casa.
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[1] Sobre o tema, conferir André Rosilho, Licitação no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013.
[2] Por todos, conferir Carlos Ari Sundfeld, “Dispensa de licitação por emergência. Condições de validade e o problema da responsabilidade do contratado” in Pareceres, Vol. III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pp.: 21-34.
[3] Como mostra Juliana Bonacorsi de Palma, em coluna neste Jota, disponível em [https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/o-controle-em-tempos-de-coronavirus-25032020], acesso em 1/5/2020.
[4] Now This News, “Obama warned the U.S. to prepare for a pandemic back in 2014”, Youtube, 9/4/2020. Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=pBVAnaHxHbM], acesso em 1/5/2020.
[5] Bill Gates, “A better response to the next pandemic”, Gates Notes, 18/1/2010. Disponível em [https://www.gatesnotes.com/Health/A-Better-Response-to-the-Next-Pandemic], acesso em 1/5/2020.
Read MoreEm que hipóteses as vagas reservadas a pessoas com deficiência devem ser revertidas para a ampla concorrência?
Na ausência de candidato aprovado para vaga de pessoa com deficiência (PCD), o próximo candidato da ampla concorrência deve ser nomeado.
A Constituição Federal brasileira tem insculpida em si, no artigo 37, inciso II, o mandamento normativo de que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, cujo escopo é selecionar, por critérios objetivos, estabelecidos em edital, o candidato mais bem preparado e nomeá-lo.[1]
Na mesma esteira, o inciso VIII deste mesmo artigo constitucional[2] promana a regra de que a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para pessoas portadoras de deficiência, definindo os critérios de admissão destes.
Sabe-se, também, que os concursos públicos são lançados por meio de edital, que consiste em um documento escrito pelo qual a Administração institui as “regras” da competição que, ao final, selecionará os candidatos com melhor desempenho a ocuparem as vagas.
É claro que, devido à sua natureza administrativa, o edital do concurso público, antes de tudo, deverá ser observado pelo prisma dos princípios-base da Administração, a saber: da legalidade (embasamento de ação ou inação na lei); da impessoalidade (a administração não fará distinções para com os que dela fruam); da moralidade (necessidade de haver embasamento valorativo nos atos administrativos); da publicidade (os atos da administração serão, em regra, públicos); e da eficiência (optar-se-á, sempre, pela medida de melhor relação entre custo e benefício).
Ainda no que toca ao edital, como consectário do microssistema principiológico acima explicitado, vige o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, isto é, ao edital, assentando o dever da Administração de cumprir integralmente com o conteúdo regrado pelo edital.
Trata-se, a bem da verdade, de princípio baseado também na crença que o cidadão deposita na atuação administrativa, o chamado “princípio da confiança legítima”. Ou seja, o cidadão confia que a Administração Pública, ao publicar as “regras do jogo”, não fugirá delas durante o certame.
No nosso ordenamento jurídico, a análise judicial é permitida quando existe alguma ilegalidade na atuação administrativa durante o concurso público. Isto é, o Poder Judiciário atua em defesa dos candidatos quando a Administração pratica alguma ilegalidade, que foge ao seu poder discricionário. Nesse sentido, em razão do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, o Poder Judiciário está legitimado a agir quando a Administração não segue as regras do edital que ela mesma publicou – e, portanto, se vinculou.
Trazendo-se esse raciocínio ao presente tema, surge a questão que é objeto do presente texto: em que hipóteses as vagas reservadas a pessoas com deficiência devem ser revertidas para a ampla concorrência?
É seguro afirmar que, existindo previsão no edital de que, na hipótese de não haver pessoa(s) com deficiência (PCD) aprovada(s) no certame “abre-se” a vaga ao aprovado em ampla concorrência, surgirá o direito subjetivo à nomeação do próximo candidato eventualmente aprovado em ampla concorrência, para a vaga em questão, ainda que originalmente em cadastro de reserva.
Ou seja, contanto que (a) não existam candidatos PCD em número suficiente para preencher todas as vagas previstas nesta lista especial e (b) exista previsão no edital para essa hipótese, a Administração será obrigada a seguir a regra que ela própria estabeleceu e, assim, a proceder à nomeação dos candidatos aprovados na ampla concorrência para ocupar os cargos inicialmente previstos para as pessoas com deficiência (PCDs).
Foi com esse entendimento que, no final de 2019, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tendo como relator o Ministro Sérgio Kukina, decidiu pelo conhecimento e provimento do Recurso em Mandado de Segurança (RMS) nº 59.885 – MG (2019/0019507-3).
Na ocasião, a recorrente foi aprovada em 6º lugar, em ampla concorrência, em concurso público destinado ao provimento. Por sua vez, o edital previra 5 vagas para ampla concorrência e 1 vaga reservada para pessoa com deficiência física.
Acontece que, quando da homologação final do certame, não houve aprovação de pessoas com deficiência, mas, da mesma forma, não restou preenchida a vaga anteriormente reservada – ou seja, foram nomeados originalmente apenas 5 candidatos. Diante dessa situação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, tal como previra o edital, as vagas reservadas não preenchidas deveriam ser revertidas para os candidatos aprovados e classificados em ampla concorrência e, então, a Administração tinha o dever de nomear o próximo candidato da lista geral, mesmo que em cadastro de reserva.
Portanto, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que, na hipótese de previsão no edital, as vagas reservadas para pessoas com deficiência devem ser revertidas para ampla concorrência quando não houver aprovados que preenchem o requisito. Confira-se a ementa da decisão:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. VAGAS RESERVADAS A PESSOAS COM DEFICIÊNCIA REVERTIDAS PARA AMPLA CONCORRÊNCIA. PREVISÃO ESPECÍFICA NO EDITAL DO CERTAME. DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO. RECURSO PROVIDO.
1. Na hipótese em que há previsão específica no edital do certame, as vagas reservadas devem ser revertidas para a ampla concorrência, quando não houver aprovados que preenchem a condição de pessoas com deficiência.
2. Demonstrada a ausência de pessoas com deficiência aprovadas no certame, faz jus à vaga revertida à ampla concorrência o candidato aprovado e classificado, segundo a ordem classificatória final, nos termos do que expressamente dispõe o edital do concurso.
3. Recurso provido para reformar o acórdão recorrido e conceder a segurança, reconhecendo à impetrante o direito líquido e certo à pretendida nomeação, como requerido na exordial.[3]
Consoante se depreende da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), verifica-se que, com base na Constituição Federal e na jurisprudência pátria, a Administração deve proceder à nomeação de candidatos aprovados na ampla concorrência quando, havendo previsão no edital, as vagas reservadas a pessoas com deficiência não foram preenchidas em sua inteireza.
Embora o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não tenha enfrentado, neste caso, uma situação em que havia omissão editalícia a respeito desta reversão da vaga à ampla concorrência, é razoável entender que a solução jurídica provavelmente seria a mesma, uma vez que a reserva de vagas reporta-se tão somente a uma qualificação do candidato apto a ocupar a vaga anunciada, mas não retira a presunção de necessidade de preenchimento desta vaga em caso de inexistência de candidatos aprovados nesta lista reservada, levando ao natural preenchimento pela lista geral.
[1] CRFB/88, Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[…]
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; […]
[2] Art. 37. […] VIII – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;
[3] STJ – RMS Nº 59.885 – MG (2019/0019507-3), Relator: Min. SÉRGIO KUKINA. PRIMEIRA TURMA. Data de Julgamento: 17/10/2019.
Read MoreExceto nos casos em que houver alguma regulamentação específica e própria, a Administração terá liberdade para empreender uma pesquisa de mercado com os potenciais particulares a serem contratados, estabelecendo diálogos público-privados com esses potenciais fornecedores, devidamente registrados no processo administrativo. A partir de uma análise discricionária e motivada das diferentes opções, elegerá o particular a ser contratado diretamente, justificando tal seleção.
Como deve ser selecionado o particular no processo de contratação direta por dispensa de licitação regida pela Lei nº 8.666/1993?
Apesar das diversas modalidades de licitação que visam à seleção, pela Administração, do particular mais qualificado para a execução de um contrato público, a Lei Federal nº 8.666/1993 também permite, em alguns casos excepcionais, a contratação direta por dispensa de licitação. Estas hipóteses estão previstas no rol taxativo dos incisos do artigo 24.
Nessa categoria de contratação que não depende de licitação, encontram-se as situações em que o legislador optou que, embora fosse tecnicamente possível, a realização do certame seria indesejada. Nesse cenário, em vez de proceder à licitação pública, o legislador entendeu que seria mais adequado contratar diretamente a empresa contratada.
Antes de tudo, é preciso salientar que a opção pela contratação direta, seja por dispensa ou inexigibilidade de licitação, deve ser feita em razão da necessidade administrativa observada pela Administração quando do planejamento da contratação pública. É dizer: durante a fase interna do processo de contratação, a Administração identifica a sua necessidade e elege a solução que mais bem atende a essa necessidade. Se essa solução estiver enquadrada na hipótese de dispensa, ela será válida.
Seguindo a análise, tem-se que o rol de hipóteses, contido no artigo 24 da Lei Federal nº 8.666/1993, é taxativo. Isto é, as hipóteses de dispensa de licitação estão dispostas nos incisos do artigo 24 e o administrador está permitido a contratar diretamente, por dispensa, apenas quando o caso se enquadrar na descrição da hipótese.
Alguns exemplos comumente vistos na prática administrativa são as situações que, em razão de um caso de emergência, possuem urgência na resolução de uma demanda administrativa, de modo que a realização de licitação pública seria imprópria pela demora na obtenção do contrato (inciso IV do artigo 24 da Lei Federal nº 8.666/1993), e as hipóteses de contratação de pequeno valor (incisos I e II do artigo 24), em que a realização do procedimento licitatório produziria um custo desproporcional ao valor do contrato administrativo pretendido.
A título de informação, menciona-se que a Lei Federal nº 13.979/2020, editada para auxiliar no enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, previu uma nova hipótese de dispensa de licitação: nas situações em que a Administração pretende contratar bens, serviços (inclusive de engenharia) e insumos destinados ao enfrentamento da pandemia de COVID-19 (artigo 4º da Lei Federal nº 13.979/2020[1]).
Sobre o procedimento a ser empreendido para a contratação direta por dispensa de licitação, é importante salientar o que dispõe o artigo 26 da Lei nº 8.666/1993[2]. Este dispositivo determina que as dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do artigo 17 e, para o que interessa a este texto, no inciso III e seguintes do artigo 24 devem ser comunicadas, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.
Vale ressaltar, ainda, o parágrafo único do mesmo artigo 26, segundo o qual:
Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I – caracterização da situação emergencial, calamitosa ou de grave e iminente risco à segurança pública que justifique a dispensa, quando for o caso;
II – razão da escolha do fornecedor ou executante;
III – justificativa do preço.
IV – documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados;
Mas, afinal, como devem ser interpretados tais regramentos?
Pois bem. Em relação à dúvida sobre a necessidade de que a Administração estabeleça regras objetivas no que toca à quantidade de empresas chamadas a apresentarem propostas e no que toca à forma de seleção da contratada, antecipa-se que não há qualquer previsão legal que determine, de forma objetiva, o número mínimo de empresas a serem chamadas para apresentação de proposta, tampouco há regramento para com os critérios a serem utilizados pela Administração para selecionar a empresa contratada.
Em outras palavras, não há qualquer impedimento legal, ou regulamentação em nível de lei, sobre o número de empresas que devem apresentar proposta e nem sobre os critérios que a Administração precisaria avaliar para selecionar o contratado. Estas questões dizem respeito às licitações, não à dispensa. Ou seja, a Lei Federal nº 8.666/1993 permite o ato de dispensar a licitação, mas não o delimita.
A regulamentação do procedimento para seleção do particular a ser contratado diretamente pode, eventualmente, ocorrer no âmbito infralegal de cada ente federado – tal como no âmbito federal, em que se prevê a dispensa eletrônica (artigo 51 do Decreto Federal nº 10.024/2019), ainda não regulamentada, que deverá substituir a cotação eletrônica (Portaria MPOG nº 306/01), ambos mecanismos destinados à seleção simplificada de fornecedor que apresente o menor preço para contratações de bens de pequeno valor.
Agora, esta ausência de critérios legais objetivos para a seleção da licitante não significa que se está em ambiente de plena liberalidade do agente público. Não. A escolha é discricionária, sim, porém devidamente – e tecnicamente – motivada. E afirma-se isto com tamanha categoria porquanto o próprio artigo 26 da Lei de Licitações e Contratos, em seu parágrafo único, supracitado, impõe que as seleções feitas pela Administração, ainda que em caso de dispensa de licitação, sejam devidamente justificadas.
Obrigatoriamente, o agente público deve apresentar a razão da escolha do fornecedor ou executante (artigo 26, parágrafo único, inciso II) e, também, a justificativa do preço (artigo, parágrafo único, inciso III). Sendo tais requisitos preteridos, impõe-se a anulação do ato administrativo que selecionar a empresa, ou mesmo do contrato.
A propósito, o Tribunal de Conta da União (TCU) possui jurisprudência pacífica a qual caminha na mesma direção: é preciso justificar a escolha da empresa contratada. Tanto o é, que o ministro Marcos Bemquerer Costa, relator do Acórdão nº 2186/2019, postulou que “a legislação, no caso de dispensa de licitação, não impõe regras objetivas quanto à quantidade e à forma de seleção do contratado, mas determina que essa escolha seja justificada”[3].
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) trilha o mesmo rumo. Em sede de Agravo em Recurso Especial[4], afirmou o relator, ministro João Otávio de Noronha, ser “incontroverso que a falta de justificativa (pautada no interesse público) levada a efeito no caso em exame, impõe a nulidade do ato. Ademais, não houve sequer procedimento prévio acerca da dispensa da licitação com suas justificativas, como exige o artigo 26 da Lei 8666/93 […]”.
Exceto nos casos em que houver alguma regulamentação específica e própria, a Administração terá liberdade para empreender uma pesquisa de mercado com os potenciais particulares a serem contratados, estabelecendo diálogos público-privados com esses potenciais fornecedores, devidamente registrados no processo administrativo. A partir de uma análise discricionária e motivada das diferentes opções, elegerá o particular a ser contratado diretamente, justificando tal seleção.
Portanto, conclui-se que, embora não haja regras concretas e objetivas no atinente à quantidade e à forma de seleção do contratado, deve a Administração, necessariamente, e em atenção ao parágrafo único do artigo 26 da Lei Federal nº 8.666/93, apresentar a razão da escolha do contratado e a justificativa do preço, sob pena de nulidade do ato.
[1] Art. 4º É dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei.
[2] Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos
[3] TCU – RP: 00174720185, Relator: MARCOS BEMQUERER, Data de Julgamento: 11/09/2019, Plenário.
[4] STJ – AREsp: 1610192 MS 2019/0323149-7, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Publicação: DJ 03/02/2020.
Read MoreEduardo de Carvalho Rêgo[1]
Nos últimos dias, o futuro Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ministro Luís Roberto Barroso, admitiu em entrevistas o “risco real” de adiamento das eleições municipais de 2020, tendo em vista o aumento exponencial de casos de contaminação pelo novo coronavírus (Covid-19) nos mais diversos Estados brasileiros. Segundo o Ministro, a decisão de adiar as eleições de 2020 precisaria ser tomada, no mais tardar, no mês de junho.
A providência não seria simples, pois a data das eleições municipais está categoricamente prevista nos incisos I e II do art. 29 da Constituição Federal:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
I – eleição do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o País;
II – eleição do Prefeito e do Vice-Prefeito realizada no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término do mandato dos que devam suceder, aplicadas as regras do art. 77, no caso de Municípios com mais de duzentos mil eleitores; […].
A regra é muito clara e não está sujeita a distorções: o primeiro turno das eleições municipais para Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores deve acontecer, de quatro em quatro anos, sempre no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término do mandato dos que devam suceder. Caso haja necessidade de um segundo turno para o preenchimento das vagas do Poder Executivo, este deverá ocorrer no último domingo de outubro do ano eleitoral, nos Municípios que contarem com mais de duzentos mil eleitores
Muitos defendem que, diante do texto peremptório acima mencionado, não haveria margem para adiamento das eleições em nenhuma hipótese, sendo imperativa a sua realização, independentemente da pandemia da Covid-19. Em outros termos: há quem entenda que, por não haver exceção prevista constitucionalmente, as eleições de 2020 devem ocorrer de qualquer maneira, mesmo que isso provoque um agravamento da pandemia.
Vale lembrar que, em sentido amplo, o termo “eleição” não se refere apenas ao dia da votação, isto é, ao primeiro e ao último domingo de outubro do ano eleitoral – neste último caso, na hipótese de necessidade de realização de segundo turno nos Municípios com mais de duzentos mil habitantes. Com efeito, o ano eleitoral possui um calendário complexo, que envolve, entre outras atividades, a realização das convenções partidárias com a escolha dos candidatos, o registro das candidaturas propriamente ditas, a exibição de propaganda eleitoral gratuita e a apresentação da prestação parcial das contas de campanha. Isso sem contar o período reservado para testes das urnas eletrônicas e de treinamento dos mesários que irão colaborar com a Justiça Eleitoral no dia do pleito.
Ou seja: quando se fala em adiamento das eleições, não se está a considerar apenas os riscos de aglomeração no dia do pleito, mas também as relações interpessoais que precisam ser travadas nos meses que antecedem o dia de votação. Nesse sentido, não é forçoso dizer que as eleições já estão sofrendo as consequências da pandemia neste exato momento.
Qual seria, então, a solução para o problema descrito?
Em primeiro lugar, é preciso que os juristas entendam que o Direito não pode pretender se sobrepor aos fatos da vida ou, numa expressão mais coloquial, à vida real. Ora, diante de uma pandemia que está a ceifar a vida de um número expressivo de cidadãos brasileiros, o cumprimento de um prazo legal, mesmo aquele previsto na norma de maior hierarquia do país (Constituição Federal), não pode ser levado a ferro e fogo. Realizar as eleições em outubro de 2020 não é um caso de vida ou morte; o combate à pandemia da Covid-19 é. Em síntese: se o contágio do novo coronavírus não for sensivelmente contido no próximo mês, então obviamente as eleições não poderão se realizar.
É mais ou menos isso que indicou o Ministro Luís Roberto Barroso quando se referiu à necessidade de se tomar uma decisão até o mês de junho, pois é nesse mês que são realizados os testes das urnas eletrônicas, que garantem a lisura do pleito, além das convenções partidárias, que acabam por definir o nome dos candidatos que concorrerão no pleito, e a formação de coligação para as disputas majoritárias.
Ao que tudo indica, caso a pandemia não arrefeça, no mês de junho, quando já terá assumido a Presidência da Corte Eleitoral, Barroso tomará a iniciativa de intermediar um movimento político pelo adiamento das eleições, que deverá vir, necessariamente, por meio de uma Emenda Constitucional.
A solução menos traumática seria incluir no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) regra específica e limitada apenas para as eleições de 2020, que poderiam ocorrer em novembro ou dezembro, considerando os impactos produzidos pela pandemia do novo coronavírus. Em assim procedendo, eleições futuras não seriam abarcadas por tal Emenda.
Sabe-se que já existem propostas tramitando no Congresso Nacional, no sentido de prorrogar os mandatos dos atuais Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores até 2022, ocasião em que as eleições gerais (para Presidente, Vice-Presidente, Senadores, Governadores, Deputados Federais e Estaduais) e as eleições municipais (Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores) seriam doravante unificadas.
Entretanto, tais propostas não agradam ao próximo Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que vê com bons olhos as eleições de dois em dois anos, por serem um “rito vital para a democracia”.
De fato, na atual conjuntura política brasileira, o pleito eleitoral parece ser o momento em que o princípio democrático mais se conecta com os cidadãos. Nesse sentido, diminuir a frequência dos pleitos, de dois para quatro anos, poderia provocar um resultado deletério, aumentando o desinteresse do brasileiro pela política. De qualquer modo, parece inadequado e, em certo sentido, oportunista propor uma discussão dessa envergadura em meio a uma situação de extrema excepcionalidade, tal como a que ora se apresenta a todos os brasileiros.
Com a definição do adiamento em junho, certamente um novo calendário eleitoral será proposto e, a partir dele, poderemos compreender melhor o impacto da Covid-19 nas eleições de 2020.
[1] Eduardo de Carvalho Rêgo – Advogado. Coordenador das Unidades de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Doutor em Direito, Política e Sociedade e Mestre em Teoria, História e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
Read MoreA legislação que rege o ingresso e a carreira militar é a Lei Federal nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), sendo que, neste diploma normativo, não há qualquer disposição de que deve ser utilizado o índice de massa corpórea (IMC) como parâmetro para aferir a aptidão médica dos aspirantes a militar.
Candidatos de concurso militar não podem ser eliminados em razão do Índice de Massa Corporal (IMC), decide STJ
É sabido que, em razão de regra constitucional, o ingresso em cargo público depende de aprovação em concurso público, ocasião em que o candidato será avaliado por critérios objetivos, previstos em lei e no edital do certame. No caso de concurso público militar, para ingresso nas Forças Armadas constituídas pela Marinha, Exército e Aeronáutica, a Constituição Federal conferiu especial atenção ao processo de escolha dos candidatos, tendo em vista a função altamente sensível para salvaguarda da soberania nacional e na garantia da democracia.
Especificamente, o inciso X do artigo 142 da Constituição[1] confere à lei a função de dispor sobre o ingresso nas Forças Armadas, em especial quanto aos critérios de seleção. Ou seja, as regras aplicáveis aos concursos militares para preenchimento de cargos devem ser estabelecidas por norma com estatura hierárquica de lei – sendo inaplicável, nesse sentido, qualquer inovação por meio de normas infralegais ou editalícias.
Hoje, a legislação que rege o ingresso e a carreira militar é a Lei Federal nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), sendo que, neste diploma normativo, não há qualquer disposição de que deve ser utilizado o índice de massa corpórea (IMC) como parâmetro para aferir a aptidão médica dos aspirantes a militar. Assim sendo, é ilegal a eliminação de candidato que, aprovado nas demais fases do concurso público, possua IMC superior ao mínimo estabelecido em edital.
Como a lei não autoriza a utilização desse critério, a exclusão de candidatos com base nele é uma prática ilícita passível de controle pelo Poder Judiciário.
Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou este entendimento e afastou a possibilidade de eliminar candidatos em concurso militar em razão do IMC, uma vez que inexiste na lei de regência autorização específica, não sendo suficiente a mera inclusão do requisito no edital. Leia-se:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. INGRESSO NA CARREIRA MILITAR. APTIDÃO FÍSICA. ÍNDICE DE MASSA CORPORAL. PREVISÃO LEGAL ESPECÍFICA. INEXISTÊNCIA. […]
A lei de regência das forças armadas (Estatuto dos Militares – Lei nº 6.880/80) não elenca nenhuma exigência quanto ao limite de altura, peso ou IMC para o ingresso na carreira, de modo que a previsão de algum desses requisitos, em concursos públicos, somente seria permitida mediante respaldo legal específico, compatível com as atribuições do cargo, sendo insuficiente a mera inclusão como cláusula do edital.
3.Agravo interno desprovido.[2]
Esta decisão não foi tomada de modo isolado, mas representa o entendimento jurisprudencial pacífico do Poder Judiciário. Confiram-se outras decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que é o órgão responsável por uniformizar o entendimento das decisões judiciais em território brasileiro:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO. CURSO DE FORMAÇÃO DE TAIFEIROS. LIMITAÇÃO DE PESO PREVISTO NO EDITAL. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. […]
III – No caso, por mais que se possa compreender a razoabilidade da eventual fixação de limite de altura e peso para ingresso em determinadas carreira, é forçoso reconhecer que a lei (Estatuto dos Militares – Lei nº 6.880/80) não elenca qualquer exigência quanto ao limite de altura e peso ou IMC para o ingresso nas Forças Armadas, mormente para a matrícula no Curso de Formação de Taifeiros.
IV – Agravo interno improvido.[3]
[…] CONCURSO PÚBLICO. INGRESSO NA CARREIRA MILITAR. APTIDÃO FÍSICA. ÍNDICE DE MASSA CORPORAL. CRITÉRIO. EXIGÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL ESPECÍFICA. AUSÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO. […] III – A exigência de limites máximo e mínimo de Índice de Massa Corporal (IMC), em concursos públicos, somente é permitida mediante previsão legal específica, compatível com as atribuições do cargo. Precedente.
IV – Recurso improvido.[4]
O posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) é compartilhado pelos demais Tribunais pátrios. É o caso do Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4), que também decidiu no sentido de que “A Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares), de forma alguma estabelece especificamente os requisitos para exames de saúde em concursos às fileiras militares. Portanto, evidente que não existe a fixação do Índice de Massa Corpórea – IMC como fator à aptidão ou não para ingresso na carreira militar, sendo defeso fazê-lo através de portaria ou Edital de concurso, à míngua de Lei que o autorize” (AC nº 5003370-91.2017.4.04.7101/RS, Relator Desembargador Rogério Favreto).
Constata-se, assim, que predomina o entendimento dos tribunais pátrios de que é juridicamente imprópria a eliminação de qualquer candidato em concurso público para ingresso em cargo das Forças Armadas em razão do índice de massa corpórea (IMC), ainda que este requisito conste de portaria ou do edital do certame, uma vez que a legislação de regência (Estatuto dos Militares – Lei Federal nº 6.880/80) não possui disposição que autorize o estabelecimento desta restrição.
Assim, candidatos a estes cargos que, em concursos públicos, forem eliminados em fase de avaliação médica por causa do seu índice de índice de massa corpórea podem, por meio da propositura de ação judicial, buscar o reconhecimento da nulidade desta decisão. Uma vez reconhecida esta ilegalidade, como a vasta jurisprudência vem fazendo, o candidato deverá ser mantido para participar das demais fases e, a depender da sua aprovação, ser nomeado e empossado no respectivo cargo.
[1] Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
[…]
X – a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.
[2] STJ, AgInt no REsp 1761455/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/12/2019.
[3] STJ, AgInt no REsp 1570361/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2018.
[4] STJ, REsp 1610667/RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/12/2017.
Read MorePor inúmeras potenciais razões, há casos em que o contratado não é capaz de manter ou de comprovar a manutenção de sua regularidade fiscal durante a execução do contrato. E aí surge a questão: qual a consequência jurídica?
O Poder Público pode se recusar a pagar por serviços já prestados em razão de irregularidade fiscal posterior à celebração ou execução do contrato?
A prestação de serviços para a Administração Pública, de maneira geral, pode ser uma estratégia atrativa para empresas privadas que visam a firmar contratos de larga escala e/ou de longo prazo, em busca de lucros ou, ao menos, de fluxo financeiro, em benefício de sua saúde financeira, posicionamento no mercado ou até mesmo de expansão de atividades.
Entretanto, esta oportunidade é acompanhada de uma série de obrigações típicas, que não são comuns às contratações privadas. Ou seja, o processo de contratação pública é permeado de fases burocráticas, as quais demandam a apresentação, pelo particular, de uma grande quantidade de documentos a fim de comprovar, dentre outras coisas, as exigências contidas no inciso IV do artigo 27 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei Federal nº 8.666/93), que estabelece a regularidade fiscal como condicionante para a habilitação da empresa na licitação.
Sobre o tema, é necessário observar as determinações feitas pelo artigo 29 da referida Lei, que consistem, especificamente, na prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei. E essa demonstração de regularidade fiscal deve ocorrer na fase de habilitação da empresa licitante, que se dá, invariavelmente, em momento anterior ao início da execução dos serviços contratados.
Ocorre que, de acordo com o inciso XIII do artigo 55 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, o contratado tem a obrigação de “manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação”. Aplicando-se ao tema em análise, isto significa que o contratado precisa manter, durante a execução do contrato, a sua regularidade fiscal perante a Fazenda Pública.
Por inúmeras potenciais razões, há casos em que o contratado não é capaz de manter ou de comprovar a manutenção de sua regularidade fiscal durante a execução do contrato. E aí surge a questão: qual a consequência jurídica? A Administração Pública pode reter o pagamento por prestações já executadas? Deve-se rescindir o contrato?
Conforme se comprova a partir de inúmeros casos levados à análise do Poder Judiciário, há casos em que a Administração Pública retém repasses financeiros a empresas contratadas, após o início da execução dos serviços, em razão de irregularidades fiscais surgidas posteriormente à celebração ou execução do contrato.
No entanto, como não existe previsão legal que possibilite a imposição desta prática, tampouco isto se caracteriza como uma possibilidade de penalidade administrativa, os Tribunais possuem decisões reconhecendo a ilegalidade desta conduta administrativa.
Este entendimento é evidenciado em decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de maio de 2019, proferida pela Segunda Turma de Direito Público, segundo a qual, “apesar de ser exigível a Certidão de Regularidade Fiscal para a contratação com o Poder Público, não é possível a retenção do pagamento de serviços já prestados, em razão de eventual descumprimento da referida exigência” (STJ, AgInt no REsp 1742457/CE).
De acordo com o voto do Relator Ministro Francisco Falcão, acolhido por unanimidade, a imposição de regularidade fiscal como condição para pagamento de serviços já prestados implicaria em afronta aos princípios norteadores da atividade administrativa, uma vez que não se revela razoável “que a comprovação de regularidade fiscal seja imposta como condição para a liberação do pagamento pelos serviços prestados”.
Ressalta-se que não se trata de um entendimento isolado da Segunda Turma. Conforme se depreende do acórdão RMS 53.467/SE, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, que seguiu exatamente na mesma linha de que é “vedada a retenção do pagamento pelos serviços prestados”.
Inclusive, o Tribunal de Contas da União (TCU) compartilha do entendimento do STJ, como se verifica do Acórdão 964/2012, do Plenário, cujo relator foi o Ministro Walton Alencar Rodrigues. O posicionamento do TCU nesse caso gerou o seguinte enunciado:
Enunciado
A perda da regularidade fiscal, inclusive quanto à seguridade social, no curso de contratos de execução continuada ou parcelada justifica a imposição de sanções à contratada, mas não autoriza a retenção de pagamentos por serviços prestados. (TCU, Acórdão 964/2012, Plenário. Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues. Julgado em 25/04/2012)
Abaixo estão as ementas dos acórdãos da Segunda Turma do STJ mencionados:
AGRAVO INTERNO. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE. CONTRATAÇÃO COM A MUNICIPALIDADE. SERVIÇOS JÁ REALIZADOS. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE REGULARIDADE FISCAL. RETENÇÃO DO PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
I – Na origem, a Associação Beneficente Cearense de Reabilitação – ABCR impetrou mandado de segurança contra ato do Secretario de Saúde do Município de Fortaleza, pretendendo receber o repasse financeiro relativo a serviços por ela prestados, decorrente de contrato entabulado entre as partes, sem a necessidade de apresentação de certidão negativa expedida pela Fazenda Pública Nacional.
II – O Tribunal a quo manteve a decisão concessiva da ordem.
III – Ao recurso especial interposto pela municipalidade foi negado provimento, com base na Súmula 568/STJ, em razão da jurisprudência da Corte encontrar-se pacificada no mesmo sentido da decisão recorrida: apesar de ser exigível a Certidão de Regularidade Fiscal para a contratação com o Poder Público, não é possível a retenção do pagamento de serviços já prestados, em razão de eventual descumprimento da referida exigência. Precedentes: REsp n. 1.173.735/RN, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 9/5/2014, RMS n. 53.467/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27/06/2017, dentre outros.
IV – Os argumentos trazidos pelo agravante não são suficientes para alterar o entendimento prestigiado pela decisão atacada.
V – Agravo interno improvido. [grifo acrescido]
(STJ, AgInt no REsp 1742457/CE, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 23/05/2019, DJe 07/06/2019).
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRATO ADMINISTRATIVO. ILEGALIDADE NÃO CONFIGURADA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO.
[…] 2. O Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe concedeu parcialmente a ordem, para determinar à autoridade impetrada, exclusivamente, que se abstenha de condicionar o pagamento relativo às faturas das notas fiscais referentes aos serviços executados, decorrentes do contrato administrativo 55/2013, à apresentação de certidões negativas de débitos e/ou de regularidade fiscal (fls. 121-129, e-STJ).
- A decisão impugnada não merece reforma, pois cabe à recorrente cumprir com sua obrigação de apresentar a comprovação de sua regularidade fiscal, sob pena de ver rescindido o contrato com o Município pelo descumprimento de cláusula contratual, em que pese ser vedada a retenção do pagamento pelos serviços prestados, como ocorreu na espécie, no que tange às notas fiscais apresentadas na petição inicial. […]
- A recorrente não trouxe argumento capaz de infirmar os fundamentos da decisão recorrida e demonstrar a ofensa ao direito líquido e certo.
- Recurso Ordinário não provido. [grifo acrescido]
(STJ, RMS 53.467/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 30/06/2017)
Portanto, o entendimento que prevalece na Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Tribunal de Contas da União (TCU) é de que, embora seja dever da empresa contratada comprovar a sua regularidade fiscal, inclusive durante a execução do contrato, o Poder Público não pode se recusar a pagar pelos serviços já prestados, sob pena de cometer um ato administrativo ilegal e passível de reforma pelos órgãos de controle. As exceções existentes a este entendimento são bastante pontuais e estão relacionadas a casos em que a Administração Pública corre o risco de ser responsabilizada pelo débito fiscal pendente e inadimplido por parte do contratado.
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