Os valores foram caracterizados com natureza de investimento e, portanto, devem ser partilhados na dissolução do casamento.
Na última semana, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) botou uma pá de cal na controversa discussão a respeito da partilha de bens em planos de previdência privada aberta (VGBL e PGBL).
No voto, a Relatora, Ministra Nancy Andrighi, destaca que diferente da previdência privada fechada que possui entraves de natureza financeira e atuarial, a previdência aberta pode ser objeto de contratação por qualquer pessoa física ou jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual caberá ao investidor, com ampla liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, resgates antecipados ou parcelamento até o fim da vida.
No entendimento da Turma, no período em que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, semelhante ao que ocorreria se os valores das contribuições e dos eventuais aportes fossem investidos em fundos de renda fixa ou na aquisição de ações.
Assim, para evitar distorções no regime de bens do casamento e também na sucessão, uma vez que bastaria ao investidor direcionar seus aportes para essa modalidade para frustrar eventual meação do cônjuge ou legítima dos herdeiros, os valores foram caracterizados com natureza de investimento e, portanto, devem ser partilhados na dissolução do casamento por não estarem abrangidos pela regra do artigo 1.659, inciso VII, do Código Civil[1].
E você concorda com o posicionamento adotado pela Terceira Turma do STJ?
Fonte: Recurso Especial n. 1.698.774/RS (2017/0173928-2)
[1] CC. Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
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A mobilidade das famílias e de seus patrimônios envolve questões tanto de direito sucessório quanto de direito internacional privado, trazendo um grande desafio para as sucessões hereditárias.
Laísa Santos[1]
Não são raras as situações em que a sucessão hereditária esbarra em aspectos internacionais, seja pela nacionalidade ou domicílio do autor da herança e dos seus sucessores ou pela existência de bens situados no exterior.
De plano, há duas questões não somente de direito sucessório, mas também de internacional privado a serem esclarecidas: qual será a lei aplicada à sucessão e a jurisdição sobre os bens que serão objeto dessa sucessão.
A mobilidade das famílias e dos seus patrimônios trouxe um grande desafio para as sucessões hereditárias, principalmente em razão do conflito de legislação com os outros países e da forma de tributação. Esses aspectos serão brevemente abordados em tópicos no presente artigo.
- Na hipótese de bens situados apenas no Brasil, onde será processado o inventário?
O Código de Processo Civil confere à autoridade judiciária brasileira, com a exclusão de qualquer outra, em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação do testamento particular e o processamento de inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional[2]. Assim, havendo bens de qualquer natureza situados no Brasil, o inventário deve aqui ser processado[3].
- Havendo bens situados no Brasil e no exterior, onde será aberto o inventário?
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) estabelece que a sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que o falecido ou o desaparecido era domiciliado[4] – regra esta que não é absoluta, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça[5].
Na hipótese de o falecido ser domiciliado no Brasil e deixar bens situados no Brasil e no exterior, haverá o processamento de dois ou mais inventários. Ou seja, um no Brasil e os demais nos respectivos países onde há bens móveis ou imóveis.
Em contrapartida, quando o falecido não for residente no Brasil, mas possuir bens no país, o inventário dos bens situados no Brasil será processado aqui, com a ressalva de que será aplicado o direito estrangeiro.
- Qual será a lei aplicada ao inventário?
Superada a questão da competência onde tramitará o processo, resta saber qual será a legislação aplicada. Evidentemente que, quando a pessoa falecida é brasileira e há apenas bens situados em território nacional, a lei aplicada será a do Brasil.
Contudo, caso o autor da herança seja estrangeiro, mas tenha deixado bens no Brasil, o inventário será aqui processado, porém, a legislação aplicada será a de domicílio do falecido.
Como regra geral, ainda que haja a abertura do inventário no exterior, o juízo da sucessão não poderá incluir na partilha bens situados no Brasil. Se assim o fizer, a partilha não produzirá efeitos aqui – salvo se a aplicação da legislação estrangeira resultar em partilha semelhante ao que ocorreria com a aplicação da legislação brasileira ou se resultar de acordo entre as partes[6]. Tal conduta é compreendida como uma consagração da jurisdição exclusiva, levando em consideração a pluralidade de juízos sucessórios, já que o juiz brasileiro também não poderá incluir na sucessão bens do espólio que estejam situados no exterior[7].
Em síntese:
Caso | Legislação | Competência |
Autor da herança domiciliado no Brasil com bens apenas aqui | Legislação brasileira | Tramitação do inventário no Brasil |
Autor da herança domiciliado no Brasil com bens aqui e no exterior | Legislação brasileira aos bens situados aqui | Tramitação do inventário no Brasil dos bens deixados aqui e no exterior dos demais bens |
Autor da herança domiciliado no exterior com bens situados no Brasil | Legislação estrangeira, salvo exceção | Tramitação do inventário no Brasil |
Autor da herança domiciliado no exterior com bens situados no Brasil e no exterior | Legislação estrangeira, salvo exceção | Tramitação do inventário no Brasil apenas dos bens deixados aqui |
- Como eu vou computar os bens situados no exterior para fins de legítima?
A pluralidade de competências sucessórias gera grande complicação na tramitação do processo e na divisão dos bens. Primeiro pois, a rigor, o que está fora do Brasil não se contabiliza para fins de legítima.
Ainda, há grande dificuldade caso o patrimônio deixado pelo autor da herança no exterior seja de bens imóveis. Em regra, será necessária a contratação de um profissional capacitado no local para fazer a avaliação do bem e estimativa do valor.
Para tentar dirimir essas questões, o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) e alguns tribunais do País, percebendo que o patrimônio está disperso em outros lugares do mundo e que houve privilégio de certos herdeiros em detrimento de outros, violando os preceitos da legislação brasileira sucessória, concedem uma compensação, considerando os bens existentes no exterior – ainda que inviável tecnicamente.
Nessa direção, aos interessados também devem ser garantidas medidas de salvaguarda de seus direitos, por exemplo: determinação para exibição de documentos ou afins sobre bens situados no exterior da pessoa falecida e expedição de ofício para conhecer saldos bancários de contas no exterior[8].
- É possível a aplicação da lei brasileira quando mais benéfica ao herdeiro e ao cônjuge?
O Direito brasileiro consagra, na Constituição Federal e na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB), o princípio da proteção à família brasileira, garantindo, assim, a aplicação da lei brasileira à sucessão dos bens situados no Brasil quando for mais benéfica do que a lei estrangeira[9].
Isso se justifica no sentido de proteger o cônjuge e os filhos brasileiros de eventuais discriminações existentes na lei estrangeira que viesse a reger a sucessão em virtude da nacionalidade o último domicílio do de cujus. Necessário ressaltar que a aplicação da lei brasileira é subsidiária, isto é, somente quando se mostrar mais favorável à lei estrangeira da sucessão.
A apuração de que a lei brasileira é mais favorável pode ser vista nos seguintes casos: (i) quando pela lei do domicílio do falecido não existe sucessão legítima, ou seja, não há uma obrigatoriedade de resguardar porcentagem dos bens para os herdeiros necessários; (ii) quando existe uma maior liberdade de testar, comprometendo, assim, a legítima; (iii) quando o cônjuge ou companheiro não é considerado herdeiro, mas seria no Brasil e; (iv) na hipótese da lei estrangeira favorecer determinados herdeiros em detrimento de outros.
- Qual é a validade dos testamentos realizados no Brasil ou no exterior?
Como anteriormente tratado em artigo que explicita as formas mais comuns de testamento, trata-se de um instrumento de manifestação de última vontade que deve atentar, rigorosamente, aos requisitos de forma do lugar em que ele for lavrado e à legislação do país de domicílio.
Desde que observado o primeiro requisito, o testamento poderá ter validade em outros países, mesmo que lavrado apenas no Brasil. Todavia, é importante ressaltar que se houver nas disposições testamentárias alguma violação de norma de ordem pública, o Brasil não determinará o cumprimento do testamento.
Diferentemente, para ter validade no Brasil o testamento feito no exterior, o testador deverá observar os requisitos de legislação previstos na Lei de Registros Públicos e nos tratados vigentes. Assim, um testamento lavrado no exterior terá de ser apostilado e acompanhado de tradução juramentada feita no território nacional. Por exemplo, um testamento feito em Portugal dispensa a tradução, mas não o apostilamento; na França, dispensa o apostilamento, mas não a tradução juramentada.
- Como são recolhidos os tributos de bens situados no exterior?
Tema extremamente sensível é o recolhimento do imposto de transmissão sobre os bens (ITCMD) situados no exterior. A Constituição da República determina que esses bens estão sujeitos à tributação. Porém, para que isso ocorra, seria necessária a criação de uma lei complementar de competência da união – que nunca foi editada.
Em razão dessa omissão, alguns estados editaram e estabeleceram nas suas próprias leis estaduais a determinação do pagamento do imposto de transmissão sobre bens situados no exterior. Alguns estados, inclusive, já decidiram em seus órgãos especiais sobre a constitucionalidade ou não desta norma. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, entende-se pela constitucionalidade da lei estadual; já no estado de São Paulo, embora haja uma decisão entendendo pela inconstitucionalidade da lei paulista, a Secretaria da Fazenda segue cobrando o imposto.
Para dirimir essa questão, o Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de repercussão geral (Tema 825), decidirá se leis estaduais podem estabelecer as normas gerais pertinentes à competência para instituir o ITCMD de bens situados no exterior ou na hipótese em que o doador tiver domicílio no exterior.
- Conclusão
Como abordado, o tema sobre sucessões de bens situados no exterior é bastante complexo e carece, ainda, de regulamentação quanto à incidência (ou não) de imposto de transmissão causa mortis na hipótese em que o bem for situado fora do Brasil.
Acima de tudo, é importante o acompanhamento do inventário por profissionais capacitados e especialistas na área, para que não haja violação da legítima tampouco preterição de algum dos herdeiros à sua quota-parte.
[1] Advogada. Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
[2] ROSA, Conrado Paulino da. Inventário e Partilha. Salvador: Editora JusPoivm, 2019, p. 355.
[3] CPC. Art. 23. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: II – em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação do testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da heranca seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional.
[4] LINDB. Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
[5] STJ, REsp n. 1362400/SP, Terceira Turma, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Julgado em 05/06/2020.
[6] Homologação de Sentença Estrangeira. Partilha De Bens Imóveis Situados No Brasil. Sentença Homologanda. Ratificação De Vontade Última Registrada Em Testamento. Citação Comprovada. Concordância Expressa Dos Requeridos. Ausência De Impugnação Posterior. Caráter Definitivo Do Julgado. Art. 89 Do Código De Processo Civil E Art. 12 Da Lei De Introdução Ao Código Civil. Ofensa. Inexistência. Precedentes. Pedido De Homologação Deferido. I – O requisito da citação válida ou revelia decretada restou devidamente cumprido, pois os então requeridos foram comprovadamente cientificados da ação, não promovendo impugnação, ou, sequer, comparecendo ao juízo. O próprio decisum foi intitulado ‘Sentença Declaratória à Revelia’. II – O feito caracterizou-se pela a inexistência de litígio, comprovada, primeiramente, pelo não comparecimento dos ora requeridos ao processo e não impugnação do pleito, bem como pela anuência expressa ao conteúdo do decisum e consequente não interposição de recurso face à sentença que aqui se pretende homologar. III – A anuência dos ora requeridos em relação ao decidido pela sentença homologanda, além da não interposição de recurso, confere natureza jurídica equivalente à do trânsito em julgado, para os fins perseguidos no presente feito. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já decidiu no sentido de que compete exclusivamente à Justiça brasileira decidir sobre a partilha de bens imóveis situados no Brasil. V – Tanto a Corte Suprema quanto este Superior Tribunal de Justiça já se manifestaram pela ausência de ofensa à soberania nacional e à ordem pública na sentença estrangeira que dispõe acerca de bem localizado no território brasileiro, sobre o qual tenha havido acordo entre as partes, e que tão somente ratifica o que restou pactuado. Precedentes. VI – Na hipótese dos autos, não há que se falar em ofensa ao art. 89 do Código de Processo Civil, tampouco ao art. 12, § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, posto que os bens situados no Brasil tiveram a sua transmissão ao primeiro requerente prevista no testamento deixado por Thomas B. Honsen e confirmada pela sentença homologanda, a qual tão somente ratificou a vontade última do testador, bem como a dos ora requeridos, o que ficou claramente evidenciado em razão da não impugnação ao decisum alienígena. VII – Pedido de homologação deferido”. (STJ – SEC: 1304 US 2005/0153253-6, Corte Especial, Relator Ministro Gilson Dipp, Julgado em 19/12/2007).
SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. DIVÓRCIO. PARTILHA DE BENS. IMÓVEL SITUADO NO BRASIL. ACORDO ENTRE OS EX-CÔNJUGES HOMOLOGADO NO EXTERIOR. REQUISITOS PARA HOMOLOGAÇÃO DA SENTENÇA ESTRANGEIRA. PREENCHIMENTO. 1. É devida a homologação da sentença estrangeira de divórcio, porquanto foram atendidos os requisitos previstos no art. 15 da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro e nos arts. 216-A a 216-N do RISTJ, bem como constatada a ausência de ofensa à soberania nacional, à ordem pública e à dignidade da pessoa humana (LINDB, art. 17; RISTJ, art. 216-F). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não obstante o disposto no art. 89, I, do CPC e no art. 12, § 1º, da LINDB, autoriza a homologação de sentença estrangeira que, decretando o divórcio, convalida acordo celebrado pelos ex-cônjuges quanto à partilha de bens imóveis situados no Brasil, que não viole as regras de direito interno brasileiro. 3. Defere-se o pedido de homologação da sentença estrangeira. (STJ – SEC: 8106 EX 2014/0031201-4, Corte Especial, Relator: Ministro Raul Araújo, Data de Julgamento: 03/06/2015)
[7] TEIXEIRA, Daniela Chaves (Coord.). Arquitetura do planejamento sucessório. 2. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 119.
[8] Apelação cível. Ação de exibição de documentos. Requerente que teve reconhecida judicialmente sua união estável com o de cujus, cujo espólio é integrado, dentre outros bens, por investimentos em sociedade sediada na Holanda, denominada Genesis Engineering C. V. Alegação da autora de que o réu, filho do autor da herança, vem ocultando informações e documentos sobre a empresa Genesis, impossibilitando a realização da sobrepartilha. Sentença que rejeitou as preliminares de afastamento da jurisdição brasileira e de ilegitimidade ativa ad causam. No mérito, julgou procedente o pedido para determinar a exibição dos documentos apontados pela autora, no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária no valor de r$ 500,00. Irresignação do réu insistindo no afastamento da jurisdição brasileira. Rejeição. Incidência do art. 21, i, do CPC/15. Réu domiciliado no brasil. Preliminar de cerceamento de defesa que se afasta. Prova coligida aos autos que se revela suficiente ao deslinde da questão, não se exigindo a produção de outras provas além das já apresentadas pelas partes. Mérito. Apelante detentor da integralidade dos ativos da sociedade holandesa Genesis. Posição que o obriga a apresentar a documentação solicitada. Art. 399, I, CPC. Desprovimento do recurso”. (TJRJ, Apelação Cível nº 0432411-67.2016.8.19.0001, Segunda Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Luiz roldão de Freitas Gomes Filho, julgado em 18.04.2018).
[9] Ibidem.
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Apesar da leitura fria da Lei do Planejamento Familiar, todo e qualquer caso referente a problemas conjugais relacionados à esterilização voluntária deve ser analisado individualmente por um profissional especializado.
Laísa Santos[1]
Maria Luisa Machado Porath[2]
VOCÊ SABE O QUE É PLANEJAMENTO FAMILIAR?
O Planejamento Familiar está previsto na Constituição Federal, assim como no Código Civil e na Lei nº 9.263/96. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, as relações familiares e o próprio Direito de Família passaram a ser balizados pela ótica dos valores maiores da dignidade e da realização da pessoa humana.
Em breve explicação, o planejamento familiar é uma das políticas públicas brasileira, cuja implementação deve respeitar os direitos individuais e o desejo de cada cidadão de querer ou não constituir família, seja ela conjugal ou parental, com filhos ou não. É decisão exclusiva do casal se deseja ter filhos e a sua quantidade – diferentemente da China, por exemplo, que possui uma política rígida de controle de natalidade, permitindo apenas até dois filhos por casal.
Em que pese toda a regulamentação e a liberdade do casal para planejar, a Lei do Planejamento Familiar tem sido objeto de diversas críticas e questionamentos judiciais quanto à sua constitucionalidade. Um dos pontos centrais é acerca de um artigo que trata sobre a necessidade de consentimento expresso de ambos os cônjuges quando um deles optar pela esterilização[3].
O QUE DIZ A LEI
Conforme exposto, a Constituição de 1988, comumente chamada de Cidadã, estabeleceu que o planejamento familiar é de livre decisão do casal. Ao Estado compete apenas garantir recursos educacionais e científicos para a efetivação desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas[4].
Para a regulamentação dessa política, criou-se a Lei do Planejamento Familiar (Lei nº 9.263/96) que elenca as possibilidades e os requisitos para a esterilização,[5] dos quais destaca-se:
- A possibilidade de esterilização em homens e mulheres;
- A necessidade de capacidade civil plena[6];
- Maiores de 25 anos; ou
- Pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico.
Ainda, a Lei do Planejamento Familiar complementa que, dentro desse prazo, a pessoa terá acesso ao “serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce”.
Contudo, como também mencionado, dentro do artigo de lei que elenca as possibilidades e os requisitos para esterilização, encontra-se a informação de que, na “vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges”[7].
Ou seja, independentemente de ser homem ou mulher, na vigência da sociedade conjugal, é requisito indispensável que o marido ou a esposa concorde com a laqueadura ou a vasectomia.
NÃO HÁ COMO IGNORAR O CONTEXTO SOCIAL
O desafio fundamental para o Estado no âmbito das famílias e das normas que a disciplinam é conseguir conciliar o direito à autonomia privada e à liberdade de escolha com os interesses de ordem pública, que se consubstancia na atuação do Estado apenas como protetor[8].
Sabe-se que, historicamente, o papel da mulher dentro do seio familiar era a reprodução. Apesar de várias lutas, o desvencilhamento dessa imagem ocorre a passos vagarosos pela legislação brasileira.
Além desse fato, a Era Contemporânea vem mostrando a existência de diversos arranjos familiares diferentes do que a legislação previu. Para fins de contextualização, seguem alguns exemplos:
- Pluriparental: com mais de um pai ou mãe;
- Simultânea/Paralela: quando uma pessoa mantém mais de uma família ao mesmo tempo;
- Mosaico/Reconstituída: um dos cônjuges possui filhos do relacionamento anterior;
- Poliafetiva: formada por mais de duas pessoas, num relacionamento não monogâmico.
Cabe ressaltar que a Lei do Planejamento Familiar foi promulgada em 1996, ou seja, antes mesmo da entrada em vigor do Código Civil de 2002. Nesse sentido, possui uma conotação antiquada, com traços do Código Civil anterior, de 1916. Tendo isso em mente, é perceptível que essa lei também não levou em conta os novos arranjos familiares, os quais divergem do modelo tradicional de mãe, pai e filhos.
E SE O CÔNJUGE SE RECUSAR A ASSINAR O TERMO DE CONSENTIMENTO?
Primeiramente, destaca-se que está em tramitação o Projeto de Lei n° 107, de 2018, que, dentre algumas alterações, visa revogar a necessidade de consentimento do cônjuge para a realização da vasectomia ou da laqueadura na Lei de Planejamento Familiar.
Além disso, existem duas Ações de Direta de Inconstitucionalidade (ADINs), em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF) que, conforme o nome informa, têm a pretensão de demonstrar que a lei ou parte dela é inconstitucional. No presente caso, as ADINs 5097/2014 e 5911/2018 tratam justamente da desnecessidade de autorização do cônjuge para o procedimento de esterilização voluntária, abordando o contexto social como plano de fundo.
Apesar de existirem discussões jurídicas acerca da revogação dessa necessidade de consentimento do cônjuge, o Judiciário ainda pauta a sua decisão no §5º, artigo 10 da Lei do Planejamento Familiar. Portanto, a princípio, sem o termo de consentimento do cônjuge, o procedimento de vasectomia ou de laqueadura não poderá ser realizado.
Inclusive, há diversas decisões judiciais pelo país que condenam hospitais – que realizam esse procedimento sem autorização escrita de ambos os cônjuges – a repararem moralmente a esposa ou o marido que não consentiu para tal ato.
Em que pese a leitura fria da lei e o posicionamento majoritário adotado pelos tribunais do País, todo e qualquer caso referente a problemas conjugais relacionados à esterilização voluntária deve ser analisado individualmente por um profissional especializado na área familiar aliado a outros profissionais, como psicólogos e mediadores.
[1] Advogada. Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
[2] Estagiária do escritório Schiefler Advocacia. Graduanda da sétima fase em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Meios Consensuais da UFSC (GEMC). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) – 2015.
[3] Art. 10. Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações: § 5º Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges.
[4] § 7º, art. 226 CF. Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
[5] Art. 10, Lei do Planejamento Familiar. Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações: I – em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce; II – risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos.
[6] Todas as pessoas que não sejam absolutamente (menores de 16 anos) ou relativamente incapazes. De acordo com o artigo 4º do Código Civil, são incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV – os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.
[7] § 5º, art. 10, Lei do Planejamento Familiar. Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges.
[8] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 373
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O Projeto de Lei (PL) nº 529/2020 foi proposto com o intuito de mitigar os efeitos econômicos decorrentes da pandemia do novo coronavírus.
O Governo de São Paulo publicou na data de ontem (13/08) o Projeto de Lei (PL) nº 529/2020 que propõe medidas para o equilíbrio das contas diante dos efeitos econômicos da pandemia do coronavírus. Dentre as mudanças, destaca-se as alterações na tributação de heranças e doações pelo Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
Ainda que a proposta mantenha a alíquota atual do imposto em 4%, há pontos que merecem destaque:
a) Planos de Previdência Complementar (PGBL e VGBL): instituto muito utilizado para o planejamento sucessório, o PL pretende tributar os valores recebidos pelos beneficiários de planos de previdência.
b) Usufruto: nas doações com reserva de usufruto em favor do doador, a tributação incidirá sobre o valor integral do bem – diferentemente do atual que prevê a tributação somente em dois terços do valor do bem.
c) Imóveis: em se tratando de imóveis urbanos, o artigo 13º prevê que a base de cálculo para doação ou herança de imóveis urbanos não poderá ser inferior aos valores utilizados para fins de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) ou de Imposto de Predial e Territorial Urbano (IPTU). Caso seja imóvel rural, o valor da base de cálculo não será inferior ao valor venal divulgado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo ou outro órgão de reconhecida idoneidade
d) Participações societárias: na falta de valor de mercado, a base de cálculo nas transmissões de ações ou quotas por doação ou herança passará a ser apurada com base no patrimônio líquido da sociedade, ajustado pela reavaliação de seus ativos e passivos a valor de mercado – atualmente admite-se a utilização do valor patrimonial sem ajustes.
Destaca-se que o Projeto de Lei não é implementado automaticamente, sendo necessário o devido rito legislativo para a sua aprovação. Caso seja aprovado e convertido em lei ainda em 2020, suas regras passarão a valer apenas em 2021. Assim, as transmissões de bens e direitos decorrentes de herança ou doação feitas este ano ficarão sujeitas às regras vigentes, inclusive no âmbito de um planejamento sucessório.
Por fim, vale ressaltar que em abril de 2020, também sob a justificativa de mitigar os efeitos da pandemia, foi publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo o Projeto de Lei nº 250/2020 que prevê a majoração do ITCMD, que passaria a incidir a alíquotas progressivas de até 8%.
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Read More" [...] O regime de bens impacta diretamente no direito sucessório e na perpetuação do patrimônio do falecido."
DIREITO SUCESSÓRIO: O GRANDE TABU
Mais sensível do que o assunto sobre regime de bens é o direito sucessório. Visto ainda como um tabu, eis que envolve a única certeza da vida, a finitude, a sua discussão vem se tornando cada vez mais importante, principalmente para aqueles que desejam perpetuar o seu patrimônio e assegurar o conforto dos seus entes queridos.
Para melhor elucidação do artigo, aborda-se, abaixo, alguns termos jurídicos presentes no direito sucessório:
- Herança: corresponde ao conjunto de relações jurídicas (ativas e passivas) pertencente ao falecido e transferido aos herdeiros no momento do óbito, em caráter indivisível, até a conclusão do inventário. Até a partilha, o direito dos coerdeiros quanto à propriedade e posse da herança será indivisível e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.
- Meação: decorre do regime de bens. Preexiste ao óbito do outro cônjuge e corresponde à metade do patrimônio comum do casal, quando houver comunicação entre os bens. Portanto, o herdeiro não se confunde com o meeiro, uma vez que este decorre do direito matrimonial enquanto o primeiro é o sucessor dos bens da pessoa falecida. Ao longo do texto, esse item será melhor explorado.
- Espólio: é a massa patrimonial deixada pelo autor da herança.
- Sucessão Testamentária: provém do testamento – ato de última vontade do falecido.
- Sucessão Legítima: decorre da lei e acontece com a morte de alguém, sendo chamados para suceder ao falecido, no que diz respeito ao seu patrimônio (herança), aqueles que a lei designa especificamente.
- Inventário: procedimento por meio do qual são levantados os bens, os direitos, as obrigações e as suas transmissões aos herdeiros de acordo com a porcentagem devida. O inventário será realizado judicial ou extrajudicialmente.
- Legítima: é a parte da herança que é destinada aos herdeiros necessários.
- Beneficiários da Herança:
i) Herdeiros Necessários – ascendentes (ex: pais), descendentes (ex: filhos) e, dependendo do regime de bens adotado, cônjuge sobrevivente/supérstite. São denominados “necessários”, pois não podem ser excluídos do direito à sucessão, salvos em casos de indignidade ou deserdação.
ii) Herdeiros Legítimos – parentes colaterais até o 4° grau (ex: irmãos, sobrinhos, tios e primos) e poderão ser beneficiários da herança em casos em que não há herdeiros necessários nem disposição testamentária diversa.
iii) Herdeiros Testamentários – o falecido, como última vontade, deixa bens a pessoas que, não necessariamente, são parentes. Cabe ressaltar que, havendo herdeiros necessários, o testador só pode dispor livremente de 50% do seu patrimônio.
CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS ACERCA DO DIREITO SUCESSÓRIO
1. Verificação da data de início da relação matrimonial bem como da aquisição e eventual sub rogação dos bens do falecido;
2. Identificação do regime de bens adotado pelo casal;
3. Apuração de dívidas, testamentos, doações e herdeiros necessários.
É importante destacar que o inventário e a partilha de bens funcionam de maneira individualizada. Portanto, deve-se analisar todas as peculiaridades do caso concreto no momento do falecimento.
DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE DE ACORDO COM O REGIME DE BENS ADOTADO
O direito sucessório do cônjuge sobrevivente não depende tão somente da sua capacidade sucessória, reconhecida pelos elementos normativos que disciplinam o fenômeno sucessório, mas também de alguns aspectos fáticos, que caso ausentes, afastam a sucessão do cônjuge falecido [1].
Por exemplo, o cônjuge só é reconhecido como sucessor se, na época do falecimento do outro, o casal não estivesse separado judicialmente, nem separado de fato há mais de dois ano [2].
Abaixo, serão elencados os regimes de bens dispostos na legislação vigente, a fim de compreender minimamente o impacto que possui no âmbito sucessório. Para uma explicação mais detalhada acerca dos regimes, recomendamos o nosso artigo que aborda o conteúdo de forma didática e ilustrativa.
COMUNHÃO PARCIAL DE BENS
Regra geral, o regime da comunhão parcial de bens se caracteriza pela comunicação apenas dos bens adquiridos onerosamente, por um ou pelos dois, durante o casamento ou a união estável. Assim, bens e valores que cada cônjuge possuía quando do início da relação, bem como tudo o que receberem por sucessão ou doação não se comunicarão.
Diante das regras ora expostas, o cônjuge sobrevivente terá direito à meação dos bens adquiridos onerosamente durante o matrimônio, ou seja, o cônjuge sobrevivente será meeiro desses bens.
Para que o cônjuge ou companheiro sobrevivente seja considerado herdeiro e, assim, receba herança, é indispensável que exista acervo particular de bens [3]
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2015, pacificou o entendimento que, pelo motivo do cônjuge sobrevivente já ter o direito à meação, só concorre com os outros herdeiros sobre os bens particulares [4]. Abaixo, segue imagem explicativa:
Exemplo: Maria e João, casados pelo regime comunhão parcial de bens, têm 2 filhos. Antes do casamento, João adquiriu um automóvel. Na constância do matrimônio, o casal adquiriu onerosamente um apartamento. Passados alguns anos, João falece.
Resolução – Em relação ao apartamento, Maria será meeira (direito a 50% do bem), em virtude de que era bem comum ao casal – conforme regra do regime de comunhão parcial de bens. E os outros 50% serão partilhados entre os dois filhos do casal. Ao automóvel, Maria será herdeira, juntamente com seus dois filhos, uma vez que, por ser bem particular de João, Maria não possui direito à meação.
COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS
Na comunhão universal de bens, prevalece a máxima: “tudo é nosso”. Ou seja, tem-se a criação de uma única massa patrimonial, na qual todo o patrimônio anterior ao casamento é agora do casal e os bens futuros, gratuitos ou onerosos, comunicar-se-ã [5].
Diferentemente do que ocorre na partilha sob o regime de comunhão parcial de bens, nesse tipo de regime, o cônjuge sobrevivente não tem direito à herança. A explicação é simples: por ser meeiro, já possui 50% do patrimônio. Portanto, falecendo o cônjuge, 50% de todo o patrimônio é do cônjuge sobrevivente, enquanto os outros 50% (patrimônio do falecido) são divididos entre os herdeiros.
Exemplo: Maria e João, casados pelo regime comunhão universal de bens, têm 2 filhos. Antes do casamento, João adquiriu um automóvel. Na constância do matrimônio, o casal comprou um apartamento. Passados alguns anos, João falece.
Resolução – Como o regime pactuado é o universal de bens, Maria será meeira de todo o patrimônio, independente do bem ter sido adquirido antes da constância do matrimônio. Os outros 50% serão partilhados entre os dois filhos do casal, posto que Maria, nesse caso, não é herdeira.
SEPARAÇÃO DE BENS
O regime de separação convencional de bens é, via de regra, o oposto do regime de comunhão universal. Como o próprio nome já informa, não há a comunicabilidade tanto do patrimônio anterior ao casamento quanto dos bens futuros durante a constância do matrimônio ou da união estável [6].
Trata-se de um regime de estrutura mais simples em que, independentemente do tempo de relação, não haverá comunicação de patrimônio entre o casal durante o matrimônio. Existem duas massas patrimoniais diferentes.
Apesar de, em vida, o casal optar pela não comunicabilidade dos bens, após o falecimento de um, o cônjuge sobrevivente tem direito à herança. No entanto, salienta-se: não necessariamente será herdeiro de 50% do patrimônio, uma vez que não é meeiro. Dito isso, o cônjuge sobrevivente concorrerá com os herdeiros necessários, por exemplo, descendentes.
Exemplo: Maria e João, casados pelo regime de separação convencional de bens, têm 2 filhos. Antes do casamento, João adquiriu um automóvel. Na constância do matrimônio, o casal comprou um apartamento juntos. Passados alguns anos, João falece.
Resolução – Como o regime pactuado é a separação convencional de bens, Maria não é meeira, visto que os bens, mesmo na constância do matrimônio, não se comunicam. Em relação ao apartamento, pelo fato de Maria tê-lo comprado juntamente com João (constando a porcentagem de 50% de cada um no instrumento de compra e venda e na matrícula do imóvel), terá direito à parte dela. Sobre os 50% de João, Maria concorrerá com seus dois filhos na condição de herdeira. Ao automóvel, Maria será herdeira, juntamente com seus dois filhos, em razão de que, por ser bem particular de João, Maria não possui direito à meação.
Diferentemente da separação convencional de bens, em que os próprios integrantes do relacionamento optam por escolher a independência de seu patrimônio ao longo da relação, em certos casos, a lei impõe o regime de separação no casamento, denominado regime de separação legal ou obrigatória de bens [7].
Essa imposição tem o sentido de evitar confusão patrimonial ou sanguíneo [8]. Assim, não há uma proibição pelo Estado quanto à realização do casamento, porém, afirma que, ocorrendo, deverá ser feito no regime de separação obrigatória de bens.
Ao falecimento de um dos cônjuges, o STJ, em 2018, consolidou o entendimento de que, para o cônjuge sobrevivente ser considerado herdeiro, é necessário que haja prova de esforço mútuo na aquisição do bem[9]. Destaca-se: esse esforço não é, necessariamente, financeiro. Por ser uma prova subjetiva, torna-se, por vezes, difícil a sua comprovação.
PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS
O regime de participação final nos aquestos [10] possui uma espécie híbrida, com características tanto do regime de separação quanto de comunhão parcial de bens [11]. Nesse sentido, os bens adquiridos antes do matrimônio não se comunicam. Na constância do matrimônio, assim como ocorre no regime de separação total dos bens, cada cônjuge mantém seu próprio patrimônio, com administração exclusiva de seus bens, inclusive os imóveis, desde que previamente estipulado no pacto antenupcial [12].
Contudo, na eventualidade da dissolução conjugal, serão apurados os aquestos sobre os bens adquiridos de forma onerosa pelo casal, situação um pouco distinta do que acontece na prática no regime de comunhão parcial de bens.
Na sucessão, a partilha de bens deve observar a meação do cônjuge sobrevivente conforme as previsões do Código Civil [13]. Ou seja, ocorre de uma forma semelhante ao divórcio: meação sobre os aquestos/bens comuns. Acerca do restante do patrimônio do falecido, o cônjuge sobrevivente será herdeiro.
Exemplo: Maria e João, casados pelo regime participação final nos aquestos, têm 2 filhos. Antes do casamento, João adquiriu um automóvel. Na constância do matrimônio, o casal comprou um apartamento. Passados alguns anos, João falece.
Resolução – Em relação ao apartamento, Maria será meeira (direito a 50% do bem), posto que era um bem comum ao casal – conforme regra do regime de participação final nos aquestos. E os outros 50% serão partilhados entre os dois filhos do casal. Ao automóvel, Maria será herdeira, juntamente com seus dois filhos, uma vez que, por ser bem particular de João, Maria não possui direito à meação.
REGIME MISTO
Através do pacto antenupcial, é possível escolher regras de dois ou mais regimes, como uma espécie híbrida [14]. Para este tipo de regime, o direito sucessório dependerá das cláusulas no pacto antenupcial que o casal estabelecer. Portanto, não há previsibilidade de como se dará a partilha.
COMO UMA CONSULTA JURÍDICA AUXILIA NO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO E PATRIMONIAL
Como percebido pelo texto, o regime de bens impacta diretamente no direito sucessório e na perpetuação do patrimônio do falecido. A consulta jurídica servirá para esclarecer dúvidas acerca das consequências da escolha do regime de bens no âmbito sucessório bem como bem como propor meios de solução para um bom planejamento.
Ressalta-se que as consequências da divisão do patrimônio de acordo com o regime de bens são muito maiores do que fora apresentado no presente artigo, sendo apenas um caso exemplificativo.
Laísa Santos. Advogada. Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
Maria Luisa Machado Porath. Estagiária do escritório Schiefler Advocacia. Graduanda da sétima fase em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Meios Consensuais da UFSC (GEMC). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) – 2015.
Bibliografia:
[1] MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. Sucessão legítima: as regras da sucessão legítimas, as estruturas familiares contemporâneas e a vontade. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 517.
[2]Art. 1.830 CC. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.
[3] Art. 1.829 CC. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.
[4] RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. HERDEIRO NECESSÁRIO. EXISTÊNCIA DE DESCENDENTES DO CÔNJUGE FALECIDO. CONCORRÊNCIA. ACERVO HEREDITÁRIO. EXISTÊNCIA DE BENS PARTICULARES DO DE CUJUS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.829, I, DO CÓDIGO CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. 1. Não se constata violação ao art. 535 do Código de Processo Civil quando a Corte de origem dirime, fundamentadamente, todas as questões que lhe foram submetidas. Havendo manifestação expressa acerca dos temas necessários à integral solução da lide, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte, fica afastada qualquer omissão, contradição ou obscuridade. 2. Nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. 3. A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus. 4. Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1368123 SP 2012/0103103-3, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 22/04/2015, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 08/06/2015)
[5] Art. 1.667 CC. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.
[6] Art. 1.687 CC. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.
[7] Art. 1.641 CC. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
[8] Pessoas prestes a contraírem o casamento.
[9] EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.623.858 – MG (2016/0231884-4) RELATOR : MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO) EMBARGANTE : A M DE R J ADVOGADO : ANTONIO MARCOS DE RESENDE JUNIOR – MG106595 INTERES. : A M R – ESPÓLIO DECISÃO Trata-se de embargos de divergência interpostos pela A M DE R J contra acórdão da eg. Terceira Turma desta Corte, assim ementado: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. MEAÇÃO. CÔNJUGE SUPÉRSTITE. SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. 1.O acórdão recorrido que adota a orientação firmada pela jurisprudência do STJ não merece reforma. 2. Recurso não provido. (AgInt no REsp 1623858/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 18/12/2017) O acórdão embargado afirma, em síntese, que: “Ao decidir que o cônjuge supérstite, casado sob o regime de separação legal de bens, faz juz à meação de bem adquirido na constância do casamento, independentemente da prova de esforço comum, o TJSP se alinhou ao entendimento do STJ (REsp 1593663/DF, 3ª T., DJe 20/09/2016 e AgRg no REsp 1008684/RJ, 4ª T., DJe 02/05/2012)” (na fl. 408). A parte embargante assinala divergência com julgamento proferido pela eg. Segunda Seção, no EREsp nº 1.171.820/PR, assim ementado: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). DISSOLUÇÃO. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. PARTILHA. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. Nos moldes do art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), à união estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. 2. Nessa hipótese, apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha. 3. Embargos de divergência conhecidos e providos para negar seguimento ao recurso especial. (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015) Requerer o conhecimento e provimento dos presentes embargos de divergência para fazer prevalecer o entendimento exposto no acórdão paradigma. É o relatório. Passo a decidir. À primeira vista, resta caracterizada a alegada divergência, pelo que, cumpridas as formalidades previstas no art. 266, § 1º. do Regimento Interno do Superior Tribunal, admito os presentes Embargos de Divergência. Abra-se vista ao embargado para apresentação de impugnação no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 267 do RISTJ e dos arts. 212, 216 e 219 do Código de Processo Civil. Publique-se. Brasília, 13 de março de 2018. MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO) Relator (STJ – EREsp: 1623858 MG 2016/0231884-4, Relator: Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), Data de Publicação: DJ 15/03/2018).
[10] A palavra “aquesto” significa acúmulo, reserva. Portanto, o regime de participação final nos aquestos poderia ser traduzido para: regime de participação final nos bens acumulados pelo casal.
[11] Art. 1.672 CC. No regime de participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.
[12] Art. 1.656 CC. No pacto antenupcial, que adotar o regime de participação final nos aqüestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares.
[13] Art. 1.685 CC. Na dissolução da sociedade conjugal por morte, verificar-se-á a meação do cônjuge sobrevivente de conformidade com os artigos antecedentes, deferindo-se a herança aos herdeiros na forma estabelecida neste Código.
[14] O estatuto patrimonial do casal pode ser definido por escolha de regime de bens distinto daqueles tipificados no Código Civil (art. 1.639 e parágrafo único do art. 1.640), e, para efeito de fiel observância do disposto no art. 1.528 do Código Civil, cumpre certificação a respeito, nos autos do processo de habilitação matrimonial (IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, Enunciado 331).
Read MoreÉ possível o equilíbrio da saúde pública e a manutenção do direito mesmo em época de pandemia da COVID-19.
Apesar de a Lei do Acompanhante (Lei Federal nº 11.108/2005) garantir à gestante o direito a um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, a pandemia decorrente do novo coronavírus gerou controvérsias entre as unidades de saúde.
Na angústia de não saber se o seu direito será resguardado, tem crescido o número de ações judiciais a fim de que seja cumprida a Lei do Acompanhante.
Recentemente, a juíza Danielle Rodrigues da Silva, da 1ª Vara Cível da Comarca de Cataguases, do Tribunal de Minas Gerais (TJMG), determinou que o Hospital de Cataguases cumpra a decisão de permitir a presença de acompanhantes no momento do parto, sob pena de multa no valor de R$ 50.000,00.
Para a defesa do Hospital, contudo, nenhum direito é absoluto. A decisão do Hospital em ter proibido a presença de acompanhante foi pautada na questão de saúde pública, com a finalidade de reduzir o contágio. No entanto, conforme já abordado no artigo sobre o direito da gestante a um acompanhante no momento do parto, é possível o equilíbrio da saúde pública e a manutenção do direito mesmo em época de pandemia da COVID-19.
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VAMOS NOS CASAR! E AGORA?
A escolha do regime de bens é, quase sempre, negligenciada entre os noivos, seja por desinformação ou, ainda, por ser considerado um assunto delicado entre o casal. Porém, é ela quem norteará toda a vida patrimonial durante e logo após o casamento. Assim, para o bom e duradouro relacionamento, é indispensável que haja uma conversa franca sobre o assunto.
Mas o que é e como funciona a escolha do regime de bens?
Em síntese, o regime de bens é uma norma que regula as relações patrimoniais entre um relacionamento afetivo, considerando não só o patrimônio adquirido durante a constância da relação como aqueles trazidos antes do seu início.
“Não pretendo me divorciar. Mesmo assim, preciso pensar nisso?” Sim! Embora ainda seja um assunto tormentoso para aqueles que estão iniciando uma vida a dois, recomenda-se que o casal converse e entenda os tipos de regimes de bens previstos na lei e a forma como isso impacta na vida do casal. Você sabia que, dependendo do regime adotado, é necessária a anuência do outro para determinados atos[1]? E que o regime de bens influenciará diretamente não só no divórcio mas também nos direitos sucessórios?
É válido mencionar que o regime de bens é norteado por regras gerais, dentre as quais destacamos:
- Liberdade de Escolha: como o próprio nome sugere, os nubentes – pessoas prestes a contraírem o matrimônio – têm, em regra, a autonomia privada e a liberdade de escolha. Ou seja, no processo de habilitação, estão livres para optar por qualquer regime previsto no Código Civil; podem, inclusive, criar um regime misto com base nos já existentes. Contudo, existem exceções, como a imposição do regime de separação total de bens prevista na legislação [2].
- Variabilidade: O Código Civil possui diferentes tipos de regimes de bens, quais sejam, comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação de bens e participação final nos aquestos. Assim, os nubentes, de acordo com a liberdade de escolha, adotam o que mais lhes convém ou criam um regime misto.
- Mutabilidade: Desde que haja expressa autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, é possível a alteração do regime de bens.
E AFINAL, QUAIS SÃO OS REGIMES DE BENS?
Os principais regimes de bens são:
- Comunhão parcial de bens;
- Comunhão universal de bens;
- Separação de bens;
- Participação final nos aquestos.
Abaixo, serão elencados os regimes de bens dispostos na legislação vigente, assim como as suas principais características durante o matrimônio ou a convivência.
COMUNHÃO PARCIAL DE BENS
Esse tipo de regime de bens é o mais comum no Brasil. Isso porque o Código Civil de 2002 institui que, não havendo escolha expressa dos nubentes, vigorará o regime de comunhão parcial de bens. É oportuno comentar que esse também, em regra, é o regime adotado em casos de união estável [3].
De forma direta, o regime da comunhão parcial de bens se caracteriza pela comunicação apenas dos bens adquiridos onerosamente, por um ou pelos dois, durante o casamento ou a união estável. Assim, bens e valores que cada cônjuge possuía quando do início da relação, assim como tudo o que receberem por sucessão ou doação não se comunicarão.
Veja o diagrama abaixo que exemplifica o patrimônio entre os cônjuges que optarem pelo regime de comunhão parcial de bens:
Ressalta-se que o diagrama não deve ser tratado como regra absoluta. Como exposto, a legislação prevê que os bens que cada cônjuge possuir antes de casar e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento ou da união estável, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar, não se comunicarão.
Exemplificando: antes do casamento, A comprou um automóvel no valor X. Durante o matrimônio, esse cônjuge decidiu vendê-lo e adquiriu outro, de mesmo valor. Este, por ter substituído o anterior (sub-rogado em seu lugar), não fará parte de futura meação, uma vez que foi adquirido integralmente pelo patrimônio pessoal.
Evidencia-se, ainda, que a legislação presume que os bens móveis adquiridos na constância do casamento ou da união estável, quando não se provar que o foram em data anterior, são bens comuns.
Outrossim, a administração do patrimônio comum compete a qualquer um dos cônjuges – salvo expressas determinações – bem como as dívidas contraídas durante o relacionamento.
COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS
Até a Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/77), por razões históricas e morais, a comunhão universal de bens era o regime adotado como supletivo (legal). Ou seja, quando não havia estipulação contrária pelos nubentes, prevalecia a comunhão universal de bens. Por esse motivo, ainda é muito comum se deparar com esse tipo de regime em casais das gerações anteriores.
Na comunhão universal de bens, prevalece a máxima: “tudo é nosso”. Ou seja, tem-se a criação de uma única massa patrimonial, na qual todo o patrimônio anterior ao casamento é agora do casal e os bens futuros, gratuitos ou onerosos, comunicar-se-ão [4], conforme se demonstra do diagrama abaixo:
Todavia, a legislação [5] prevê certas exceções à máxima do “tudo é nosso”.
Os bens de uso pessoal, livros, instrumentos de profissão bem como os proventos dos trabalhos pessoais e pensões comumente não integram o patrimônio comum.
Como regra, os bens adquiridos de forma gratuita (doação, por exemplo) se comunicam. Porém, é possibilitado ao doador inserir uma cláusula de incomunicabilidade no bem doado para uma pessoa casada sob o regime de comunhão universal de bens. Assim, os bens não farão parte de futura meação.
Ainda, em geral, as dívidas anteriores ao casamento estão excluídas da comunhão. Entretanto, comprovando-se que essas dívidas se reverteram em proveito do casal, poderá haver comunicabilidade. Por exemplo: antes de casar, A fez um empréstimo para mobiliar o apartamento que o casal ia residir. Como ambos se beneficiaram desses móveis, a dívida se torna tanto de A quanto de B.
SEPARAÇÃO DE BENS
O regime de separação (convencional ou legal) de bens é, via de regra, o oposto do regime de comunhão universal. Como o próprio nome já informa, não há a comunicabilidade tanto do patrimônio anterior ao casamento quanto dos bens futuros durante a constância do matrimônio ou da união estável [6].
Toda vez que se deparar com o regime da separação de bens, é imprescindível analisar se tal modalidade foi elegida pelos integrantes da relação ou imposta pela legislação, visto que as consequências são bastante distintas [7].
Trata-se de um regime de estrutura mais simples em que, independentemente do tempo de relação, não haverá comunicação de patrimônio entre o casal durante o matrimônio. Existem duas massas patrimoniais diferentes, conforme se demonstra através do diagrama a seguir:
Nessa modalidade, o casal, pautado no princípio da autonomia privada, decide que cada um terá a sua independência patrimonial. Os integrantes do relacionamento permanecem sob a administração exclusiva de cada um dos bens, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. Para que haja “nosso”, é necessário que, no instrumento de compra, conste a referência de qual percentual será a participação de cada um dos cônjuges ou conviventes. Veja-se através da imagem abaixo:
Ainda, é o único regime de bens que qualquer um dos cônjuges, independentemente de autorização do outro ou judicial, poderá (i) alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; (ii) pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos e; (iii) prestar fiança ou aval.
Este tipo de regime é usualmente adotado por aqueles que pretendem se envolver em negócios de alto risco, visto que não se comunicarão dívidas contraídas.
Ressalta-se que é obrigatória a realização de pacto antenupcial – que será melhor explicado posteriormente – neste tipo de regime.
Ainda, necessário alertar que a escolha da separação patrimonial em nada afeta a eventual imposição de obrigação alimentar, pois, em nosso ordenamento jurídico, o dever de mútua assistência é imposto tanto ao casamento quanto à união estável, independentemente da escolha do regime de bens.
Diferentemente da separação convencional de bens, em que os próprios integrantes do relacionamento optam por escolher a independência de seu patrimônio ao longo da relação, em certos casos, a lei impõe o regime de separação no casamento, denominado regime de separação legal ou obrigatória de bens [8].
Lembram-se da exceção comentada no princípio da liberdade de escolha? Pois bem, é a separação obrigatória! Vale mencionar que existem duas possibilidades que implicam na obrigatoriedade deste regime aos nubentes: quando esses não observam alguma causa impeditiva do casamento; ou quando um, ou ambos, possuem idade superior a 70 anos.
PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS
O regime de participação final nos aquestos [9] é de difícil compreensão e de pouca usabilidade. A sua complexidade reside no fato de que possui uma espécie híbrida, com características tanto do regime de separação quanto de comunhão parcial de bens [10].
Nesse sentido, os bens adquiridos antes do matrimônio não se comunicam. Na constância do matrimônio, assim como ocorre no regime de separação total dos bens, cada cônjuge mantém seu próprio patrimônio, com administração exclusiva de seus bens, inclusive os imóveis, desde que previamente estipulado no pacto antenupcial [11].
Contudo, na eventualidade da dissolução conjugal, serão apurados os aquestos, em uma situação similar ao que acontece na prática no regime de comunhão parcial de bens. Uma das diferenças seria que, na participação final nos aquestos, somente são contabilizados os bens adquiridos de forma onerosa pelo casal. Já na comunhão parcial de bens, conforme mencionado anteriormente, como regra geral, não há distinção entre os bens adquiridos, na constância do casamento ou da união estável, pelo casal ou por um dos cônjuges.
Portanto, para a apuração dos aquestos, serão excluídos da soma dos patrimônios próprios (i) os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram; (ii) os que sobrevieram a cada um por sucessão ou adoção e; (iii) as dívidas em relação a esses bens [12]. Assim se demonstra o diagrama abaixo:
Alerta-se que as dívidas de um dos cônjuges, quando superiores à sua meação, não obrigam ao outro ou aos seus herdeiros.
REGIME MISTO
É POSSÍVEL ESTIPULAR UM REGIME DIFERENCIADO DO PREVISTO NO CÓDIGO CIVIL?
Sim! Como demonstrado no início do presente artigo, as regras da liberdade de escolha e da autonomia privada permitem aos nubentes, no processo de habilitação, a criação de regimes mistos. Contudo, para a opção de regime que não seja o parcial de bens, é obrigatório que formalizem o pacto antenupcial, no caso do casamento, e o contrato de convivência, na hipótese de união estável [13].
Ademais, através do pacto antenupcial, é possível escolher regras de dois ou mais regimes, como uma espécie híbrida [14]. A imagem a seguir traduz essa liberdade de escolha:
No entanto, ressalta-se que isso traz implicações sucessórias quando o cônjuge sobrevivente concorrer com descendentes. Ainda, caso seja do interesse dos nubentes, e desde que não violem os direitos fundamentais, também é possível estabelecer cláusulas existenciais [15].
Como uma consulta jurídica auxilia na escolha no regime de bens
Não é obrigatória a presença de um advogado para a escolha do regime de bens, porém, é altamente recomendável para dirimir quaisquer dúvidas entre o casal. O regime de bens, seus impactos no matrimônio e as suas implicações no direito sucessório são complexas e exigem atenção redobrada para evitar “surpresas” decorrentes da opção escolhida.
Nesse sentido, a consulta jurídica auxilia os nubentes a encontrarem a solução mais adequada para as suas expectativas. Inclusive, para, em uma futura partilha, evitar a frase: “mas eu não sabia que isso fazia parte da divisão!”. Além disso, a consulta jurídica pode assessorar na abordagem do assunto, tendo em vista que o regime de bens ainda é visto como tabu e motivo de discussão e desconfiança para muitos casais.
Laísa Santos. Advogada. Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
Maria Luisa Machado Porath. Estagiária do escritório Schiefler Advocacia. Graduanda da sétima fase em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) – 2015.
[1] Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III – prestar fiança ou aval; IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.
[2] Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
[3] Art. 1.725 CC. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
[4] Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.
[5] Art. 1.668. São excluídos da comunhão: I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; IV – as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; V – Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659. Art. 1.669. A incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo antecedente não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento.
[6] Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.
[7] ROSA, Conrado Paulino da. Curso de direito de família contemporâneo. 6. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2020, p. 245.
[8] Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
[9] A palavra “aquesto” significa acúmulo, reserva. Portanto, o regime de participação final nos aquestos poderia ser traduzido para: regime de participação final nos bens acumulados pelo casal.
[10] Art. 1.672. No regime de participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.
[11] Art. 1.656. No pacto antenupcial, que adotar o regime de participação final nos aqüestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares.
[12] Art. 1.674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o montante dos aqüestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios: I – os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram; II – os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade; III – as dívidas relativas a esses bens. Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos durante o casamento os bens móveis.
[13] Parágrafo único, art. 1.640 do Código Civil. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.
[14] O estatuto patrimonial do casal pode ser definido por escolha de regime de bens distinto daqueles tipificados no Código Civil (art. 1.639 e parágrafo único do art. 1.640), e, para efeito de fiel observância do disposto no art. 1.528 do Código Civil, cumpre certificação a respeito, nos autos do processo de habilitação matrimonial (IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, Enunciado 331).
[15] O pacto antenupcial e o contrato de convivência podem conter cláusulas existenciais, desde que estas não violem os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre os cônjuges e da solidariedade familiar (VIII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, Enunciado 635).
Perguntas Frequentes
O que é Regime de bens?
O regime de bens é uma norma que regula as relações patrimoniais entre um relacionamento afetivo, considerando não só o patrimônio adquirido durante a constância da relação como aqueles trazidos antes do seu início.
Qual é o melhor regime de bens para escolher?
Não existe o melhor e depende muito de caso a caso. O regime de bens, seus impactos no matrimônio e as suas implicações no direito sucessório são complexas e exigem atenção redobrada para evitar ‘surpresas’ decorrentes da opção escolhida.Nesse sentido, a consulta jurídica auxilia os nubentes a encontrarem a solução mais adequada para as suas expectativas. Inclusive, para, em uma futura partilha, evitar a frase: “mas eu não sabia que isso fazia parte da divisão!”. Além disso, a consulta jurídica pode assessorar na abordagem do assunto, tendo em vista que o regime de bens ainda é visto como tabu e motivo de discussão e desconfiança para muitos casais.
O que é comunhão parcial de bens?
O regime da comunhão parcial de bens se caracteriza pela comunicação apenas dos bens adquiridos onerosamente, por um ou pelos dois, durante o casamento ou a união estável.
O que é comunhão universal de bens?
Na comunhão universal de bens, prevalece a máxima: “tudo é nosso”. Ou seja, tem-se a criação de uma única massa patrimonial, na qual todo o patrimônio anterior ao casamento é agora do casal
O que é separação de bens?
O regime de separação, como o próprio nome já informa, não há a comunicabilidade tanto do patrimônio anterior ao casamento quanto dos bens futuros durante a constância do matrimônio ou da união estável
Read MoreA modificação excepcional do nome garantiu a proteção da própria personalidade da filha, entendendo que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro.
Na semana passada, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizou uma mulher a retirar o sobrenome paterno em razão de abandono afetivo e material sofrido.
A autora ajuizou ação de retificação de registro civil alegando que a manutenção do sobrenome lhe trazia constrangimento e sofrimento, afrontando os direitos constitucionais à dignidade e personalidade. Junto à inicial, acostou relatório psicológico que comprovava o quadro de sofrimento, desconforto e constrangimento decorrente da ostentação do sobrenome paterno.
Em seu voto, o relator, Desembargador Donegá Morandini, entendeu incontroverso o rompimento do vínculo afetivo existente entre o genitor e a filha. Ainda, reconheceu que embora a exclusão do sobrenome seja considerada uma medida delicada, pois exclui a identificação da linha genealógica paterna, as circunstâncias vivenciadas nos laços familiares causam intenso sofrimento e desgosto.
Por tais razões, admitiu a modificação excepcional do nome a fim de garantir a proteção da própria personalidade da filha, entendendo que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro.
O posicionamento está, inclusive, adequado ao entendimento já assentado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que proferiu decisão em sede de Recurso Especial em situação análoga, concedendo, ao filho, a possibilidade de suprimir o sobrenome paterno em virtude do abandono afetivo desde a sua tenra idade.
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As relações afetivas possuem, cada qual, as suas particularidades. Assim, deverá ser feita uma análise individual de cada uma delas para se dar a solução jurídica mais adequada aos objetivos e vontades de cada casal.
Laísa Santos[1]
Não são somente as relações profissionais ou comerciais que se tornam cada dia mais complexas e dinâmicas. As relações sociais e afetivas estão em constante metamorfose, sendo imprescindível que o direito acompanhe os novos contornos familiares.
Com a finalidade de se adequar à nova realidade e as necessidades da população brasileira, a união estável foi reconhecida como entidade familiar pela Constituição Federal de 1988, recebendo regulamentação e proteção que antes era conferida apenas ao casamento[2]. Desde então, a equiparação da união estável ao casamento tem sido cada vez mais crescente, principalmente após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 que pôs fim a diferenciação de tratamento sucessórios entre os companheiros e cônjuges[3].
Diferentemente do casamento, em que existe um procedimento rígido e formal, a união estável é norteada, quase sempre, pela informalidade. Nascida a partir da convivência, é considerada como uma união de fato em que o casal convive em posse do estado de casado ou com a aparência de casamento. Pela sua natureza informal, por vezes, pode ser confundida com o namoro.
1. Assim, quais são os requisitos da união estável?
Por ser caracterizada como uma união de fato, possui requisitos objetivos e subjetivos. Os elementos objetivos são aqueles visíveis, que se demonstram de forma inequívoca aos olhos de todos. Pode-se aqui constatar a convivência pública, notória do relacionamento afetivo dos companheiros, a convivência contínua e duradoura – independentemente de tempo mínimo – tampouco exige que os companheiros residam no mesmo lugar.
Ao lado destes elementos, estão os subjetivos, internos, inerentes a vontade das partes. Para a configuração da união estável é necessário que haja a intenção de constituir família, ou seja, que se tenha a convicção de que se está criando uma entidade familiar e assumindo um verdadeiro compromisso, com direitos e deveres pessoais e patrimoniais semelhantes aos que decorrem do casamento.
2. Quando o namoro pode se tornar união estável?
Em tempos de relacionamentos dinâmicos, as formas do seu início também se multiplicam e se diferenciam. As redes sociais tornaram-se, inegavelmente, um instrumento de formação (e, em muitos casos, deformação) das relações afetivas[4].
Na realidade das varas de família, o desafio recorrente nas ações de reconhecimento e dissolução de união estável é a prova da sua existência e do marco inicial da sua existência. Embora a codificação civil possibilite a realização de escritura de união estável regulamentando os efeitos da convivência, fato é que parcela ínfima da população documenta a relação.
Diante das pequenas nuances existentes, nem sempre é fácil distinguir a união estável do namoro, que também se apresenta de maneira informal perante a sociedade, trazendo, em não raros casos, insegurança e temor nas relações afetivas[5]. Numa feição moderna, o namoro implica, em muitos casos, em uma mesma convivência íntima. Os namorados coabitam, frequentam as respectivas casas, estão juntos em eventos sociais e familiares, demonstrando a existência de um relacionamento amoroso. Os elementos objetivos podem se assemelhar – e muito – a uma união estável.
Todavia, para a transformação do namoro em união estável é necessário um elemento imprescindível: a intenção de ambos em constituir uma entidade familiar.
Na hipótese de existir discussão judicial acerca da sua existência e, na ausência de contrato ou declaração escrita, o juízo utilizará das provas produzidas no processo para verificar se, de fato, existia a união estável e quando houve o seu termo inicial ou se se tratava apenas de um namoro.
3. O contrato de namoro pode prevenir este tipo de discussão?
A figura do contrato de namoro surgiu com o intuito de afastar a caracterização da união estável, evitando, assim, uma possível disputa patrimonial, já que o namoro se trata unicamente de uma relação afetiva, e não jurídica.
O contrato de namoro nada mais é do que uma declaração de vontade das partes envolvidas emocionalmente e que, por ora, não desejam constituir uma família. Orienta-se que tal documento seja registrado em cartórios públicos ou particulares, mediante o reconhecimento de firma.
Embora sua validade jurídica ainda esteja à mercê de interpretações em virtude da ausência de legislação, uma parcela do judiciário já confere validade ao documento.
De toda sorte, ainda que inexista regulamentação e haja decisões contraditórias, o contrato de namoro não é de todo inútil em sua missão, uma vez que exterioriza o pensamento do casal sobre a sua relação afetiva, servindo, ao menos, de indício da ausência do denominado intuitu familiae, ou seja, da vontade de constituir familiar – pressuposto este, como visto, basilar para o reconhecimento da união estável.
Nada impede, inclusive, que os integrantes do relacionamento estabeleçam, quando da realização do contrato, que no momento em que desejarem assumir uma relação com o status de entidade familiar, farão um novo instrumento.
A bem da verdade, a análise da realidade fática e da dinâmica da relação é que vai definir, na maioria dos casos, se está diante de uma união estável ou de um namoro. Ressalta-se que não se pode depositar todas as expectativas neste instrumento acreditando que será suficiente para afastar o reconhecimento da união estável vivida, tampouco que trará com certeza a segurança jurídica pretendida.
Como se sabe, as relações afetivas possuem, cada qual, as suas particularidades. Assim, deverá ser feita uma análise individual de cada uma delas para se dar a solução jurídica mais adequada aos objetivos e vontades de cada casal.
[1] Advogada. Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
[2] É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família
[3]http://www.juscatarina.com.br/2017/10/19/laisa-santos-uniao-estavel-e-inconstitucionalidade-do artigo-1790-do-codigo-civil/
[4] ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família Contemporâneo. 6. ed. rev., amp. e. atual. Salvador: JUSPODIVM, 2020, p. 132.
[5] Maria Berenice Dias aduz que: “Não é fácil distinguir união estável e namoro, que se estabelece pelo nível de comprometimento do casal, sendo enorme o desafio dos operadores do direito para estabelecer sua caracterização” (in Manual de Direito das Famílias, 10ª ed. RT/SP, 2015, pág. 261)
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De acordo com a Lei Federal nº 11.108/2005, a gestante possui direito a um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Entretanto, a situação excepcional de pandemia causada pelo COVID-19 vem divergindo entendimentos a respeito do tema.
Maria Luisa Machado Porath[1]
Gestar uma vida é um processo complexo. Além das oscilações hormonais, surgem questões internas, como dúvidas, medos, inseguranças e solitude. Ao longo dos meses, a expectativa e a ansiedade aumentam. No entanto, o fim do primeiro trimestre de 2020 trouxe uma situação até então desconhecida e que gerou ainda mais preocupação: a pandemia decorrente da COVID-19.
Diante do atual cenário, uma nova pergunta surge: é possível a presença de um acompanhante no momento do parto?
Antes de a respondermos, é válido mencionar que, de acordo com a Lei Federal nº 11.108 de 7 de abril de 2005[2], a gestante possui direito a um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Exatamente por esse motivo que ficou conhecida como a Lei do Acompanhante.
Contudo, como é sabido, a situação em que vivemos impôs mudanças drásticas no cotidiano de todos. Nesse sentido, as unidades de saúde – uma das maiores aglomerações de pessoas com COVID-19 – também tiveram que se adaptar ao novo contexto de pandemia. Diante dessas alterações, o meio jurídico precisou analisar os inúmeros casos concretos, a fim de tentar minimizar possíveis violações ao direito das gestantes.
Por exemplo, em meados de março, era relativamente comum noticiar hospitais que restringiram o direito da gestante de ter um acompanhante quando do parto. A explicação dessas unidades de saúde era pautada no distanciamento social e em preservar a saúde tanto da nova vida quanto da gestante, em função da contaminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2). É o que se extrai das considerações e recomendações da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais, cujo nome fantasia é SOGIMIG:
[…] Considerando que o isolamento social é, nesse momento, da epidemia uma ação essencial para o controle da crise é necessário manter, também durante o trabalho de parto, as ações referentes a esse tema. Isso significa a restrição da presença de doulas e, mesmo, com o devido aconselhamento da gestante/casal/família, restringir acompanhantes e visitas. Para minimizar o sentimento de solidão, principalmente, nos partos de baixo risco deve-se estimular a participação de forma virtual[3].
No entanto, qual o atual posicionamento do judiciário?
Com o passar dos dias, ao constatar certas violações ao direito da gestante, o Judiciário se tornou um meio eficaz para assegurar o direito ao parto humanizado à parturiente. O Desembargador Relator Alexandre Bastos, num caso julgado em maio de 2020, no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS), reformou a decisão do juízo a quo e, assim, determinou que a gestante tivesse resguardado o seu direito de ter um acompanhante no momento do parto. Colaciona-se a referida decisão:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – TUTELA DE URGÊNCIA – GARANTIA DO PARTO HUMANIZADO – DIREITO DA PARTURIENTE AO ACOMPANHANTE QUANDO DO PARTO – PRESENTE OS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA (ARTIGO 300 DO CPC) – CONCESSÃO DA TUTELA – DECISÃO REFORMADA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I. Certo que é direito da parturiente de estar acompanhada quando do parto e, não menos certo, que é direito de todos a garantia da saúde pública, mormente, se em risco de contaminação diante da pandemia derivada da proliferação do covid-19, de forma que estes interesses conflitantes devem ser sopesados nos pratos afilados da balança para que se chegue a uma decisão justa, efetiva e proporcional do art. 6º e art. 8º, ambos do CPC e, também, leve em consideração as consequência práticas da decisão do art. 20 da LINDB, no sentido de garantir o direito da gestante. Contudo, com aplicação das restrições colocadas pela órgãos competentes (OMS e Ministério da Saúde), como mecanismo suficientes para se evitar a contaminação pelo covid-19. II. Recurso conhecido e provido[4].
Contudo, apesar do Judiciário estar fundamentando a sua razão de decidir no sentido de assegurar o direito à gestante mesmo em época de pandemia, no início do mês de junho, a Companhia de Operações Especiais (COE), do estado da Bahia, emitiu uma nota técnica recomendando o oposto[5]. De modo excepcional, apenas as “gestantes menores de 16 anos incompletos ou com deficiência ou patologias que dificultem o seu deslocamento ou entendimento das orientações” teriam direito a acompanhante.
Por consequência disso, o Juiz de Direito, Bel. Almir Edson Lélis Lima, da 2ª Vara dos Feitos de Relação de Consumo, Cíveis, Comerciais, Acidente de Trabalho e Fazenda Pública, do Foro da Comarca de Guanambi/BA, entendeu pelo não deferimento da tutela de urgência. No caso, a gestante requereu a autorização para que o genitor da criança fosse o seu acompanhante durante o parto. Veja-se a decisão:
[…] Trata-se de Mandado de Segurança com pedido liminar, no qual a Impetrante com 39 (trinta e nove) semanas de gestação, podendo ingressar em trabalho de parto em dias ou horas, requer autorização para que o genitor da criança possa acompanhar a parturiente durante todo o trabalho de parto e preste toda a assistência após o mesmo, inclusive, devendo ser orientado dos protocolos de segurança e pelo fornecimento integral dos Equipamentos de Proteção Individual necessário.
Examinando-se as provas trazidas com a inicial, em análise sumária, não exauriente, ao contrário do que afirmado na inicial, penso que não estão presentes os requisitos exigidos pelo art. 7º, inciso III da Lei 12.016/09.
Salta aos olhos, que conforme Nota Técnica COE Saúde nº 69 de 02 de junho de 2020, diante da pandemia do Covid-19, a presença do acompanhante será restrita as gestantes menores de 16 anos incompletos ou com deficiências ou patologias que dificultem o seu deslocamento ou entendimento das orientações, recomendando-se a suspensão temporária dos acompanhantes durante a evolução do trabalho de parto, parto e no alojamento conjunto, como se observa da Nota Técnica anexada pelo próprio impetrante.
Não vislumbro, portanto, qualquer relevância na fundamentação inicial, nem na prova até aqui produzida, ainda que haja um suposto risco de ineficácia da medida, caso apreciada em momento oportuno, uma vez que a informação é no sentido de que o parto será realizado nos próximos dias ou mesmo horas[6]. […]
Ao ter contato com uma decisão desse teor, por óbvio, a gestante tem a sensação de ter o momento de seu parto incompleto. Afinal, o genitor é tão responsável pela criança quanto a genitora e, portanto, deveria atuar ativamente nesse processo, não apenas como mero espectador de filmagem e/ou videoconferência. Corrobora para esse pensamento a Nota Técnica nº 10/2020-COCAM/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS[7], a qual sugere a presença de acompanhante, conforme a Lei Federal nº 11.108, de 7 de abril de 2005 (Lei do Acompanhante).
Algumas Orientações para o Acompanhante
É válido ressaltar algumas orientações, a fim de que o direito da gestante de ter um acompanhante no momento do parto seja respeitado. Portanto, em conformidade com a Nota Técnica nº 10/2020 e com o momento de pandemia da COVID-19 em que atualmente vivemos, o acompanhante:
- Deve estar assintomático e não ser do grupo de risco;
- Com idade entre 18 e 59 anos;
- Sem contato domiciliar com pessoas com síndrome gripal ou infecção respiratória comprovada por SARS-CoV-2.
Contudo, para parturientes com suspeita ou confirmação do novo coronavírus (sintomáticas), deve-se analisar o caso concreto, a fim de assegurar os direitos da gestante e os cuidados acerca da COVID-19. Por exemplo, o acompanhante fazer uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) durante todo o procedimento, já que não é recomendável que a gestante permaneça de máscara durante o parto.
Conclusão
Conforme dito anteriormente, o entendimento que vem sendo consolidado é o de que gestantes têm direito a acompanhante quando do parto, mesmo em época de pandemia da COVID-19. Entretanto, ainda persistem decisões divergentes; algumas delas pautadas em notas técnicas estaduais, contrariando as emitidas pelo Ministério da Saúde.
Por fim, o Judiciário, em consonância com as recomendações de saúde, deve assegurar ao máximo o direito da gestante de ter um acompanhante quando do parto. Esse momento não deve ser ceifado da família, quando não há riscos para o bebê e os demais membros da família e profissionais da saúde. Evidentemente que vivemos numa situação pandêmica, todavia, isso não permite que sejam afastados direitos inerentes à gestante e aos demais membros da família, desde que realizados com cautela.
[1] Estagiária do escritório Schiefler Advocacia. Graduanda, atualmente, da sétima fase em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) – 2015.
[2] Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde – SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.
§1º O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente.
§2º As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo.
[3] SOGIMIG. Coronavírus na Gravidez: Considerações e Recomendações. Acesso em 25 de junho de 2020.
[4] TJMS. Agravo de Instrumento n. 1403938-13.2020.8.12.0000, Campo Grande, 4ª Câmara Cível, Relator (a): Des. Alexandre Bastos, j: 30/05/2020
[5] A presença do acompanhante deve ser restrita às gestantes menores de 16 anos incompletos ou com deficiências ou patologias que dificultem o seu deslocamento ou entendimento das orientações. Este acompanhante deverá ser apenas um (01) durante todo o período de internamento, lembrando que este deverá estar saudável, sem sinais de síndrome gripal e fora do grupo de risco para complicações na eventualidade de uma infecção pelo SARS-CoV-2. Neste sentido e buscando um alinhamento entre as múltiplas ações desenvolvidas nas diversas instâncias de atenção à saúde no Estado, e considerando o cenário epidemiológico e a existência de pessoas assintomáticas, mas potencialmente contaminantes, recomendamos a suspensão temporária dos acompanhantes durante a evolução do trabalho de parto, parto e no alojamento conjunto. Excepcionalmente deve-se garantir que a mulher possa escolher um (01) acompanhante para conhecer a criança recém-nascida no pós-parto imediato, reforçando que o (a) escolhido (a) deve estar fora do grupo de risco para complicações de uma infecção pelo SARS-CoV-2 e sem sintomas respiratórios.
(COE, Nota Técnica COE saúde nº 69 de 02 de junho de 2020. Orientações às Unidades de Saúde de Assistência às Gestantes, Puérperas e Crianças Menores de 2 anos no contexto da Pandemia da Covid-19. Acesso em 26 de junho de 2020).
[6] Foro da Comarca de Guanambi/BA. Mandado de Segurança Cível o n. 8001159-53.2020.8.05.0088, Guanambi, 2ª Vara dos Feitos de Relação de Consumo, Cíveis, Comerciais, Acidente de Trabalho e Fazenda Pública, Juiz de Direito Bel. Almir Edson Lélis Lima, j: 23/06/2020.
[7] 2.6.5. Acompanhantes: garantido pela Lei Federal nº 11.108, de 7 de abril de 2005, sugere-se a presença do acompanhante no caso de pessoa assintomática, com idade entre 18 e 59 anos8 e não contato domiciliar com pessoas com síndrome gripal ou infecção respiratória comprovada por SARS-CoV-2
(BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Nota Técnica nº 10/2020-COCAM/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS. Atenção à Saúde do Recém-nascido no contexto da Infecção pelo novo Coronavírus (SARS-CoV-2), 09 Abr. 2020. Acesso em 26 de junho de 2020).